Decisão Nº 08004008020218209000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 20-09-2021

Data de Julgamento20 Setembro 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08004008020218209000
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoDecisão monocrática

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0800400-80.2021.8.20.9000

AGRAVANTE: FUERN – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROCURADOR: DR. DIEGO NOGUEIRA KAUR

AGRAVADA: HARIADNE DE SOUZA VICOTO

RELATOR: JUIZ REYNALDO ODILO MARTINS SOARES

DECISÃO

Agravo de Instrumento interposto por FUERN – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE inconformada com a decisão interlocutória proferida pelo Juízo de Direito do 5º Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Mossoró/RN nos autos do processo nº 0813707-46.2021.8.20.5106, que deferiu a antecipação da tutela requerida por HARIADNE DE SOUZA VICOTO, para a determinar “que a UERN atualize a carga horária da autora em seu histórico escolar, averbando 330 horas cumpridas do internato de tocoginecologia no semestre letivo de 2019.1, totalizando a carga horária de 2.970 horas do internato, e realize a antecipação da colação de grau da autora HARIADNE DE SOUZA VIÇOTO, aluna do curso de medicina, com a emissão e disponibilização do diploma de graduação ou certificado de conclusão do curso, no prazo de 05 (cinco) dias”.

Na decisão, a juíza Katia Cristina Guedes Dias registrou que o §2º do art. 3º da Lei nº 14.040/2020 autoriza a antecipação da colação de grau do curso de medicina quando o estudante cumprir, no mínimo 75% da carga horária do internato do curso, como medida excepcional de enfrentamento à pandemia do COVID-19, e, no âmbito estadual, o Decreto nº 30.301, de 2020, também autoriza a conclusão do curso de medicina caso integralizada 75% da carga horária do internato, na forma da lei nacional referida. Disse que a requerente, ora agravada, possui integralizadas em seu currículo 2.640 horas de internato e possui uma declaração, constante no id 71249162, que demonstra o cumprimento de mais 330 horas no estágio supervisionado e integrado na forma de internato em tocoginecologia no semestre 2019.1, de modo que, com a integralização deste último dado, a autora se enquadraria na hipótese de antecipação da emissão do diploma. Afirmou que a antecipação da colação de grau não é uma faculdade da instituição de ensino, mas direito exigível desde que preenchidos os requisitos, como no caso. Registrou, ainda, que a urgência da medida se encontra evidenciada pela proposta de emprego anexa aos autos, de acordo com a qual a autora, se habilitada junto ao CRM, prestará serviços médicos em urgência e emergência no Hospital Regional Tarcísio Maia, em Mossoró, na clínica médica COVID.

Nas razões do agravo, a UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE sustentou que a MP 934, de 2020, dizia que a instituição de educação superior poderia abreviar a duração, dentre outros, do curso de medicina, mas a MP perdeu parcialmente sua eficácia ao ser convertida na Lei nº 14.040/2020, com alteração do seu texto original, passando a prever que a antecipação do diploma é condicionada à condição de não haver prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão, consoante redação de seu art. 3º, II. Assim, argumenta que a circunstância de a agravada preencher os requisitos mínimos exigidos não obriga a instituição de ensino a abreviar a duração do curso.

Seguiu argumentando que a MP convertida em Lei e as posteriores regulações emanadas no MEC decorrem de política governamental de combate à pandemia da COVID-19, objetivando incrementar o contingente de profissionais de saúde. No entanto, tais normativas não geram direito subjetivo aos prováveis formandos, mas preveem uma faculdade a ser exercida pela universidade no âmbito de sua autonomia didático-científica. Disse que em reunião sobre a possibilidade de concessão antecipada de grau a seus discentes, a Faculdade de Ciências da Saúde da UERN lavrou ata registrando a decisão de não conceder, por ora, essa antecipação, levando em conta a citada autonomia e as peculiaridades do caso.

