Decisão Nº 08034349720218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 24-03-2021

Data de Julgamento24 Março 2021
Classe processualMANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
Número do processo08034349720218200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gabinete do Desembargador. Virgílio Macedo Jr. no Pleno

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0803434-97.2021.8.20.0000

IMPETRANTE: CAMILA ROUSE DE ARAÚJO

ADVOGADO: RODRIGO OLIVEIRA MARTINS

IMPETRADA: MARIA DE FÁTIMA BEZERRA

ENTE PÚBLICO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RELATOR: DESEMBARGADOR VIRGÍLIO MACEDO JR.

DECISÃO

1. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por CAMILA ROUSE DE ARAÚJO em face da Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, MARIA DE FÁTIMA BEZERRA, que editou o Decreto Estadual n. 30.419/2021, que teria sido omisso quanto à autorização de funcionamento das atividades de natureza essencial dispostas no Decreto Federal 10.282/2020 e Lei Municipal 7.134/2021, que reconhece as atividades de igrejas, templos e congêneres como essenciais no âmbito da Cidade do Natal.

2. Pede, para fins de uniformização de jurisprudência, que o presente mandamus seja reunido com o de n. 0803274-72.2021.8.20.0000, da relatoria do Desembargador João Rebouças.

3. Aduz a impetrante, em suas razões, que fechar locais sagrados em tempos de calamidade pública, privando a sociedade de receber auxílio espiritual e o seu conforto psicológico, afronta os princípios básicos dos Direitos Humanos e que a ciência comprova os benefícios da fé para o coração e mente.

4. Defende que o Decreto Estadual tolhe o livre exercício de cultos religiosos e vai de encontro à legislação federal e municipal.

5. Requer, pois, a concessão de liminar para determinar a suspensão dos efeitos do Decreto Estadual n. 30.419/2021, fazendo valer o caráter essencial das atividades das igrejas, templos e congêneres no âmbito do Município de Natal, desde que obedecidos o limite de até 25% (vinte e cinco por cento) de sua capacidade e o distanciamento mínimo de 1,5 (um metro e meio) entre as pessoas, além dos protocolos de segurança sanitária e as demais determinações do Ministério da Saúde.

6. No mérito, pugna pela concessão da segurança, confirmando-se a liminar pleiteada.

7. É o relatório. Decido.

8. De início, ressalto que não se trata de hipótese de reunião do feito com o Mandado de Segurança n. 0803274-72.2021.8.20.0000, da relatoria do Desembargador João Rebouças, na medida em que não existe risco de decisão conflitante, pois naquela busca-se a reabertura das academias e, neste mandamus, a autorização de funcionamento das igrejas, templos e congêneres, sendo diversas as partes, os pedidos e a causa de pedir.

9. Passo, pois, a analisar o mérito do pedido liminar.

10. Acerca do instituto do Mandado de Segurança, importa asseverar que se encontra previsto no rol dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, mais especificamente no inciso LXIX, segundo o qual:

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.”

11. Na mesma linha, dispõe o caput do artigo 1º da Lei n. 12.016/09:

“Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”

12. É condição primária à concessão da segurança a existência de direito líquido e certo. Por liquidez e certeza entende-se a demonstração, de plano, do direito alegado, bem como a inexistência de qualquer dúvida quanto aos fatos alegados. A questão de direito pode ou não ser complexa (não se exige sua simplicidade), mas é imprescindível que o fato seja incontroverso, alheio a dúvidas.

13. O mandado de segurança exige, para deferimento de medida liminar pleiteada em seu curso, seja relevante o fundamento da demanda deduzida na inicial, bem como possa resultar do ato impugnado a ineficácia de possível provimento jurisdicional de mérito favorável ao impetrante, requisitos esses bem expostos no inciso III do art. 7º da Lei 12.016/09.

14. Sobre o caso em exame, observa-se que a impetrante ataca decreto expedido pela Governadora do Estado que dispôs sobre as medidas de isolamento social rígido, de caráter excepcional e temporário, destinadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte.

15. Decerto que, durante o atual estágio pandêmico vivido pela sociedade mundial, diversas são as medidas adotadas pelos gestores públicos no sentido de conter o avanço da doença e, ao mesmo tempo, assegurar a atuação do sistema de saúde público e privado e gerar o mínimo de impacto econômico na sociedade.

16. Com efeito, a alegação de conflito entre o Decreto Estadual e as legislações federal e municipal (Decreto Federal 10.282/2020 e Lei Municipal 7.134/2021) não suporta maiores discussões à luz do que respeito decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Suspensão de Segurança 5475.

17. Isto porque o Presidente do Pretório Excelso, Ministro Luiz Fux, decidiu que tratando-se de ato normativo expedido no exercício de competência legítima do Estado-membro, conforme já reconhecido pelo Plenário desta Corte, e inexistindo desproporcionalidade ou irrazoabilidade em seu conteúdo, impõe-se seja privilegiada a iniciativa local nesse juízo liminar.

18. A referida decisão restou assim ementada:

“MEDIDA CAUTELAR NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. DECISÃO DE ORIGEM QUE AUTORIZA O FUNCIONAMENTO DE ACADEMIAS ESPORTIVAS. CONTRARIEDADE A DECRETO QUE IMPÔE RESTRIÇÕES DESTINADAS AO COMBATE À PANDEMIA DA COVID-19 ALEGADO RISCO À SAÚDE PÚBLICA. FUMUS BONI IURIS. JURISPRUDÊNCIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ATO NORMATIVO EDITADO EM CONFORMIDADE COM AS COMPETÊNCIAS DO ESTADO-MEMBRO E EMBASADO EM EVIDÊNCIAS TÉCNICO-CIENTÍFICAS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.”

19. De fato, está-se diante de um momento singular em que se busca, sobretudo, resguardar o interesse público como um todo diante da grave crise de saúde pública decorrente da pandemia da COVID-19.

20. Assim, a despeito de este Relator reconhecer a importância e a relevância das atividades religiosas, deve-se compatibilizar o exercício da crença com o atual quadro pandêmico nacional e sobretudo local.

21. A gravidade da situação vivenciada exige a tomada de medidas rígidas voltadas ao bem comum, sendo certo que tal competência legislativa é concorrente e descentralizada entre os entes federativos.

22. De mais a mais, o decreto estadual atacado está devidamente embasado em fundamentos técnicos-científicos, especialmente a Recomendação n. 26 do Comitê de Especialistas do Governo do Estado, in verbis:

Considerando a Recomendação nº 26/2021, do Comitê de Especialistas da Secretaria de Estado da Saúde Pública para o enfrentamento da pandemia pela COVID-19, na qual sugerem a ampliação das medidas restritivas em todo o território estadual, aumentando as estratégias de mitigação, devendo permanecer abertos apenas os serviços essenciais;

Considerando o Ofício Conjunto nº 001/2021-MPRN/MPF/MPT, por meio do qual o Ministério Público do Estado (MPRN), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF), tendo em vista o cenário epidemiológico vivenciado, recomendou ao Governo do Estado e à Prefeitura de Natal, o acatamento das medidas sugeridas na Recomendação nº 26 do Comitê de Especialistas do Governo do Estado;”

23. Vislumbra-se, diante de tais elementos, a ausência de relevância jurídica do direito vindicado pela...

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