Decisão Nº 08058582020188200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 09-02-2021

Data de Julgamento09 Fevereiro 2021
Classe processualAÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
Número do processo08058582020188200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gabinete do Desembargador Gilson Barbosa

Ação Penal Originária nº 0805858-20.2018.8.20.0000

Origem: Tribunal de Justiça/RN

Requerente: Ministério Público

Requerido: Robson de Araújo

Advogado: Dr. Flaviano da Gama Fernandes

Requerido: Raimundo Inácio Filho

Advogado: Dr. Felipe Augusto Cortez Meira de Medeiros

Requerido: Edvaldo Pessoa de Farias

Advogado: Dr. André Augusto de Castro e outro

Requerido: Allan Emannuel Ferreira da Rocha

Advogado: Dr. Mikênio da Silva Câmara

Requerido: Felipe Gonçalves de Castro

Requerido: Maurício Ricardo de Moraes Guerra

Advogado: Leonardo Quércia Barros e outros

Requerido: Alberto Cardoso Correia do Rêgo Filho

Requerido: João Paulo Melo Alves da Silva

Requerido: Antônio Felipe Pinheiro de Oliveira

Advogado: Dr. Caio Victor Ribeiro Barbosa

Requerido: Abdon Augusto Maynard Júnior

Relator: Desembargador Gilson Barbosa


DECISÃO

Trata-se de Ação Penal Originária proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte em desfavor das pessoas epigrafadas, dentre elas, o ex-Prefeito do Município de Caicó/RN, Robson de Araújo.

Conforme peça acusatória, ID 1992273, aos denunciados foram atribuídos os crimes previstos nos arts. 317, caput, 333, caput, art. 288, caput, 332, caput, todos do Código Penal; art. 89, caput, e parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993; e art. 1º, caput, e § 1º, II, da Lei nº 9.613/1998, na forma discriminada nas págs. 106-108 do ID mencionado.

Após a apresentação da denúncia, proferi despacho determinando a notificação dos denunciados para oferecer resposta à acusação, nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei nº 8.038/1990 c/c o art. 280 do Regimento Interno deste Tribunal.

Em decorrência do despacho inicial, a Secretaria Judiciária procedeu à notificação dos denunciados, conforme se verifica da tramitação do feito.

No entanto, de acordo com a petição de ID 5426454, o Ministério Público, visando dar prosseguimento ao feito e resguardar o processo de alegação de nulidade, requereu a expedição de nova carta precatória ao Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para notificação do denunciado ALBERTO CARDOSO CORREIA DO RÊGO FILHO; a remessa dos autos à Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte para apresentação de reposta em favor de FELIPE GONÇALVES CASTRO e ABDON AUGUSTO MAYNARD JÚNIOR; e a habilitação da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco, proporcionando-se, também, acesso integral às cautelares apensas, devolvendo-se integralmente o prazo para apresentação de defesa preliminar ao denunciado JOÃO PAULO MELO ALVES DA SILVA.

Após a relatada tramitação processual, adveio nova petição do Ministério Público, informando que Robson de Araújo, autoridade possuidora de foro por prerrogativa de função, “concluiu seu mandato de Prefeito (2017-2020). Desse modo, ao fim do dia 31/12/2020, isto é, antes mesmo do recebimento da denúncia, deixou o denunciado a chefia do Executivo Municipal.” (sic)

O órgão ministerial fundamentou o pedido de declaração de incompetência deste Tribunal de Justiça por perda superveniente do foro por prerrogativa de função de Robson de Araújo, e consequente remessa dos autos ao primeiro grau de jurisdição, na Questão de Ordem na Ação Penal nº 937 decidida pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, aduziu que a paradigmática decisão, além de restringir o alcance do foro por prerrogativa de função aos fatos praticados no exercício dos cargos previstos na Constituição Federal e a estes relacionados, estabeleceu como marco para a definição da perpetuação da competência o término da instrução processual, especificamente o ato de publicação do despacho de intimação para alegações finais.

