Decisão Nº 08018150820198205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 25-05-2020

Data de Julgamento25 Maio 2020
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08018150820198205108
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

TERCEIRA TURMA RECURSAL

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL N° 0801815-08.2019.8.20.5108

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE PAU DOS FERROS

RECORRENTE: BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.

ADVOGADO: WILSON SALES BELCHIOR

RECORRIDA: JOSEFA SABINO BEZERRA

ADVOGADO: RAUL VINNICCIUS DE MORAIS

JUÍZA RELATORA: TATIANA SOCOLOSKI PERAZZO PAZ DE MELO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUTORA NÃO ALFABETIZADA. CELEBRAÇÃO E VALIDADE DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO COMPROVADA PELO DEMANDADO. PRESENÇA DE ASSINATURA A ROGO E DE DUAS TESTEMUNHAS E SEUS DOCUMENTOS PESSOAIS. LEGALIDADE DOS DESCONTOS. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA QUITAÇÃO DO EMPRÉSTIMO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso, para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais. Sem condenação em custas e honorários advocatícios, ante o provimento do recurso.

Natal/RN, 23 de abril de 2020.

TATIANA SOCOLOSKI PERAZZO PAZ DE MELO

Juíza Relatora

RELATÓRIO

SENTENÇA:

Vistos etc.

Relatório dispensado nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95.

Em primeiro lugar, verifica-se que em sede de apreciação de pedido de tutela antecipada foi determinado à conexão entre os processos nº. 0801815-08.2019.8.20.5108 e 0801707-76.2019.8.20.5108, contudo em melhor analise dos autos observo que não é o caso de conexão, mas apenas de identidade de partes, motivo pelo qual, ausentes quaisquer das hipóteses delineadas no art. 55 do CPC, revogo a decisão anterior nesse ponto e passo ao julgamento em separado dos processos, tendo em vista, inclusive, que um dos processos já foi devidamente sentenciado.

In casu, não há necessidade de prova pericial técnica para resolução do impasse, sendo as provas documentais juntadas aos autos suficientes para decidir o mérito da ação, posto que o contrato padece de vício formal que o torna nulo.

No tocante a preliminar de falta de interesse de agir, esta também não merece acolhimento, posto que o prévio acionamento da via administrativa não se impõe à autora, de sorte que pode ela optar diretamente pela propositura da ação, face a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV, da CF/88).

Por fim, quanto a preliminar de incompetência territorial, pelo fato da autora morar em São Francisco do Oeste/RN, verifico que a mesma não merece prosperar, uma vez que a Comarca de Pau dos Ferros/RN engloba na sua competência jurisdicional o município em que reside a parte autora.

Sem outras preliminares ou questão processual para analisar, passo ao julgamento de mérito.

Destaque-se que encontra-se consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência, havendo, ademais, possibilidade do julgamento do processo no estado em que se encontra.

A tese autoral caminha no sentido de que jamais celebrou qualquer contrato de empréstimo consignado junto à demandada, embora esta venha promovendo descontos a esse título em seus proventos (histórico de consignação - ID. nº. 44910477). Noutro giro, sustentando a legalidade dos descontos, a promovida juntou aos autos o instrumento contratual. (contrato - ID. nº. 47825151).

Ao analisar o contrato juntado pelo banco identifico a irregularidade consistente no fato de a parte autora ser analfabeta. E isso ficou evidenciado pelas cópias dos documentos pessoais da contratante bem como pela aposição da digital no contrato celebrado. (ID’s. nº. 44910491 e 47825151).

Diante das constatações acima é preciso apurar se as pessoas analfabetas podem contratar (seja empréstimo consignado ou cartão de crédito consignado) mediante a aposição da impressão digital no espaço destinado à assinatura. Noutros termos, é possível a contratação mediante instrumento particular com pessoas analfabetas ou é indispensável instrumento público?

A Instrução Normativa do INSS de nº. 28/2008, exige como requisito de validade do empréstimo consignado à assinatura do contrato de empréstimo e da autorização de consignação pelo beneficiário do empréstimo, ainda que o contrato tenha sido realizado por meio eletrônico (art. 4º, §5º).

O art. 37, §1 da Lei 6.015/73 determina que as pessoas que não sabem ou não podem assinar devem fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo este colher a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo do O art. 104, III, do Código Civil exige como requisito de validade do negócio a forma prescrita ou declarante. não defesa em lei. Por sua vez, o art. 166, IV do Código Civil taxa de nulo o negócio jurídico que não revestir a forma prescrita em lei.

