Decisão Nº 08027662620198205100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 18-05-2020

Data de Julgamento18 Maio 2020
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08027662620198205100
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoDecisão monocrática

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL Nº 0802766-26.2019.8.20.5100

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE ASSU

RECORRENTE: FRANCISCA DAS CHAGAS BARBOSA DANTAS

ADVOGADO: FRANKLIN HEBER LOPES ROCHA

RECORRIDA: BANCO BMG SA

ADVOGADO: FLAVIA ALMEIDA MOURA DI LATELLA

JUÍZA RELATORA: TATIANA SOCOLOSKI PERAZZO PAZ DE MELO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE DESCONTOS CONTÍNUOS EM FOLHA DECORRENTES DE EMPRÉSTIMOS. FEITO QUE VERSA SOBRE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO DE MARGEM CONSIGNÁVEL. NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO NA MODALIDADE SUSCITADA PELA RÉ. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA. CONTRATO QUE NÃO PREVÊ PRAZO DE PARCELAS. ILEGALIDADE. EXTINÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL PELO PAGAMENTO. QUITAÇÃO DO CONTRATO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACORDÃO

Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso, para reformar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedentes os pedidos autorais, para declarar a quitação do contrato discutido nos autos, com a consequente cessação dos descontos no benefício da autora, e condenar o demandado ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), incidindo juros de mora a contar do evento lesivo e correção monetária a partir do arbitramento. Sem custas e honorários advocatícios, diante do provimento do recurso.

Natal/RN, de de 2020.

TATIANA SOCOLOSKI PERAZZO PAZ DE MELO

Juíza Relatora

RELATÓRIO

SENTENÇA:

Vistos, etc.

Trata-se de ação ajuizada com o objetivo de que seja declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes, bem assim que a parte demandada seja condenada a restituir em dobro à parte autora os valores que foram descontados de seu benefício previdenciário em função de tal contrato; ao pagamento de uma indenização por danos morais, bem assim que seja declarada a inexistência do débito referente ao valor depositado na conta da autora em função de tal contrato, tendo sido pugnado para que seja reconhecido como amostra grátis.

Foi postulada ainda a suspensão dos descontos, bem assim que a parte demandada se abstenha de utilizar a margem consignável do(a) autor(a) para que seja utilizada em tal modalidade de contratação.

Para tanto, a parte autora argumentou que procurou o requerido para firmar contrato de empréstimo consignado, porém foi ludibriada com a realização de outra operação denominada de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). No entanto, sustentou que nunca usou tal cartão, nem este lhe foi enviado, mas vem sofrendo descontos em seu benefício previdenciário.

Argumentou que o requerido adotou prática abusiva, posto que vem obtendo vantagem manifestamente excessiva e onerosa para o consumidor e que não prestou todas as informações necessárias à parte autora no momento da contratação, sendo certo que esta buscava firmar contrato de empréstimo consignado e não de cartão de crédito, de modo que sustentou ter ocorrido violação ao princípio da livre manifestação de vontade.

Em função disso, argumentou ser nulo o contrato em apreço, devendo ser considerada como amostra grátis o valor depositado em sua conta decorrente de tal contratação.

Em sua defesa, a parte requerida arguiu preliminar da complexidade de causa e decadência.

No mérito, sustentou que o contrato firmado entre as partes é plenamente válido, além do que a parte autora efetivou um saque no cartão de crédito no valor de R$ 1.003,00, motivo pelo qual postulou pela improcedência da ação.

É o breve relatório. Decido.

Inicialmente, rejeito a preliminar da complexidade decausa. Com efeito, não será necessária a realização de perícia para a resolução da lide, mesmo porque a parte autora não nega que tenha firmado contrato com o requerido, mas sustenta a sua nulidade por falha do dever de informação. Além disso, este juízo entende pela possibilidade de realização de perícia grafotécnica simples no âmbito do Juizado.

Rejeito também a preliminar da decadência, pois a ação que discute a validade de contrato para concessão de cartão de crédito não se aplica o prazo decadencial previsto no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, já que não se trata de reclamação por vício do produto ou serviço.

Quanto ao mérito, cumpre-se aferir se houve vício na manifestação da vontade da parte autora no momento da celebração do contrato em discussão, eis que o(a) requerente sustentou que buscou a parte demandada para firmar um contrato de empréstimo consignado comum, no entanto, alegou que foi ludibriado(a) e, na verdade, as partes acabaram por firmar um contrato de cartão de crédito consignado.

Como se sabe, no contrato de empréstimo consignado, o pagamento é efetivado pelo consumidor através de descontos em seu benefício previdenciário de parcelas previamente fixadas, sendo modalidade de crédito que se obtém com juros mais baixos em razão de uma maior garantia do pagamento da dívida.

Já no contrato de cartão de crédito consignado, o valor descontado do benefício previdenciário é apenas o do valor mínimo da fatura, de modo que, para o pagamento total desta, o consumidor deve pagar o valor remanescente através da própria fatura, caso contrário, haverá incidência de encargos do crédito rotativo do cartão de crédito, os quais são bastante elevados.

Nesse sentido, é de extrema importância que o consumidor seja devidamente informado da forma de pagamento integral da fatura e de que, em caso de pagamento apenas do valor mínimo consignado, haverá incidência de juros e correção sobre a quantia não paga, o que pode acarretar em dívida decorrente de encargos financeiros bem maiores de que outras modalidades de crédito, gerando um saldo devedor bem mais elevado.

Nesse caso, observa-se que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, motivo pelo qual deve incidir no caso as regras do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe o que segue sobre o tema:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (...)

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)Vigência (...)

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. (...)

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

§3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

§4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”

Da leitura de tais dispositivos legais, resta evidenciado ser direito básico do consumidor o de ser informado de forma clara acerca de todos os termos dos contratos relativos a oferecimento de produtos ou serviços, sendo que, inclusive, o art. 46 acima transcrito dispõe que os contratos que forem redigidos de modo a dificultar a compreensão do consumidor sobre o seu sentido e alcance não obrigação este ao seu cumprimento.

Tal dispositivo legal está em consonância com o princípio da autonomia da vontade que orienta o ordenamento jurídico acerca do direito contratual, sendo certo que, inclusive, são anuláveis os negócios jurídicos que decorrem de erro substancial, senão vejamos o que dispõe o art. 138 e 139 do Código Civil:

“Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Art. 139. O erro é substancial quando:

I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;”

Pois bem, no caso em análise, à vista do contrato anexado aos autos pelo demandado com a contestação, conforme ID nº 51298088, é possível concluir que o requerido cumpriu com o seu dever de prestar informação clara ao consumidor acerca do objeto do contrato.

A parte ré anexou aos autos ainda cópia do TED (ID nº 51298085) de disponibilização dos valores contratados e histórico das faturas (ID nº...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT