Decisão Nº 08005887320218209000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 2ª Turma Recursal, 03-12-2021

Data de Julgamento03 Dezembro 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08005887320218209000
Órgão2ª Turma Recursal
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

1ª TURMA RECURSAL

Gabinete do Juiz Ricardo Procópio Bandeira de Melo

AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 0800588-73.2021.8.20.9000

AGRAVANTE: LUCY HELEDY OLIVEIRA ROCHA

ADVOGADO: DR. JORDAN BARNARD FERNANDES DE OLIVEIRA

AGRAVADA: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RELATOR: JUIZ RICARDO PROCÓPIO BANDEIRA DE MELO

DECISÃO

1. Agravo de Instrumento interposto por LUCY HELEDY OLIVEIRA ROCHA, inconformada com a decisão interlocutória proferida pelo Juízo de Direito do 5º Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Mossoró/RN, que, nos autos do processo n.º 0818070-76.2021.8.20.5106, indeferiu a antecipação da tutela por si requerida em desfavor da UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE.

2. Na decisão, a MMª. Juíza, Drª. Gisela Beisch, consignou que o artigo 3º, inciso I, da Lei n.º 14.040/2020, admite a antecipação da colação de grau do curso de Medicina, como medida excepcional de enfrentamento à pandemia da “COVID-19”, quando o aluno cumprir, no mínimo, 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária do internato do curso. Assinalou, contudo, que é necessário demonstrar a ausência de prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão.

3. Destacou que não existem provas capazes de demonstrar a probabilidade do direito quanto à ausência de prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão, o que inviabiliza a concessão do pedido de tutela de urgência formulado pela autora.

4. Assim, indeferiu a tutela de urgência pleiteada.

5. Nas razões do agravo, a agravante, LUCY HELEDY OLIVEIRA ROCHA, sustentou que a decisão proferida pelo juízo do 5º Juizado da Fazenda Pública da Comarca de Mossoró/RN está equivocada, pois a Instituição de Ensino Superior, atuando como administradora pública quanto à decisão de promover, ou não, a antecipação da colação de grau do curso de Medicina, só pode estabelecer restrições ao direito previsto em lei se o fizer justificadamente.

6. Alegou que a argumentação genérica de que a antecipação da colação de grau representa prejuízo à formação técnica do profissional e à assistência prestada à coletividade não se presta a fundamentar o indeferimento do pedido, pois incumbe à IES esclarecer qual é a deficiência insuperável existente no currículo do estudante caso ele cole grau antecipadamente.

7. Arguiu que, embora a Lei n.º 14.040/2020 determine que a antecipação da colação de grau só pode ser feita se não representar prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão, cabe ao administrador identificar e expor, de forma objetiva, qual seria esse prejuízo, uma vez que o prejuízo geral já foi assumido pelo legislador que, diante da situação de calamidade causada pela pandemia da “COVID-19”, optou por flexibilizar as exigências para a formação de profissionais da área da saúde.

8. Argumentou que o fato de a antecipação da colação de grau não ser obrigatória não significa que existe discricionariedade da administração na concessão ou não do direito, pois se o interessado preenche os requisitos, ele tem o direito subjetivo de exigi-lo da Administração Pública. Portanto, a Instituição de Ensino Superior que decidir não antecipar as colações de grau devem fazê-lo de forma motivada, no que a doutrina costuma chamar de “discricionariedade vinculada”.

11. Pleiteou, por fim, a concessão de tutela de urgência recursal, com fundamento no artigo 1.019, inciso I, do CPC. Disse que a probabilidade do direito está demonstrada nos documentos acostados aos autos, os quais comprovam que a agravante está regularmente matriculada no último semestre do curso de Medicina, já tendo concluído 83,82% da carga horária total do curso e 75% do internato médico.

12. Alegou que o requisito de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo também está demonstrado, uma vez que recebeu proposta de emprego para atuar como profissional médica no Município de Caiçara do Norte/RN, tendo poucos dias para colar grau, se inscrever no CRM e se apresentar ao posto de trabalho.

13. É o relatório.

14. A agravante merece ter acolhido o pedido de antecipação dos efeitos de tutela, na forma do artigo 1.109, inciso I, do CPC, pois demonstrou a presença dos requisitos previstos no artigo 300, caput e § 3º, do CPC, quais sejam: a probabilidade do direito; o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; e a ausência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

15. Em primeiro lugar, quanto à probabilidade do direito, a Lei n.º 14.040/2020, no §2º do artigo 3º, autoriza a antecipação da colação de grau do curso de medicina quando o estudante cumprir, no mínimo, 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária do internato do curso, como medida excepcional de enfrentamento à pandemia do COVID-19.

