Decisão Nº 08047678420218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 15-04-2021

Data de Julgamento15 Abril 2021
Classe processualMANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
Número do processo08047678420218200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Dilermando Mota no Pleno

MANDADO DE SEGURANÇA N.º 0804767-84.2021.8.20.0000
IMPETRANTE: ANISIO VICENTE LODONIO NETO
Advogado(s): JOSY IMPERIAL BEZERRA
AUTORIDADE: COMANDANTE GERAL DA POLICIA MILITAR
IMPETRADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Relator: DESEMBARGADOR DILERMANDO MOTA PEREIRA



DECISÃO

Vistos em exame.

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por ANÍSIO VICENTE LODÔNIO NETO em face de ato supostamente ilegal atribuído ao Comandante Geral da Polícia Militar do Estado, constando como ente público o Estado do Rio Grande do Norte.

Em sua inicial, informa o impetrante que é Policial Militar do Estado, tendo ingressado na carreira em 09/02/2007, e que foi promovido à graduação de CABO em 25/08/2017, de modo que, em 02/02/2021, foi convocado para se submeter a exame de saúde a fim de participar do CFS 2021.1, de acordo com o BG n.º 021/2021.

Aduz que, tendo preenchido todos os requisitos legais para sua promoção, apresentou os documentos necessários para a participação no curso de formação na data aprazada, em 25/02/2021, mas que, nesta data, ainda estava sob cuidados restritivos determinados pela Junta Médica Policial de Saúde, com agendamento de retorno para a data de 08/03/2021.

Informa que, na data do retorno à Junta Médica, sua avaliação foi concluída no sentido de considerá-lo apto às suas funções, para retorno ao trabalho.

Afirma, todavia, que apenas três dias após a conclusão de aptidão da Junta Médica, em 11/03/2021, foi publicado o BG n.º 048/2021, que tornou pública a Sessão n.º 019.2/2021, de 25 de fevereiro de 2021, com o Resultado de Inspeção de Saúde e indicando o Impetrante como inapto ao ingresso no Curso de Formação de Sargento – CFS 2021.1.

Defende, por isso, que a declaração de inaptidão não deve prevalecer para afastá-lo da participação em curso de formação necessário para sua promoção na carreira, uma vez que foi considerado apto em momento anterior à publicação do Resultado de Inspeção de Saúde e retornou ao exercício de suas funções institucionais.

Argumenta que a própria LCE nº. 515/2014 ressalta que a incapacidade temporária decorrente de acidente, como é o caso do impetrante, que sofreu acidente automobilístico durante o trabalho, não o impede ao ingresso no Quadro de Acesso ou a consequente promoção à graduação superior.

Por tais motivos, pede a concessão liminar da segurança, para determinar que a autoridade coatora efetive a matrícula do Impetrante no Curso de Formação de Sargentos-CFS 2021, permitindo a sua participação no referido curso até a sua conclusão. No mérito, pede a confirmação da liminar, com a concessão da segurança em definitivo. Ainda, pede a concessão da assistência judiciária gratuita.

Junta documentos.

É o que importa relatar. Decido.

O instituto do Mandado de Segurança está previsto dentre os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988, especificamente no art. 5º, LXIX, verbis:

Art. 5º. (Omissis)

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.”

A Lei do Mandado de Segurança, por sua vez, estabelece em seu art. 1º que “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

Para a concessão de liminar em mandado de segurança, ainda, é mister a demonstração, pelo impetrante, dos requisitos contidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009, quais sejam: a relevância da fundamentação e o risco de ineficácia da medida, acaso somente concedida por ocasião do julgamento da demanda.

Na hipótese dos autos, em análise de cognição sumária, entendo caracterizada a presença dos dois requisitos acima mencionados, aptos a deferir o postulado em sede liminar, como passo a expor.

Isto porque, da análise dos autos, verifico que o impetrante foi convocado para realizar o exame de saúde por meio da PORTARIA-SEI Nº 101, de 08 de janeiro de 2021, publicada no Boletim Geral n.º 021, de 02 de fevereiro de 2021, tendo sido qualificado como inapto, conforme se observa do Boletim Geral n.º 048, de 11 de março de 2021.

Contudo, como bem ressaltado pelo Impetrante, a publicação do resultado da Inspeção de Saúde que o considerou inapto para participar do curso de formação em questão ocorreu apenas três dias após a conclusão da Junta Médica da PMRN que atestou a sua aptidão para imediato retorno ao trabalho, sem qualquer restrição, como comprova o documento de id. 9290943 - Pág. 1.

