Decisão Nº 08041563420218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 05-04-2021

Data de Julgamento05 Abril 2021
Classe processualSUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Número do processo08041563420218200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Gabinete da Presidência


Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº 0804156-34.2021.8.20.0000

Requerente: Estado do Rio Grande do Norte.

Requerido: Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Patu.

Interessado: Alisson David Fernandes Jales, rep/ pela genitora Maria Dilma Fernandes Jales.

Advogado: Algacimar Gurgel Freitas (OAB/RN 10.146).

Relator: Desembargador Vivaldo Pinheiro – Presidente.

DECISÃO

Trata-se de suspensão de liminar proposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE contra decisão proferida pelo Juízo de Direito Plantonista da Comarca de Umarizal que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer nº 0801496-75.2021.8.20.5300 movida por ALISSON DAVID FERNANDES JALES, representado pela sua genitora Maria Dilma Fernandes Jales, deferiu “(...) o pedido de concessão de tutela de urgência formulado na inicial, nos termos dos arts. 300 do CPC, para determinar que a demandada cumpra, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a obrigação de fazer consistente na disponibilização do medicamento pleiteado TOCILIZUMABE (04 ampolas de 200 mg), sob pena de bloqueio judicial de valor suficiente ao cumprimento da decisão e da aplicação de multa diária por descumprimento (art. 537 do CPC).” (grifos nossos)

O requerente afirma, em síntese, que:

a) a decisão proferida "(...) não considerou todo o arcabouço legislativo que impede a concessão de liminares contra a fazenda pública, aptas a gerar grave lesão à ordem pública e a saúde dos demais cidadãos, já que terminam por abalar toda a estruturação das políticas públicas a partir da criação de um precedente contra o Ente Público que, em última análise, coloca em risco a ordem administrativa e as finanças públicas, sendo apta a causar, indiretamente, danos irreparáveis à toda sociedade e gerar maior instabilidade nos cofres públicos, em detrimento do deferimento de um tratamento individual de altíssimo custo e em face do indesejável efeito multiplicador.";

b) consoante Nota Técnica nº 3/2021/SESAP – UNICAT, extraída do Processo Administrativo SEI 00610568.000016/2021-61, embora o referido medicamento seja fornecido no âmbito do SUS, "(...) não há aprovação da ANVISA ou de qualquer outra autoridade sanitária no mundo para sua utilização no tratamento do COVID e nem existe Protocolo do Ministério da Saúde para tal finalidade", uma vez que esse medicamento "(...) é adquirido pela União Federal e distribuído nos Estados para o tratamento de Artrites Reumatoide e Idiopática Juvenil, não possuindo o ente estadual qualquer ingerência nesse âmbito, mas tão somente no que concerne ao repasse do medicamento aos usuários previamente cadastrados.";

c) em 12 de março do corrente ano, a Indústria Farmacêutica Roche (fabricante do medicamento), emitiu comunicado aos Gestores de Saúde, registrando o aumento da demanda pelo TOCILIZUMABE e a sua não recomendação ao tratamento do COVID, razão pela qual a lesão à saúde pública restaria configurada "(...) na medida em que a concessão de liminares contra o Poder Público para o fornecimento do medicamento TOCILUZIMABE para tratamento do COVID põe em risco a coletividade, especialmente em razão de: 1) Trata-se de tratamento sem aprovação pela Agência Reguladora competente – ANVISA -, faltando-lhe comprovação de eficácia e segurança em favor daqueles que venham utilizar o fármaco para o enfrentamento do COVID; 2) O risco de desabastecimento do medicamento para o tratamento das patologias previstas na bula, isto é, para o enfrentamento de doenças as quais o fármaco possui eficácia e segurança comprovadas, causando prejuízos certos aos pacientes portadores de Artrite.";

d) os medicamentos disponíveis no SUS são aqueles padronizados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME, que estão divididos em Componente Básico, Estratégico e Especializado, sendo que a incorporação de medicamentos nessa relação cabe, tão somente, ao Ministério da Saúde;

e) havendo normativa explícita especificando a divisão de competências de cada ente federado para aquisição e dispensação de medicamentos, "(...) é certo que a sua inobservância importa em grave violação ao Sistema Único de Saúde, de modo que a manutenção da decisão que se busca suspender impõe elevado e indevido ônus ao Estado do Rio Grande do Norte, provocando lesão à saúde pública, na medida em que recursos que deveriam ser utilizados para outros cuidados com a saúde da população serão utilizados para atender demandas de responsabilidade da União.";

f) a violação à ordem jurídica também resta configurada, na medida em que as decisões que determinam o fornecimento de medicamentos pelo Ente Estadual sem a aprovação da ANVISA vão de encontro ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 855.178, Tema nº 500 do STF, que desobriga a disponibilização de tratamentos experimentais, isto é, sem eficácia e segurança comprovadas;

g) não obstante reconheça a responsabilidade em comum dos entes federativos de prover a política pública de saúde, esse encargo deve estar de acordo com a divisão de competências estabelecida pelo SUS, conforme a Lei Federal nº 8.080/90, "(...) de modo que há solidariedade apenas nos casos em que houver incorporação do medicamento pelo Sistema Único de Saúde, posto que apenas a União tem a responsabilidade de inclusão de novos fármacos."

h) seja porque o objeto da demanda não está registrado na ANVISA, seja devido à ausência da sua integração ao RENAME, não pode o Estado fornecer fármacos que não observam essas exigências, fazendo-se imperiosa a sua exclusão da lide, "(...) por total ilegitimidade passiva ad causam, certo de que deve o presente feito ser extinto sem julgamento do mérito.";

i) é fato notório o aumento de internações decorrentes do COVID-19 na chamada 2ª onda da pandemia no território nacional, existindo "(...) sério risco do incremento do número de decisões judiciais para conceder o TOCILIZUMABE, o que põe em risco não só os pacientes com COVID, como também os usuários do SUS que recebem o medicamento de forma ordinária, ou seja, para tratamento de patologias com eficácia e segurança aprovadas pela ANVISA", motivo pelo qual "(...) para que se evite o temeroso efeito multiplicador, que é evidente no presente caso, e visando atenuar os prejuízos ao Erário estadual decorrentes de situações semelhantes à ora relatada, devem ser suspensas a decisão liminar até o julgamento de mérito da demanda."

Ao final, requer "(...) a) a suspensão dos efeitos da decisão proferida nos autos do Processo nº 0801496-75.2021.8.20.5300 de origem da Vara Única da Comarca de Patu; b) a extensão dos efeitos do presente Incidente para todas as ações em que houve a concessão de liminar para o fornecimento do medicamento TOCILIZUMABE pelo Estado do Rio Grande do Norte para o tratamento do COVID com base no § 8º DO ART. 4º DA LEI 8.437/92; (...)."

É o relatório. Passo a decidir.

Conforme relatado, o requerente pretende suspender decisão proferida pelo Juízo de Direito Plantonista da Comarca de Umarizal que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer nº 0801496-75.2021.8.20.5300 movida por ALISSON DAVID FERNANDES JALES, representado pela sua genitora Maria Dilma Fernandes Jales, deferiu “(...) o pedido de concessão de tutela de urgência formulado na inicial, nos termos dos arts. 300 do CPC, para determinar que a demandada cumpra, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a obrigação de fazer consistente na disponibilização do medicamento pleiteado TOCILIZUMABE (04 ampolas de 200 mg), sob pena de bloqueio judicial de valor suficiente ao cumprimento da decisão e da aplicação de multa diária por descumprimento (art. 537 do CPC).” (grifos nossos)

Frise-se, de início, que o deferimento da contracautela requerida está condicionado à ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, sendo o aludido requerimento prerrogativa de pessoa jurídica que exerce munus público, decorrente da supremacia do interesse estatal sobre o particular.

Além disso, a suspensão constitui providência extraordinária, devendo o requerente indicar na inicial, de forma patente, que a manutenção dos efeitos da medida judicial que busca suspender viola severamente um dos bens jurídicos tutelados (STF, SS n. 1.185/PA, relator Ministro CELSO DE MELLO, DJ de 4/8/1998), não servindo o excepcional instituto como sucedâneo recursal para exame do acerto ou do desacerto da decisão impugnada (art. 4º da Lei Federal nº 8.347/1992), ou seja, não deve ser manejada em substituição aos recursos próprios taxativamente previstos na legislação processual para impugnar decisões pela via ordinária ou extraordinária.

Partindo-se de tais premissas, e à luz da natureza do instituto, a cognição desta Presidência deve se limitar à aferição da existência de risco de grave lesão ao interesse público, além de um juízo mínimo de plausibilidade do fundamento jurídico invocado, não cabendo manifestação alguma quanto ao mérito propriamente dito do que está sendo discutido no processo originário, uma vez que o mérito deverá ser, oportunamente, apreciado na via recursal própria. Portanto, a mens legis do aludido incidente é o estabelecimento de uma prerrogativa justificada pelo exercício da função pública na defesa do interesse do Estado, buscando evitar que decisões contrárias aos interesses primários ou secundários, ou ainda mutáveis em razão da interposição de recursos, tenham efeitos imediatos e lesivos para o Estado e, em última instância, para a própria coletividade.

Ocorre que o Estado do Rio Grande do Norte não demonstrou, de modo preciso e inequívoco, a alegada grave lesão à ordem e à saúde públicas, tampouco ficou demonstrado de que forma a manutenção da decisão impugnada, ao determinar a disponibilização do medicamento pleiteado, "põe em risco a coletividade" e "pode pôr em risco toda a estrutura do Sistema Único de Saúde" ou que existe "sério risco do incremento do número de decisões judiciais para conceder o...

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