Quanto ao caso dos autos, disse que a agravada não cumpriu o Estágio Supervisionado e a emissão das notas da última etapa está incompleta. Disse que as atividades de Estágio, Internato, que deveria ter ocorrido em 2020, foram suspensas devido à pandemia e à impossibilidade de substituição das práticas profissionais de estágios e laboratórios por aulas por meio digital, consoante a Portaria MEC nº 345/2020. Sustentou que a recusa da outorga do grau é prova da evidência da responsabilidade que a UERN tem com a formação dos discentes e com a sociedade, não se tratando de ato arbitrário, e está em acordo com pronunciamento emitido pelo Conselho Federal de Medicina, que externou sua oposição à antecipação da colação de grau dos estudantes que concluíram 75% da carga horária do internato, tendo em vista o prejuízo da formação técnica do profissional. Disse, ainda, que a possibilidade de a agravada atuar na linha de frente contra a pandemia não tem o condão de mitigar a autonomia universitária e que, caso queira, a estudante pode auxiliar no combate a pandemia desenvolvendo o Estágio Curricular Obrigatório em unidades de saúde nas áreas de clínica médica, pediatria e saúde coletiva, mas na qualidade de estudante, e não de médica.

Seguiu afirmando que há outras medidas capazes de aumentar o contingente de profissionais da saúde, como mais exames de revalidação de diplomas obtidos no estrangeiro, que não comprometerão a formação técnica dos novos médicos nem a qualidade da assistência prestada. Disse que não é o judiciário que tem competência para avaliar a capacidade técnica dos estudantes, mas a universidade, que elabora a grade curricular e absolutamente não considera completa a formação do médico com a conclusão de apenas 75% da carga horária prevista para o período de internato médico. Sustentou, então, a legalidade da recusa da antecipação da colação de grau da IES, fundada em longa argumentação sobre os contornos da autonomia universitária, e pugnou pela concessão de efeito suspensivo ao agravo, a fim de evitar danos irreversíveis ao agravante e à coletividade.

É o relatório.

O agravante não merece ter acolhido seu pleito de suspensividade da decisão atacada.

A decisão recorrida apresentou de forma robusta as razões jurídicas que indicam a probabilidade do direito alegado pela autora, às quais me filio.

Entendo que a Instituição de Ensino, atuando como administradora pública quanto à decisão de promover, ou não, a antecipação da colação de grau da agravada, só pode estabelecer restrições ao direito previsto em lei se o fizer justificadamente. Não convence a argumentação genérica de que a antecipação da colação de grau representaria prejuízo à formação técnica do profissional e à assistência prestada à coletividade.

O prejuízo é deveras existente, mas esse prejuízo foi considerado pelo legislador brasileiro que, diante da situação excepcional na pandemia da COVID-19 e da necessidade de oferecer recursos humanos qualificados, lançou mão da completude da formação para atender à necessidade premente. Assim, a menos que a IES esclareça qual é a deficiência insuperável existente no currículo do estudante para impedir a antecipação da graduação, considero ilegítima a recusa da garantia legal.

O administrador público não deve criar novas limitações além das estabelecidas na lei sem uma justificativa que possa ser objeto de julgamento pelos interessados, pela sociedade e, naturalmente, pelo Judiciário. É certo que a redação da Lei nº 14.040, de 2020, determina que a antecipação da colação do grau só pode ser feita se não representar prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão, mas, para apresentar uma restrição, o administrador tem que identificar objetivamente qual seria esse prejuízo a conteúdo essencial. O prejuízo geral, como dito, foi assumido pelo legislador para lograr o aumento do contingente de profissionais, portanto não pode servir de fundamento para sustentar prejuízo, também, aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão.

O fato de a antecipação de grau não ser obrigatória, sendo necessário avaliar determinados requisitos, não significa que existe discricionariedade da administração na concessão, ou não, do direito. Uma vez que o interessado preenche os requisitos legais, ele tem o direito subjetivo de exigi-lo da administração pública.

Por fim, pontuo que garantir a antecipação da colação de grau não me parece malferir a autonomia universitária. A universidade não teve invadida a escolha do currículo escolar nem foi obrigada a praticar ato ilegal, mas somente submetida a aderir a normativa legal editada em contexto fático excepcional, que exigiu de todos, inclusive das IES, sua cota de restrição e de maleabilidade.

Nesse contexto, entendo que a liminar deferida não violou nenhuma garantia constitucional ou legal e analisou acertadamente os requisitos necessários ao deferimento da tutela antecipada requerida.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de suspensividade formulado, mantendo na íntegra a decisão proferida no processo de origem.

Intime-se o agravado para que responda no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente.

Em seguida, vista ao Representante do Ministério Público.

Procedam-se às intimações de estilo.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Natal/RN, 17 de setembro de 2021.

REYNALDO ODILO MARTINS SOARES

Juiz suplente do 3º juiz relator

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