Ademais, sobre o assunto, o Decreto Estadual n.º 27.404/2017, que discorre sobre o processo seletivo interno para ingresso no Curso de Formação de Sargentos, no âmbito das Corporações Militares Estaduais, assim estabelece sobre o processo seletivo para a graduação posterior, verbis:

Art. 3º Além da ordem direta de classificação por antiguidade na graduação, o processo seletivo compreenderá:

I – exames de saúde;

II – exames de avaliação de condicionamento físico.

Ocorre que a obrigatoriedade de realização dos exames de saúde para fins específicos de participação no Curso de Formação de Sargentos sequer se encontra amparada em autorização contida no sistema legal de regência.

Isto porque, o art. 32 da legislação específica da carreira de Policial Militar do Rio Grande do Norte (LCE n.º 515/2014), assim menciona acerca do predito processo seletivo:

“Art. 32. O curso de Formação de Sargentos (CFS) terá a duração de no máximo 120 (cento e vinte) dias letivos, com carga horária mínima de 480 horas/aula e máxima de 720 (setecentos e vinte) horas/aula e habilitará a Praça Militar Estadual à promoção até a graduação de 2º Sargento da PM/RN”.

A fixação do exame de saúde como critério eliminatório e impeditivo para que o militar participe do CFS, em que pese estar em sintonia com o Decreto nº 27.404/2017, não possui amparo legal, sendo certo que a previsão normativa infralegal de eliminação do candidato para participar do Curso de Formação não pode inovar hipóteses limitativas de acesso, quando a legislação de regência assim não fez.

Desta feita, não poderia o Impetrante ser prejudicado em razão de inspeção de saúde voltada para permitir o seu ingresso em curso de formação, com critérios de avaliações não previstos no diploma normativo do qual extrai fundamento de validade, sobretudo no caso presente em que, antes mesmo da publicação do resultado da Inspeção em Saúde, foi considerado apto pela mesma Junta Médica Policial Militar.

Esclareça-se que o princípio da legalidade (art. 5º, inciso II e art. 37, caput, ambos da Constituição da República) traz a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração Pública, significando que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei.

De fato, é cediço que o estabelecimento de critério como requisito ou condição necessária ao acesso de determinado cargo público de carreira somente é possível, nos termos do art. 37, inciso I, da Constituição, se houver lei em sentido material que expressamente autorize, previsão no Edital do Certame e grau mínimo de objetividade e de publicidades dos atos, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, verbis:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTO. LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DO TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. FUNDAMENTO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (ARE 710124 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 13/11/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 04-12-2012 PUBLIC 05-12-2012).

Destaque-se, por oportuno, que o Plenário desta Corte de Justiça já enfrentou a matéria, afastando o caráter eliminatório do exame de saúde apenas para participação em Curso de Formação, conforme segue:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. CURSO DE FORMAÇÃO. PRETENSA MATRÍCULA NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS – CFS E ANULABILIDADE DOS INCISOS I E II DO ART. 3º DO DECRETO ESTADUAL Nº 27.404/2017. POSSIBILIDADE. IMPETRANTE CONSIDERADO INAPTO NO EXAME DE SAÚDE. IMPEDIMENTO DE INSCRIÇÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. REQUISITOS CONSTANTES DO DECRETO QUE EXTRAPOLAM A LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 515/2014 - REGENTE DA MATÉRIA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SUBMISSÃO DO MILITAR AO EXAME DE SAÚDE SOMENTE PARA INSERÇÃO NO QUADRO DE ACESSO E PROMOÇÃO À GRADUAÇÃO SUPERIOR. AFASTAMENTO DAS REGRAS PARA FINS DE INSCRIÇÃO DO CFS. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. CONSONÂNCIA COM A PROCURADORIA DE JUSTIÇA. (TJRN, Mandado de Segurança 0805579-34.2018.8.20.0000, Rel. Des. Gilson Barbosa, j. 30/05/2019).

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. ANÁLISE DA LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA EDITALÍCIA DE REALIZAÇÃO DE TESTE DE APTIDÃO FÍSICA PARA PARTICIPAÇÃO DE CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTO (CFS). REQUISITO NÃO PREVISTO EM LEI EM SENTIDO FORMAL, MORMENTE NA LCE 515/2014. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ARTIGO 37, CAPUT, DA CF). ILEGALIDADE CONFIGURADA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. CONCESSÃO DA SEGURANÇA QUE SE IMPÕE. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. (Mandado de Segurança nº 0800128-28.2018.8.20.0000. Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho. Julgamento em 13/06/2018).

Ante o exposto, DEFIRO a liminar pretendida, para determinar à autoridade impetrada que realize os procedimentos necessários para que o impetrante participe do Curso de Formação de Sargentos 2021.1.

Comunique-se a autoridade impetrada para cumprimento imediato.

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