Decisão Nº 08005498020198205400 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 23-12-2019

Data de Julgamento23 Dezembro 2019
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08005498020198205400
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Desa. Maria Zeneide Bezerra

Plantão Judiciário

Habeas Corpus - 0800549-80.2019.8.20.5400

Impetrante: Paulo de Souza Coutinho Filho

Paciente: José Ailton da Silva

Aut. Coatora: Juízo da Vara Única da Comarca de Monte Alegre

Relator(a): Desa. Maria Zeneide Bezerra

DECISÃO

PAULO DE SOUZA COUTINHO FILHO impetrou habeas corpus com pedido liminar em favor de JOSÉ AILTON DA SILVA, em face de decisão da Juíza da Vara Única da Comarca de Monte Alegre/RN (ID4987345 – P.01/05), a qual deixou de analisar o pedido de arguição de nulidade processual em face da ausência de intimação da sentença de pronúncia, mas, no entanto, rejeitou o pleito de reconhecimento de prescrição da pretensão punitiva.

O Paciente foi condenado pelo crime de homicídio qualificado (art. 121, §2º, IV, do Código Penal, e, em suas razões aduziu que (ID 4987341):

a) “O paciente foi surpreendido no dia 11 de novembro de 2019 com a sua prisão em razão de decreto prisional expedido nos autos da Ação Penal n.o 0000001-17.1997.8.20.0144, que tramitou pela Vara Única da Comarca de Monte Alegre, Estado do Rio Grande do Norte, extraído da decisão que condenou o paciente, proferida em 24 de novembro de 2011”;

b) “A ordem de prisão, conforme acima registrado, decorre da decisão que o condenou pela prática de crime supostamente praticado em 02 de março de 1996, em processo que tramitou em sua integralidade sem o conhecimento pessoal do Paciente, nunca encontrado para citação ou qualquer das intimações necessárias”;

c) “Com efeito, a decretação da revelia ocorreu logo no início do processo, tendo o Paciente se evadido do local em razão do receio de perder a vida, diante da rixa existente entre a vítima e o mesmo, decorrente de questões familiares”;

d) “A instrução ocorreu sem que o réu fosse intimado pessoalmente para qualquer dos atos, tendo sido representado por Defensor Dativo indicado pelo Juiz de primeiro grau”;

e) “Ato contínuo, em 18 de outubro de 1999, foi proferida a Sentença de Pronúncia, registrada na mesma data em Livro próprio da secretaria”;

f) “são nulos de pleno direito todos os atos praticados a partir da sentença de pronúncia, uma vez que ausente a intimação pessoal do réu, que já fora incialmente citado por edital”;

g) “Outrossim, considerando a nulidade flagrante de todos os atos desde a Pronúncia (sentença registrada em 18 de outubro de 1999), bem como, que este é o último ato judicial legitimado a interromper o transcurso do prazo prescricional, resta patente a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, considerando o prazo de mais de 20 (vinte) anos desde então”;

h) “foi impetrado o Habeas Corpus n. 0808744-55.2019.8.20.0000, distribuído ao eminente Desembargador Saraiva Sobrinho, cuja análise inicial concluiu pela possibilidade de supressão de instância, acaso houvesse pronunciamento antes da decisão do Juiz de Primeiro Grau”;

i) “Após pedido de reconsideração, sustentando a ausência de supressão de instância em face da flagrante nulidade e da ocorrência da prescrição, o d. Relator manteve o entendimento anteriormente esposado, e o Writ não foi conhecido”;

j) “a Juíza de primeira instância rejeitou o pedido de declaração da nulidade processual e o consequente reconhecimento da prescrição, sob o argumento de que compete ao Tribunal de Justiça a apreciação de tal pleito”;

Com estes argumentos pede a concessão, pela relatoria, de provimento liminar que decrete a revogação da prisão do paciente JOSÉ AILTON DA SILVA, diante da flagrante ILEGALIDADE de sua manutenção, consubstanciada na ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do estado, expedindo-se, de imediato, o competente Alvará de Soltura” e, no mérito, confirmada a medida liminar requerida, concedendo-se em definitivo a ordem de habeas corpus em favor do Paciente, reconhecendo e declarando a nulidade de todos os atos processuais praticados posteriormente à Sentença de Pronúncia, e, por consequência, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva em face do mesmo”.

Este é o relatório. Decido.

