Decisão Nº 08027229320148206001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 09-03-2021

Data de Julgamento09 Março 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08027229320148206001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gabinete da Vice-Presidência

RECURSO ESPECIAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0802722-93.2014.8.20.6001

ORIGEM: 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE: MUNICÍPIO DE NATAL

PROCURADOR: THIAGO TAVARES DE QUEIROZ

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO RN

PROCURADOR: EUDO RODRIGUES LEITE E

DECISÃO

Trata-se de Recurso Especial interposto com fundamento no art. 105, III, alínea "a" da Constituição Federal.

Alega o recorrente que o acórdão negou vigência ao artigo 3º da Lei nº 6.938/1981, tendo em vista que os causadores da degradação foram identificados, o que ocasionaria no afastamento da responsabilidade do Município de Natal, além disso, sob o argumento de ser a fixação de multa diária desproporcional, também negou vigência ao artigo 537, §1º, inciso I, do Código de Processo Civil.

Ao final, requer o provimento do recurso especial, para reformar o acórdão e julgar improcedente o pedido deduzido na inicial, ou subsidiariamente, reduzir a multa diária.

Contrarrazões apresentadas, Id. 8835187.

É o que importa relatar. Decido.

Apelo tempestivo contra a decisão proferida em Agravo de Instrumento por este Tribunal, exaurindo as vias ordinárias e preenchendo os pressupostos genéricos de admissibilidade.

Todavia, não merece ser admitido.

Isso porque, no que diz respeito à apontada violação ao artigo 3º da Lei Federal 6.938/1981, tem-se que o acórdão recorrido reflete orientação, consolidada na jurisprudência do STJ, de que a responsabilidade civil pelo dano ambiental, com base na teoria do risco integral e do princípio poluidor-pagador, é objetiva, solidária e ilimitada, inclusive quando há omissão do ente público do dever de controle e de fiscalização, como ocorreu no caso dos autos.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL, AMBIENTAL E URBANÍSTICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ARTS. 4º, II, 6º, III E IX, E 10º, DO CÓDIGO FLORESTAL. SOTERRAMENTO DE "BANHADO". ECOSSISTEMA ESPECIALMENTE PROTEGIDO. PARÂMETROS DA CONVENÇÃO SOBRE ZONAS ÚMIDAS DE IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL (CONVENÇÃO DE RAMSAR). PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA, SOLIDÁRIA E ILIMITADA DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. SÚMULA 83/STJ.

1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra o Município de Caxias do Sul, em razão de dano ambiental causado por execução de obra pública de alargamento e pavimentação de estrada, da qual resultou soterramento de banhado situado em Área de Preservação Permanente.

2. O Tribunal a quo manteve integralmente a sentença de procedência e condenou o ente municipal a recuperar a área degradada. O acórdão recorrido reflete orientação, consolidada na jurisprudência do STJ, de que a responsabilidade civil pelo dano ambiental, com base na teoria do risco integral e do princípio poluidor-pagador, é objetiva, solidária e ilimitada, inclusive quando há omissão do ente público do dever de controle e de fiscalização, como ocorreu no caso dos autos.

3. Nomenclatura de emprego mais comum no Rio Grande do Sul, o banhado, do espanhol "bañado", representa tipologia do gênero áreas úmidas (wetlands), ou seja, zonas alagadas, perene ou intermitentemente. Como se sabe, tais terrenos constituem ecossistema especialmente protegido por normas tanto internacionais como nacionais. Incluem, entre outras, as categorias sinônimas ou próximas dos brejos, várzeas, pântanos, charcos, varjões, alagados.

Áreas ecologicamente estratégicas, funcionam como esponjas de água e estocadores de matéria orgânica, abrigando complexa rede trófica de alta biodiversidade, com inúmeras espécies da flora e fauna, várias delas endêmicas ou ameaçadas de extinção. Desempenham, a um só tempo, a função de caixa d´água e rim da Natureza, pois absorvem água na cheia e mantêm o fluxo hídrico na estiagem. Nesse processo, filtram e purificam a água antes do ponto de ressurgência. Sem rigorosa conservação desses preciosos e insubstituíveis espaços úmidos, a proteção jurídica dos rios e recursos hídricos ficará capenga e inviabilizada, pois equivaleria a cuidar das pernas e esquecer os braços.