Na mesma linha dos mencionados dispositivos, o art. 595 do Código Civil, requer-se que seja cumprida uma série de requisitos, o qual impõe a obrigatoriedade de nota elucidativa a confirmar a leitura dos termos da avença ao contratante analfabeto, além da subscrição de duas testemunhas. Afora isso, a jurisprudência vem assentando que além dos requisitos expressamente constantes do mencionado art. 595 do CC, há necessidade de que o contrato celebrado por analfabeto se dê por meio de escritura pública ou, se por escrito particular, através de procurador constituído, forma solene que visa resguardar seus interesses.

Destarte, é patente que um negócio jurídico celebrado por pessoa nesta condição deve ser revestido de forma pública, sob pena de incorrer-se na legitimação de diversos abusos, daqueles que se aproveitam da falta de instrução, além da factível vulnerabilidade que impõe o desconhecimento do vernáculo nas relações sociais, sobretudo numa relação consumerista.

Este é o entendimento seguido por grande parte dos nossos tribunais, em especial o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Senão vejamos:

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO, BEM COMO A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO. AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO PÚBLICO E DE ASSINATURA A ROGO, COM APOSIÇÃO DE IMPRESSÃO DIGITAL. NULIDADE. ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE CAUTELA NA CONTRATAÇÃO E COBRANÇA DO VALOR. DESCONSTITUIÇÃO DOS DÉBITOS. COMPROVAÇÃO DE QUE O VALOR CONTRATADO FOI DEPOSITADO NA CONTA CORRENTE DA PARTE AUTORA. COMPENSAÇÃO DO MONTANTE DEVIDO À AUTORA COM O CRÉDITO A ELA OFERTADO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS NO CASO CONCRETO RESPONSABILIDADE DA FINANCEIRA. DANO IN RE IPSA. EXEGESE DOS ARTIGOS , 39, INCISO IV, E 14, § 3º, TODOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL. MANUTENÇÃO DO QUANTUM FIXADO NO JULGAMENTO A QUO. OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. NÃO INCIDÊNCIA DO ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRN, AC 2017.002840-2, Terceira Câmara Cível, Relator Des. AMAURY MOURA SOBRINHO, DJe 25/06/2018). [grifos acrescidos]

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO DESACOMPANHADO DE INSTRUMENTO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DE VONTADE DE FORMA VÁLIDA. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL IN RE IPSA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES. (TJRN. Apelação Cível n° 2018.000534-2. 3ª Câmara Cível. Relator: Desembargador João Rebouças. Julgado em 19/03/2018).

EMENTA: ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CELEBRADO POR ANALFABETO. ASSINATURA A ROGO. NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO. NULIDADE DO NEGÓCIO. ADJUDICAÇÃO DESCABIDA. Muito embora seja o analfabeto plenamente capaz para o exercício dos atos da vida civil, noutro viés, não se pode olvidar que para a validade e eficácia dos contratos em geral por ele celebrados devem ser observadas determinadas formalidades, na medida em que a simples aposição de impressão digital em documento particular não constitui prova de que tenha aquiescido com os termos da avença. Em outras palavras, somente por meio de escritura pública ou por intermédio de procurador constituído por instrumento público, o analfabeto poderá contrair obrigações, o que, contudo, não ocorreu no caso dos autos. (TJMG - Apelação Cível 1.0528.16.000321-6/001, Relator(a): Des.(a) Otávio Portes , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/08/2018, publicação da súmula em 11/09/2018).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ESCRITURA PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. PESSOA ANALFABETA. NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA OU DE PROCURADOR CONSTITUÍDO POR ESCRITURA PÚBLICA. INOBSERVÂNCIA DE FORMA PRESCRITA EM LEI. NEGÓCIO NULO DE PLENO DIREITO. INAPLICABILIDADE DOS INSTITUTOS DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O negócio jurídico em tela, celebrado por pessoa analfabeta, para ser válido, deveria ter sido formalizado por instrumento público ou por instrumento particular assinado a rogo por intermédio de procurador constituído por instrumento público, providências que objetivam proteger os interesses do analfabeto, o que não ocorreu, de modo que, em virtude da existência de vício insanável (inobservância de forma prescrita lei), a escritura particular de compra e venda é nula de pleno direito.... 4. Apelação conhecida e parcialmente provida. (TJCE: Apelação Cível n. 0000205-93.2008.8.06.0167 de Sobral, Relator...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT