Decisão Nº 08031766020198205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 10-08-2020

Data de Julgamento10 Agosto 2020
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08031766020198205108
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoDecisão monocrática

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL Nº 0803176-60.2019.8.20.5108

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE PAU DOS FERROS

RECORRENTE: BANCO BMG SA

ADVOGADO: FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES

RECORRIDO: MARIA DAS GRACAS DE PAIVA MAIA

ADVOGADOS: FERNANDA CLEONICE CAMINHA PINHEIRO, ALENILTON FERREIRA DE ANDRADE, ADENILTON FERREIRA DE ANDRADE, ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE

JUÍZA RELATORA: TATIANA SOCOLOSKI PERAZZO PAZ DE MELO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONVENCIONAL. NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PLEITO RECURSAL ACOLHIDO. PRESENÇA DE DIGITAL DA AUTORA, ASSINATURA A ROGO E SUBSCRIÇÃO POR DUAS TESTEMUNHAS. CONTRATO ASSINADO PELO CONSUMIDOR QUE FAZ REFERÊNCIA A CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO E PREVISÃO DE DESCONTOS EM FOLHA. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DEVER DE INFORMAÇÃO OBSERVADO. LICITUDE DA AVENÇA. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA SÚMULA 36 DA TUJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido autoral. Sem custas e honorários advocatícios, diante do provimento do recurso.

Natal/RN, 03 de agosto de 2020.

TATIANA SOCOLOSKI PERAZZO PAZ DE MELO

Juíza Relatora

RELATÓRIO

SENTENÇA:

Vistos etc.

Relatório dispensado nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95.

Não havendo preliminares ou questões processuais, passo ao exame do mérito.

Destaque-se que encontra-se consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência, havendo, ademais, possibilidade do julgamento do processo no estado em que se encontra, se mostrando desnecessária a realização de quaisquer outras diligências, a exemplo do ofício ao banco, conforme solicitado na contestação.

Ademais, entendo serem plenamente aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, eis que patente uma relação de consumo que vincula as partes, trazendo à inteligência dos arts. e , da Lei nº 8.078/90. Ademais, impende consignar que a relação entre as instituições financeiras e seus clientes enquadra-se no conceito legal de relação consumerista, conforme, aliás, orientação consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 2591, Relator Ministro EROS GRAU) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 279). E por constatar a hipossuficiência da consumidora no que tange à produção de provas, é que fora decretada a inversão do ônus da prova, com escopo no art. 6º, VIII, do CDC (ID. n.º 50345807 - Pág. 2.).

A tese autoral caminha no sentido de que procurou a demandada objetivando celebrar contrato comum de empréstimo consignado, no entanto, a promovida impusera-lhe indevidamente contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), estando promovendo descontos a esse título em seus proventos. Noutro giro, sustentando a legalidade dos descontos, a promovida juntou aos autos o instrumento contratual e comprovante de transferência de valores.

Ao analisar o contrato juntado pelo banco identifico a irregularidade consistente no fato de a parte autora ser analfabeta. E isso ficou evidenciado pelas cópias dos documentos pessoais da contratada bem como pela aposição da digital no contrato celebrado.

Diante das constatações acima é preciso apurar se as pessoas analfabetas podem contratar empréstimo ou cartão de crédito consignado mediante a aposição da impressão digital no espaço destinado à assinatura. Noutros termos, é possível a contratação mediante instrumento particular com pessoas analfabetas ou é indispensável instrumento público?

A Instrução Normativa do INSS de n. 28/2008, exige como requisito de validade do empréstimo ou cartão de crédito consignado a assinatura do contrato e da autorização de consignação pelo beneficiário, ainda que o contrato tenha sido realizado por meio eletrônico (art. 4º, §5º).

O art. 37, §1 da Lei 6.015/73 determina que as pessoas que não sabem ou não podem assinar devem fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo este colher a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo do declarante. O art. 104, III, do Código Civil exige como requisito de validade do negócio a forma prescrita ou não defesa em lei. Por sua vez, o art. 166, IV do Código Civil taxa de nulo o negócio jurídico que não revestir a forma prescrita em lei.

Na mesma linha dos mencionados dispositivos, o art. 595 do Código Civil, requer-se que seja cumprida uma série de requisitos, o qual impõe a obrigatoriedade de nota elucidativa a confirmar a leitura dos termos da avença ao contratante analfabeto, além da subscrição de duas testemunhas. Afora isso, a jurisprudência vem assentando que além dos requisitos expressamente constantes do mencionado art. 595 do CC, há necessidade de que o contrato celebrado por analfabeto se dê por meio de escritura pública ou, se por escrito particular, através de procurador constituído, forma solene que visa resguardar seus interesses.

Destarte, é patente que um negócio jurídico celebrado por pessoa nesta condição deve ser revestido sob pena de incorrer-se na legitimação de diversos abusos, daqueles que se de forma pública, aproveitam da falta de instrução, além da factível vulnerabilidade que impõe o desconhecimento do vernáculo nas relações sociais, sobretudo numa relação consumerista.

Este é o entendimento seguido por grande parte dos nossos tribunais, em especial o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Senão vejamos:

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO, BEM COMO A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO. AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO PÚBLICO E DE ASSINATURA A ROGO, COM APOSIÇÃO DE IMPRESSÃO DIGITAL. NULIDADE. ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE CAUTELA NA CONTRATAÇÃO E COBRANÇA DO VALOR. DESCONSTITUIÇÃO DOS DÉBITOS. COMPROVAÇÃO DE QUE O VALOR CONTRATADO FOI DEPOSITADO NA CONTA CORRENTE DA PARTE AUTORA. COMPENSAÇÃO DO MONTANTE DEVIDO À AUTORA COM O CRÉDITO A ELA OFERTADO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS NO CASO CONCRETO RESPONSABILIDADE DA FINANCEIRA. DANO IN RE IPSA. EXEGESE DOS ARTIGOS , 39, INCISO IV, E 14, § 3º, TODOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL. MANUTENÇÃO DO QUANTUM FIXADO NO JULGAMENTO A QUO. OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. NÃO INCIDÊNCIA DO ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRN, AC 2017.002840-2, Terceira Câmara Cível, Relator Des. AMAURY MOURA SOBRINHO, DJe 25/06/2018). [grifos acrescidos]

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO DESACOMPANHADO DE INSTRUMENTO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO CONSENTIMENTO DE VONTADE DE FORMA VÁLIDA. INDEVIDA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL IN RE IPSA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES. (TJRN. Apelação Cível n° 2018.000534-2. 3ª Câmara Cível. Relator: Desembargador João Rebouças. Julgado em 19/03/2018).

EMENTA: ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CELEBRADO POR ANALFABETO. ASSINATURA A ROGO. NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO. NULIDADE DO NEGÓCIO. ADJUDICAÇÃO DESCABIDA. Muito embora seja o analfabeto plenamente capaz para o exercício dos atos da vida civil, noutro viés, não se pode olvidar que para a validade e eficácia dos contratos em geral por ele celebrados devem ser observadas determinadas formalidades, na medida em que a simples aposição de impressão digital em documento particular não constitui prova de que tenha aquiescido com os termos da avença. Em outras palavras, somente por meio de escritura pública ou por intermédio de procurador constituído por instrumento público, o analfabeto poderá contrair obrigações, o que, contudo, não ocorreu no caso dos autos. (TJMG - Apelação Cível 1.0528.16.000321-6/001, Relator(a): Des.(a) Otávio Portes , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/08/2018, publicação da súmula em 11/09/2018)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ESCRITURA PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. PESSOA ANALFABETA. NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA OU DE PROCURADOR CONSTITUÍDO POR ESCRITURA PÚBLICA. INOBSERVÂNCIA DE FORMA PRESCRITA EM LEI. NEGÓCIO NULO DE PLENO DIREITO. INAPLICABILIDADE DOS INSTITUTOS DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O negócio jurídico em tela, celebrado por pessoa analfabeta, para ser válido, deveria ter sido formalizado por instrumento público ou por instrumento particular assinado a rogo por intermédio de procurador constituído por instrumento público, providências que objetivam proteger os interesses do analfabeto, o que não ocorreu, de modo que, em virtude da existência de vício insanável (inobservância de forma prescrita lei), a escritura particular de compra e venda é nula de pleno direito.... 4. Apelação conhecida e parcialmente provida. (TJCE: Apelação Cível n. 0000205-93.2008.8.06.0167 de Sobral, Relator Des. Rômulo Moreira de Deus, julgado em 24 de fevereiro de 2014).

Sendo assim, é forçoso concluir que o analfabeto não pode celebrar contrato particular com a aposição de impressão digital, pois não é meio válido como assinatura, mesmo que venha acompanhado de assinatura arrogo e de testemunhas.

Diante disso, estou convencido que a validade do contrato escrito firmado por pessoa analfabeta exige que seja celebrado por meio de instrumento...

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