Decisão Nº 08005020520218209000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 27-09-2021

Data de Julgamento27 Setembro 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08005020520218209000
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoDecisão monocrática

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0800502-05.2021.8.20.9000

AGRAVANTE: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROCURADOR: DR. VICTOR BARBOSA SANTOS

AGRAVADA: RENATA CLAZZER

RELATOR: JUIZ REYNALDO ODILO MARTINS SOARES

DECISÃO

Agravo de Instrumento interposto por UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE inconformada com a decisão interlocutória proferida pelo Juízo de Direito do 4º Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Mossoró/RN nos autos do processo nº 0813712-68.2021.8.20.5106, que deferiu a antecipação da tutela requerida por RENATA CLAZZER, para determinar “a UERN realize a antecipação da colação de grau da autora RENATA CLAZZER, aluna do curso de medicina, com a emissão e disponibilização do diploma de graduação ou certificado de conclusão do curso, no prazo de 10 dias”.

Na decisão, o juiz Pedro Cordeiro Junior registrou que o §2º do art. 3º da Lei nº 14.040/2020 autoriza a antecipação da colação de grau do curso de medicina quando o estudante cumprir, no mínimo 75% da carga horária do internato do curso, como medida excepcional de enfrentamento à pandemia do COVID-19, e, no âmbito estadual, o Decreto nº 30.301, de 2020, também autoriza a conclusão do curso de medicina caso integralizada 75% da carga horária do internato, na forma da lei nacional referida. Disse que a requerente, ora agravada, possui integralizadas em seu currículo 2.640 horas de internato e possui uma declaração, constante no id 71251938, que demonstra o cumprimento de mais 330 horas no estágio supervisionado e integrado na forma de internato em Cínica Médica A no semestre 2019.1, de modo que, com a integralização deste último dado, a autora se enquadraria na hipótese de antecipação da emissão do diploma. Afirmou que a antecipação da colação de grau não é uma faculdade da instituição de ensino, mas direito exigível desde que preenchidos os requisitos, como no caso. Registrou, ainda, que a urgência da medida se encontra evidenciada pela proposta de emprego anexa aos autos.

Nas razões do agravo, a UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE sustentou que a MP 934, de 2020, dizia que a instituição de educação superior poderia abreviar a duração, dentre outros, do curso de medicina, mas a MP perdeu parcialmente sua eficácia ao ser convertida na Lei nº 14.040/2020, com alteração do seu texto original, passando a prever que a antecipação do diploma é condicionada à condição de não haver prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão, consoante redação de seu art. 3º, inciso II. Assim, argumenta que a circunstância de a agravada preencher os requisitos mínimos exigidos não obriga a instituição de ensino a abreviar a duração do curso.

Argumentou, ainda, que a MP convertida em Lei e as posteriores regulações emanadas no MEC decorrem de política governamental de combate à pandemia da COVID-19, objetivando incrementar o contingente de profissionais de saúde. No entanto, aduziu, tais normativas não geram direito subjetivo aos prováveis formandos, mas preveem uma faculdade a ser exercida pela universidade no âmbito de sua autonomia didático-científica. Aduziu, ademais, que, em reunião sobre a possibilidade de concessão antecipada de grau a seus discentes, a Faculdade de Ciências da Saúde da UERN lavrou ata registrando a decisão de não conceder, por ora, essa antecipação, levando em conta a citada autonomia e as peculiaridades do caso.

Quanto ao caso dos autos, disse que a agravada não cumpriu o Estágio Supervisionado e a emissão das notas da última etapa está incompleta; aduziu, ainda, que as atividades de estágio, internato, que deveriam ter ocorrido em 2020, foram suspensas devido à pandemia e à impossibilidade de substituição das práticas profissionais de estágios e laboratórios por aulas por meio digital, consoante a Portaria MEC nº 345/2020. Sustentou que a recusa da outorga do grau é prova da evidência da responsabilidade que a UERN tem com a formação dos discentes e com a sociedade, não se tratando de ato arbitrário, e está em acordo com pronunciamento emitido pelo Conselho Federal de Medicina, que externou sua oposição à antecipação da colação de grau dos estudantes que concluíram 75% da carga horária do internato, tendo em vista o prejuízo da formação técnica do profissional. Mencionou, ainda, que a possibilidade de a agravada atuar na linha de frente contra a pandemia não tem o condão de mitigar a autonomia universitária e que, caso queira, a estudante pode auxiliar no combate a pandemia desenvolvendo o Estágio Curricular Obrigatório em unidades de saúde nas áreas de clínica médica, pediatria e saúde coletiva, mas na qualidade de estudante, e não de médica.