O impetrante ingressou com o presente Habeas Corpus sustentando que a intimação do paciente por edital, sobre a sentença de pronúncia, é ilegal, pois tendo o fato delituoso ocorrido antes da vigência da Lei n.º 9.271/96, deveria ter sido intimado pessoalmente, o que resulta em nulidade processual a partir de então, e, por conseguinte, ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

Antes da análise cabe fazer uma digressão dos fatos:

a) O Paciente cometeu o crime de homicídio em 02 de março de 1996;

b) a denúncia foi recebida em 16.01.1997;

c) foi decretada a preventiva em 05.02.1997;

d) ele foi pronunciado em 18/10/1999;

e) a sentença condenatória ocorreu em 24.11.2011.

Na hipótese dos autos o Réu cometeu o crime em janeiro de 1996, foi citado por edital (em 26.07.1997) e ainda, não compareceu a audiência de interrogatório (em 05.08.1997), ocasião em que restou decretada a revelia, sendo, posteriormente, intimado por via editalícia da sentença de pronúncia.

Pois bem. Há época dos fatos o art. 366, do CPP trazia a presente redação:

Art. 366. O processo seguirá à revelia do acusado que, citado inicialmente ou intimado para qualquer ato do processo, deixar de comparecer sem motivo justificado.

Com a Lei 9271/96 de 17 de abril de 1996, ao referido artigo foi dada nova redação, qual seja:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

E, tendo em vista que o crime ocorreu antes da modificação do art. 366, do CPP, a situação dos autos deve se submeter à antiga redação, eis mais favorável ao réu, dada a sua natureza mista, penal e processual.

Seguindo, ressalto que o réu foi pronunciado, mas, por ser revel, a intimação da respectiva decisão foi realizada por via editalícia, consoante art. 420 do CPP1, instituída pela novel lei n.º 11.689/08. Todavia, este procedimento não poderia ser adotado, pois, o dispositivo também tem natureza penal, e desfavorece o denunciado, ante o princípio da irretroatividade da lei penal em seu prejuízo, na medida em que a dicção anterior sobre o tema (art. 414 do CPP2) preconizava sempre a intimação pessoal, na esteira dos julgados do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CITAÇÃO POR EDITAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INTIMAÇÃO POR EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. FATOS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI N.º 9.271/96. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. NECESSIDADE DE CONHECIMENTO DA ACUSAÇÃO EM CURSO. OBEDIÊNCIA AO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA.

1. Com a entrada em vigor da Lei n.º 11.689/08, foi incluído parágrafo único ao art. 420 do Código de Processo Penal e alterada a redação do art. 457, caput, passando-se a permitir a intimação por edital do pronunciado não localizado para conhecimento da sentença de pronúncia pessoalmente, pois afastada a regra de sobrestamento do processo em tal caso.

2. Contudo, a nova disciplina aplicada ao rito escalonado do Júri (arts. 420, parágrafo único, e 457 do Código de Processo Penal), trazida pela Reforma do Código de Processo Penal em 2008, impossibilitou a intimação por edital daquele citado fictamente para defender-se, e cujos fatos ocorreram antes da Lei n.º 9.271/96, ou seja, em obediência ao disposto na antiga regra do art. 414 do Código de Processo Penal.

3. A necessidade de intimação pessoal da sentença de pronúncia, quando a citação se dá por edital, decorre também da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica (1969) -, da qual o Brasil é signatário (Decreto nº 678/1992).

4. No caso, a conduta delituosa imputada nos autos ocorreu em 3.1.1986. A citação ocorreu fictamente, assim como a intimação da sentença de pronúncia, situação esta que caracteriza flagrante ilegalidade, sendo necessária a anulação da intimação por edital.

5. Ordem concedida." (HC 152.527/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 17/04/2012, DJe 19/09/2012) (Destaquei)

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. CITAÇÃO FICTA. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INTIMAÇÃO POR EDITAL. FATOS OCORRIDOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.º 9.271/96. APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 420, PARÁGRAFO ÚNICO, E ART. 457 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

I. Antes do advento da Lei n.º 11.689/08, a sentença de pronúncia que determinava a submissão do réu ao julgamento perante o Tribunal do Júri, somente produzia efeitos a partir da intimação pessoal desse.

II. Com o advento da Reforma Processual de 2008, operou-se em nosso ordenamento jurídico importante alteração legislativa, tornando possível a submissão do réu pronunciado à sessão de julgamento no Tribunal do Júri, ainda que não tenha sido pessoalmente intimado da decisão de pronúncia, e a sua presença já não é mais imprescindível em Plenário.

III. A lei nova aplica-se imediatamente na instrução criminal em curso, em decorrência do princípio estampado no brocardo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT