Decisão Nº 08058559420208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Seção Cível, 08-07-2020

Data de Julgamento08 Julho 2020
Classe processualRECLAMAÇÃO
Número do processo08058559420208200000
ÓrgãoSeção Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Amaury Moura Sobrinho na Seção Cível - Juiz convocado Dr. João Afonso Pordeus

RECLAMANTE: HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA
Advogado(s): PRISCILA COELHO DA FONSECA BARRETO
RECLAMADA: 2.
ªTURMA RECURSAL DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Relator: Juiz João Afonso Pordeus


DECISÃO

Versam os presentes autos acerca de reclamação judicial apresentada pelo HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA em face de acórdão emanado da 2.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do RN, que negou provimento ao Recurso Inominado n.° 0807249-18.2018.8.20.5106 (ID 6618776), mantendo a sentença recorrida, que no julgamento de Ação de Indenização por Danos Morais condenou a reclamante ao pagamento à parte ali autora, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), ao reconhecer a ilicitude no procedimento de curetagem a que foi submetida a autora, decorrente de humilhação e atendimento inadequado por parte da equipe médico hospitalar, além de ter sido internada para tanto, em sala de medicação coletiva, junto com homens, sem privacidade e não em sala de enfermaria específica, cujo procedimento incluía colocação de medicação via vaginal, dores, necessidade de ir ao banheiro, com total falta de privacidade.

Em apertada síntese, alega o Plano de Saúde reclamante que na ação principal ajuizada, a parte ali autora alegou que se encontrava gestante de 4 (quatro) meses, vindo a tomar conhecimento na última consulta médica realizada, que o feto estava sem vida, razão pela qual buscou atendimento no dia 6 de setembro de 2017, no Hospital Rodolfo Fernandes, oportunidade em que deu início a expulsão do feto por via medicamentosa, para posterior realização de curetagem. Disse que, durante o dia supracitado, ficou na sala de medicação ao qual não tinha privacidade, vindo a expulsar o feto por volta das 16h do dia seguinte, tendo ocorrido demora na autorização do procedimento de curetagem, informando que foi humilhada pela médica de plantão na hora do procedimento de toque, bem como perdeu muito sangue até a realização da curetagem por volta das 18h.

Sustenta preliminares de: a) nulidade da sentença por falta de fundamentação; b) incompetência dos juizados especiais, em razão da complexidade da causa, porquanto demandaria perícia judicial e c) ilegitimidade passiva, porquanto eventual ocorrência de ilicitude seria imputável à medica que atendeu a litisconsorte na presente reclamação.

No mérito, alega inocorrência de condutas no atendimento médico da autora na demanda indenizatória que justificasse a condenação impugnada, vez que após a Sra. Francione Satiro ser atendida pelo profissional médico, com quadro clínico de aborto retido, foi verificada a necessidade de ser submetida a medicação para contratação, o que ocorre normalmente em casos que o feto possui mais de 12 (doze) semanas. E, quanto à alegação de intenso sangramento, importante informar que aquela é portadora de púrpura, ou seja, uma doença autoimune que se caracteriza pela destruição das plaquetas, ocasionando intensos sangramentos.

Pontua que, conforme amplamente demonstrado ao longo do andamento processual do feito principal, houve o acompanhamento minucioso da paciente, recebendo todo atendimento necessário, sem qualquer óbice, bem como que inexiste naqueles autos qualquer documento comprobatório dos fatos arguidos pela ali autora, inexistindo demonstrativo que foi tratada com descaso pelos funcionários do hospital, colocado em local inadequado, bem como conduta de negligência, imprudência ou imperícia da operadora. Pontua que além de indevidos os danos morais, foram arbitrados em valor excessivo.

Ao final, requer que seja admitida e provida a presente reclamação para que o acórdão reclamado seja modificado com o reconhecimento de improcedência dos pedidos formulados pela parte autora.

Junta documentos.

É o relatório. Decido.

De proêmio, urge observar que é comezinha a lição quanto ao caráter subsidiário ou supletivo da reclamação constitucional, não podendo tal instituto ter sua natureza subsidiária desvirtuada e confundida com sucedâneo recursal, eis que não tem a função de compor conflitos intersubjetivos, apesar de poder atender a interesses individuais na busca da sua função precípua de conservação da hierarquia jurisdicional.

Com efeito, a reclamação prevista no art. 105, I, "f" da CF e no art. 988 do CPC se destina à preservação de sua competência, garantir autoridade das decisões do STJ e à observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidentes de assunção de competêncial[1]

Além de só se prestar para os fins legalmente estabelecidos, o manejo da reclamação somente é possível quando inexistam outros remédios legalmente previstos.

Nesse sentido, são os precedentes do Supremo Tribunal Federal, in verbis:


EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO - PROCESSUAL CIVIL - USO DE PARADIGMA EXTRAÍDO DE AÇÕES SUBJETIVAS - USO INDEVIDO DA RECLAMAÇÃO - PRECEDENTES - AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1 - A reclamação é meio constitucional de preservação da autoridade da Corte e da eficácia de suas decisões. Sua natureza é subsidiária e não pode ser desvirtuada e confundida com sucedâneo recursal. Ela não visa a compor conflitos intersubjetivos, conquanto possa, indiretamente, atender a interesses individuais, o que se dá apenas como decorrência da realização de seu papel magno, que é a conservação da hierarquia jurisdicional (Egas Dirceu Moniz de Aragão). 2 - O uso, como paradigmas, de acórdãos prolatados em ações intersubjetivas, despossuídas de caráter erga omnes e de eficácia vinculante, não é válido na reclamação, quando delas não fez parte o reclamante. Agravo regimental não provido. (Rcl 9545 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2010, DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-01 PP-00155 RT v. 99, n. 898, 2010, p. 130-133)

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. DECISÃO PROFERIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. DESCUMPRIMENTO. SOBRESTAMENTO DO FEITO. NECESSIDADE DE ESGOTAR AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECLAMAÇÃO DESCABIDA.

1. As hipóteses que autorizam o ajuizamento de reclamação, nos termos do art. 988 do CPC/2015, não podem ser interpretadas de modo a transformar o Superior Tribunal de Justiça em órgão ordinário de revisão das decisões proferidas em primeira instância, mormente no que se refere à interpretação das decisões e dos acórdãos proferidos no julgamento de recursos especiais repetitivos e dos incidentes de assunção de competência.

2. Esta Corte possui o entendimento de que "refoge à lógica que rege o princípio da utilidade admitir-se o manejo prematuro de ação e/ou recurso que se volte contra julgado cuja reforma ainda pode ser obtida por outros meios que não a provocação de uma instância superior" (AgRg na Rcl 32.945/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 22/2/2017, DJe 2/3/2017).

3. Assim, seja no caso em que ao juízo de primeiro grau descumpriu a orientação do STJ firmada no julgamento de recurso especial repetitivo, seja no caso em que não houve a observância de decisão que determinou o sobrestamento do feito, o ajuizamento da reclamação deve-se sujeitar aos limites previstos no § 5º, do art. 988, do CPC/2015, sendo necessário o prévio esgotamento das instâncias ordinárias.

4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt na Rcl 33.676/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/08/2017, DJe 31/08/2017)

Assim, para não banalizar o uso da reclamação, mormente com a conotação de recurso ou sucedâneo recursal, é imperioso que a análise do seu cabimento seja à luz das situações destacadas nos incisos I, II, III e IV do artigo 988, os quais devem ser interpretados em consonância com a orientação proposta nos artigos 926 e 927 do CPC/2015, que pretendem enfatizar a necessidade de juízes e tribunais seguirem a orientação consignada em tese firmada na resolução de questão de direito material ou processual, mas desde que materializada em jurisprudência dominante ou pacificada, súmula ou provimentos derivados de casos repetitivos, estes últimos na acepção que lhe empresta o artigo 928 do novo código.

Tal fundamento justifica o reconhecimento da ausência de interesse de agir da parte reclamante, desde logo, quando a causa de pedir revele flagrante inobservância de uma das hipóteses do artigo 988 do novo CPC.

Pois bem. Do exame acurado dos autos, tem-se que, no caso concreto, a presente reclamação, da leitura atenta da exordial, não indica como fundamento qualquer afronta do julgado impugnado à jurisprudência consolidada em enunciado sumular ou julgamento realizado na forma do art. 1036 do CPC, limitando-se a apresentar as teses já apontadas perante o Juízo reclamado, numa evidente te tentativa de utilização deste instituto processual como sucedâneo recursal.

Neste contexto, a presente reclamação não se mostra adequada para a análise da questão ora posta pelo Reclamante, eis que esta não se revela medida destinada a avaliar o acerto ou desacerto da decisão atacada como sucedâneo recursal, impondo-se sua extinção sem apreciação de mérito.

Em casos de não conhecimento da reclamação utilizada como sucedâneo recursal, cito os seguintes julgados desta Corte de Justiça

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA PELO RELATOR. DEMANDA PROPOSTA COM O OBJETIVO DE DESCONSTITUIR ACÓRDÃO DA 1ª TURMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS. FUNDAMENTAÇÃO QUE NÃO SE ENQUADRA NAS HIPÓTESES DE CABIMENTO PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL OU NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DECISÃO AGRAVADA QUE NÃO ENSEJA REFORMA, AGRAVO. CONHECIDO E DESPROVIDO." (TJRN - Seção Cível – Agravo...

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