No tocante ao caso em concreto, afirmou que o denunciado Robson de Araújo deixou o cargo de Prefeito no curso da presente ação penal, sem que tenha ocorrido, até o momento, a publicação do despacho para apresentação das alegações finais, tendo em vista que o processo se encontra em fase inicial.

É o relatório.

Consoante se verifica dos autos, a denúncia proposta pelo Ministério Público refere-se a 10 (dez) pessoas, dentre elas, Robson de Araújo, ex-Prefeito do Município de Caicó/RN, supostamente envolvidas em um esquema de corrupção, atinente à manutenção de contratos das empresas REAL ENERGY LTDA e ENERTEC CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA com a Prefeitura de Caicó/RN.

À época da propositura desta ação, o então Prefeito Municipal possuía foro por prerrogativa de função, razão pela qual a denúncia em seu desfavor, bem como dos outros denunciados, deveria ser processada e julgada por este Tribunal de Justiça.

Todavia, como noticiado pelo Ministério Público e confirmado pelo resultado das eleições municipais de 2020[1], Robson de Araújo não foi reeleito Prefeito de Caicó/RN.

Pois bem.

Em que pese a matéria apresentada nesta demanda, imperiosa a análise da competência do Tribunal de Justiça para dar continuidade à tramitação e julgamento dos denunciados diante da perda superveniente do foro por prerrogativa de Robson de Araújo.

Como se sabe, em 03.05.2018 o Supremo Tribunal Federal julgou a questão de ordem instaurada na Ação Penal nº 937, fixando as seguintes teses:

“(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.

Compreendeu o Supremo Tribunal Federal, na Questão de Ordem, que a interpretação mais adequada para a prerrogativa de foro é aquela que não viola os princípios da igualdade e da república, insertos nos arts. 5º, caput, e 1º, caput, da Constituição Federal[2].

Nesse sentido, considerou a Corte Suprema que a natureza da norma atende aos princípios constitucionais, com o escopo de garantir o pleno e livre exercício das funções públicas, o que não acoberta a pessoa, mas sim o cargo por ela exercido, não devendo se estender a prerrogativa aos crimes cometidos antes da investidura/diplomação ou aqueles cometidos após, se não se relacionam com as atribuições do cargo ou mandato.

Também já foi decidido que, embora a decisão tenha se referido a membros do Congresso Nacional, aplica-se a ratio decidendi, indistintamente, a qualquer hipótese de competência especial por prerrogativa de função. (QO na AP nº 4.703, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 01.10.2018).

Sob enfoque o caso em apreço, é notório que Robson de Araújo não foi reeleito como Prefeito do Município de Caicó/RN, além de a presente ação encontrar-se em fase de apresentação de defesa prévia, que não foi concluída por motivo de ausência de notificação de três denunciados.

A primeira tese estabelecida no julgado diz que “o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”. No entanto, a segunda tese fixa o momento de prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal, por simetria este Tribunal de Justiça, não se aplicando a primeira, caso a instrução já tenha se encerrado, o que não retrata o caso dos autos, pois, como visto, a denúncia sequer foi recebida.

Desse modo, por não ter havido ainda o encerramento da fase instrutória, isto é, a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ainda pode ser afetada, devendo ser o feito remetido para o primeiro grau de jurisdição.

Ante o exposto, reconheço a incompetência deste Tribunal de Justiça para processo e julgamento da presente ação penal e determino a remessa dos autos à Comarca de Caicó/RN, para que lá seja distribuída a quem competir de direito. (ANEXO X da Lei de Organização Judiciária)

À Secretaria Judiciária, para anotar, na autuação do processo, o causídico indicado no substabelecimento de ID 8488587.

Após, que proceda à baixa na distribuição no 2º grau e remessa dos autos, na forma legal e regimental.

Dê-se ciência ao Procurador-Geral de Justiça desta decisão.

Publique-se. Intime-se.

Cumpra-se.

Natal, 08 de fevereiro de 2021.

Desembargador Gilson Barbosa

Relator



[1] https://resultados.tse.jus.br/oficial/#/eleicao;e=e426;uf=rn;mu=16390/resultados

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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