Afirmou, ainda, a parte agravante, que há outras medidas capazes de aumentar o contingente de profissionais da saúde, como mais exames de revalidação de diplomas obtidos no estrangeiro, as quais não comprometerão a formação técnica dos novos médicos nem a qualidade da assistência prestada. Disse que não é o Judiciário quem tem competência para avaliar a capacidade técnica dos estudantes, mas a universidade, a qual elabora a grade curricular e absolutamente não considera completa a formação do médico com a conclusão de apenas 75% da carga horária prevista para o período de internato médico. Aludiu, então, a legalidade da recusa da antecipação da colação de grau da IES, fundada em longa argumentação sobre os contornos da autonomia universitária, e pugnou pela concessão de efeito suspensivo ao agravo, a fim de evitar danos irreversíveis ao agravante e à coletividade.

É o relatório.

O agravante não merece ter acolhido seu pleito de suspensividade da decisão atacada.

A decisão recorrida apresentou de forma robusta as razões jurídicas que indicam a probabilidade do direito alegado pela autora, às quais me filio.

Entendo que a Instituição de Ensino, atuando como administradora pública quanto à decisão de promover, ou não, a antecipação da colação de grau da agravada, só pode estabelecer restrições ao direito previsto em lei se o fizer justificadamente. Não convence a argumentação genérica de que a antecipação da colação de grau representaria prejuízo à formação técnica do profissional e à assistência prestada à coletividade.

O fato importante é que o legislador brasileiro, diante da situação excepcional na pandemia da COVID-19 e da necessidade de oferecer recursos humanos qualificados, compreendeu que, diante das condições mínimas mencionadas de formação do estudante de medicina, para atender à necessidade premente, - a pandemia da Covid-19, a colação de grau deveria ser antecipada. Assim, a menos que a IES esclarecesse qual é a deficiência insuperável existente no currículo do estudante para impedir a antecipação da graduação, considero inadmissível a recusa do cumprimento, pela parte agravante, da legislação em tela.

O administrador público não deve criar novas limitações ao direito subjetivo público dos alunos, além daquelas estabelecidas na lei. Havendo, entrementes, justificativa plausível, circunstancial, que seja claramente delineada para, assim, excepcionalmente, não se aplicar determinado dispositivo legal. Aliás, mister ressaltar, como é de sabença curial, que a autonomia universitária não fere - ou não deve ferir - o princípio da legalidade, o qual, pelo contrário, deve ser o lastro dos atos administrativos; eis a razão pela qual o Poder Judiciário pode intervir na seara das decisões universitárias quando o princípio da legalidade, de escopo constitucional, não estiver sendo respeitado. Por óbvio, claro que a conveniência e oportunidade dos atos do gestor universitário nunca serão objeto de análise, mas existindo desobediência aos postulados que regem a administração pública, cristalinamente expostos na Carta Magna, cabe ao Judiciário garantir a correta aplicação das normas.

É certo que a redação da Lei nº 14.040, de 2020, determina que a antecipação da colação do grau só pode ser feita se não representar prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão, mas, para apresentar uma restrição, o administrador deveria ter identificado objetivamente qual seria esse prejuízo, que malferiria conteúdo essencial. O prejuízo geral, como dito, foi assumido pelo legislador para lograr o aumento do contingente de profissionais, portanto, tal circunstância, por se só, não deve servir de fundamento para sustentar prejuízo, também, aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão.

Importante deixar claro, ademais, que o fato de a antecipação de grau não ser obrigatória, não significa que existe discricionariedade da administração na concessão, ou não, do direito. Uma vez que o interessado preenche os requisitos legais, ele tem o direito subjetivo de exigi-lo da administração pública.

Por fim, há que se entender que a determinação da antecipação da colação de grau, para atender a direito subjetivo público, inserto em lei, não me fere a autonomia universitária. Entretanto, com base exclusivamente na autonomia universitária, o ato administrativo que obstaculariza direito legal de estudante, malfere o ordenamento jurídico e deve, por isso, ser rechaçado.

A universidade não teve invadida a escolha do currículo escolar, nem foi obrigada a praticar ato ilegal, mas somente submetida a aderir a normativa legal editada em contexto fático excepcional, que exigiu de todos, inclusive das IES, sua cota de restrição e de maleabilidade.

Nesse contexto, entendo que a liminar deferida não violou nenhuma garantia constitucional ou legal e analisou acertadamente os requisitos necessários ao deferimento da tutela antecipada requerida.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de suspensividade formulado, mantendo na íntegra a decisão proferida no processo de origem.

Intime-se a agravada para que responda no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente.

Em seguida, vista ao Representante do Ministério Público.

Procedam-se às intimações de estilo.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

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