4. Segundo a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional de 1971 (Convenção de Ramsar, promulgada pelo Decreto 1.905/1996), reconhecem-se "as funções ecológicas fundamentais das zonas úmidas enquanto reguladoras dos regimes de água e enquanto habitas de flora e fauna características, especialmente de aves aquáticas". Tais áreas "constituem um recurso de grande valor econômicos, cultural, cientifico e recreativo, cuja perda seria irreparável" (preâmbulo).

5. O Código Florestal, com atecnia legislativa, trata as zonas úmidas ora como Áreas de Preservação Permanente ope legis do art.

4º, II - lago ou lagoa, que pode ser perene ou intermitente, rasa ou profunda -, ora como Área de Preservação Permanente administrativa (art. 6º, III e IX), ora como Área de Uso Restrito (art. 10).

Qualquer que seja a classe em que se enquadre, o banhado está especialmente protegido, vedada sua destruição. Levando-se em conta que não se está diante de categorias que se separam claramente, preto no branco, apresentando-se mais como continuum entre ambientes aquáticos e terrestres, verdadeiras zonas de transição terrestre-aquáticas, conclui-se que as definições tendem a ser arbitrárias e, por isso, administrador e juiz devem empregar, no difícil processo de interpretação da norma e da realidade natural, o princípio in dubio pro natura, nos termos da jurisprudência do STJ.

6. Em ações judiciais que visam ao ressarcimento de danos ambientais ou urbanísticos, a regra é a fixação do litisconsórcio passivo facultativo, abrindo-se ao autor a possibilidade de demandar, de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo.

Precedentes do STJ.

7. O acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, o que atrai a incidência da Súmula 83/STJ.

8. Recurso Especial não provido.

(REsp 1787748/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 14/09/2020) –Grifo acrescido.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIZAÇÃO POR DANO AMBIENTAL. RISCO DE DESLIZAMENTOS EM ENCOSTAS HABITADAS. RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA DEGRADADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.

1. Este Superior Tribunal tem asseverado que, nas demandas que objetivam a reparação e a prevenção de danos ambientais causados por deslizamentos de terra em encostas habitadas, a responsabilidade dos entes federativos é solidária.

2. Nada obstante o reconhecimento de que é dever do Município regularizar a ocupação e o uso do solo, observa-se que, na hipótese vertente, restou demonstrado que a condenação imposta pela instância ordinária apresenta, também, o intuito de proteção ambiental e de prevenção de desastres ecológicos, motivo pelo qual há que se reconhecer a possibilidade de condenação solidária do Estado do Rio de Janeiro no cumprimento das obrigações de fazer estabelecidas no acórdão recorrido.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp 1573564/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 11/02/2021) –Grifo acrescido.

Daí porque, não deve ter seguimento o REsp, em face da sintonia entre o Acórdão fustigado e a orientação firmada pela jurisprudência do STJ, fazendo incidir, na espécie, a Súmula 83 do STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

Quanto à alegada violação aos art. 537, §1º, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC), sob o argumento de necessidade de redução do montante fixado a título de astreintes implica, inovidavelmente, incursão no suporte fático-probatório, essencialmente documental, contrapondo-se, assim, ao óbice da Súmula 7 do STJ.

Sobre o tema, oportuna a transcrição dos arestos jurisprudenciais:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211 DO STJ E 282 DO STF. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 461 DO CPC/1973. IMPOSSIBLIDADE DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO E REVISÃO DE VALOR DE MULTA DIÁRIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7 do STJ.

1. Para que haja o prequestionamento é necessário que o tribunal se pronuncie sobre a incidência da norma ou de seu conteúdo material ao caso concreto, não bastando que as partes simplesmente invoquem o dispositivo.

2. A revisão das conclusões a que chegou o Tribunal de origem, como pretendida pela parte agravante, no sentido de impossibilidade de cumprimento da obrigação, esbarraria na Súmula 7 do STJ, por ensejar a apreciação de matéria fático-probatória, providência incabível na via eleita. Precedente.

3. O dissídio jurisprudencial não ficou caracterizado, pois não destacadas as circunstâncias que assemelhassem os casos confrontados, o que, diante da incidência da Súmula 7 do STJ, seria mesmo inviável.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ. AgInt no AREsp 527.937/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 29/09/2016, DJe 05/10/2016) (grifo acrescido).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ASTREINTES. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. PRAZO LIMITE PARA APLICAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. DECISÃO MANTIDA.

1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ.

2. Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor da multa cominatória arbitrado na origem, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do referido óbice, para possibilitar a revisão. No caso, a quantia estabelecida pela instância ordinária não se mostra excessiva, a justificar a reavaliação, em...

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