16. No âmbito estadual, o Decreto n.º 30.301, de 2020, também autoriza a conclusão do curso de medicina caso integralizada 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária do internato, na forma da lei nacional acima referida.

18. A agravante possui integralizadas em seu currículo 2.640 (duas mil, seiscentos e quarenta) horas de internato e possui uma declaração, constante no Id. N.º 11525122 – Pág. 24, que demonstra o cumprimento de mais 330 (trezentos e trinta) horas no Estágio Curricular Obrigatório em Internato em Clínica A, no período entre 18/11/2019 e 06/01/2020, de modo que, com a integralização deste último dado, a autora se enquadra na hipótese de antecipação da emissão do diploma.

19. Além disso, a antecipação da colação de grau não é uma faculdade da instituição de ensino, mas direito exigível desde que preenchidos os requisitos, como no caso.

20. Por seu turno, a urgência da medida se encontra evidenciada pela proposta de emprego anexada aos autos, de acordo com a qual a autora, se habilitada junto ao CRM, prestará serviços médicos no Município de Caiçara do Norte/RN, serviço que inclui seguimento ambulatorial de pacientes acometidos pela “COVID-19”.

21. Ressalto, ainda, que o deferimento do pedido de antecipação da colação de grau é medida que pode ser revertida, bastando, para tanto, que seja revogada, com o consequente cancelamento da colação e da inscrição da autora no Conselho Regional de Medicina, risco que ela própria assume, tendo em vista o caráter precário das tutelas provisórias.

22. Por outro lado, não cabe à parte autora, ora agravante, demonstrar a ausência de prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão, pois a Lei n.º 14.040/2020, que estabelece normas educacionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública em decorrência da “COVID-19”, apenas exige que o aluno cumpra, no mínimo, 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária do internato do curso de Medicina (art. 3º, § 2º, I). Destaco:

“Art. 3º As instituições de educação superior ficam dispensadas, em caráter excepcional, da obrigatoriedade de observância do mínimo de dias de efetivo trabalho acadêmico, nos termos do caput e do § 3º do art. 47 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 , para o ano letivo afetado pelo estado de calamidade pública referido no art. 1º desta Lei, observadas as diretrizes nacionais editadas pelo CNE e as normas a serem editadas pelos respectivos sistemas de ensino, desde que:

(...)

§ 2º Na hipótese de que trata o caput deste artigo, a instituição de educação superior poderá antecipar a conclusão dos cursos superiores de medicina, farmácia, enfermagem, fisioterapia e odontologia, desde que o aluno, observadas as normas a serem editadas pelo respectivo sistema de ensino e pelos órgãos superiores da instituição, cumpra, no mínimo:

I – 75 % (setenta e cinco por cento) da carga horária do internato do curso de medicina; ou

II – 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária dos estágios curriculares obrigatórios dos cursos de enfermagem, farmácia, fisioterapia e odontologia”. (grifos acrescidos)

23. Assim, cabe à Instituição de Ensino demonstrar, cabalmente, no caso concreto, a existência de prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão, mesmo porque não faz sentido exigir do aluno, que já comprovou o cumprimento dos requisitos objetivos previstos na lei, demonstrar que não trará prejuízos à coletividade quando do exercício da profissão.

24. Em outras palavras, o estudante que comprovou documentalmente o cumprimento dos 75% (setenta e cinco) por cento da carga horária do internato do curso de medicina já demonstrou que está apto à colação de grau antecipada, pois cumpriu o requisito exigido pelo artigo 3º, § 2º, I, da Lei n.º 14.040/2020, cabendo à Instituição de Ensino, deliberar, de forma motivada, sobre o pedido.

25. Por sua vez, a Instituição de Ensino, atuando como administradora pública quanto à decisão de promover, ou não, a antecipação da colação de grau da agravada, só pode estabelecer restrições ao direito previsto em lei se o fizer justificadamente. Portanto, a argumentação genérica de que a antecipação da colação de grau representaria prejuízo à formação técnica do profissional e à assistência prestada à coletividade.

26. O prejuízo é deveras existente, mas esse prejuízo foi considerado pelo legislador brasileiro que, diante da situação excepcional na pandemia da “COVID-19” e da necessidade de oferecer recursos humanos qualificados, lançou mão da completude da formação para atender à necessidade premente. Assim, a menos que a IES esclareça qual é a deficiência insuperável existente no currículo do estudante para impedir a antecipação da graduação, considero ilegítima a recusa da garantia legal.

27. O administrador público não deve criar novas limitações, além das estabelecidas na lei, sem uma justificativa que possa ser objeto de julgamento pelos interessados, pela sociedade e, naturalmente, pelo Judiciário.

28. É certo que a redação da Lei n.º 14.040, de 2020,...

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