Decisão Nº 08074962020208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Seção Cível, 23-09-2021

Data de Julgamento23 Setembro 2021
Classe processualRECLAMAÇÃO
Número do processo08074962020208200000
ÓrgãoSeção Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Dilermando Mota na Seção Cível - Juiz Convocado Dr. Ricardo Tinoco de Goes


RECLAMAÇÃO N.º 0807496-20.2020.8.20.0000
RECLAMANTE: BOA VISTA SERVICOS S.A.
Advogado(s): LEONARDO DRUMOND GRUPPI
RECLAMADO: 3ª TURMA RECURSAL
Relator em substituição legal: DESEMBARGADOR EXPEDITO FERREIRA



DECISÃO

Vistos em exame.

Trata-se de Reclamação proposta por BOA VISTA SERVIÇOS S.A. em face de acordão proferido pela 3.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Norte nos autos do Recurso Inominado n.º º 0817743-39.2018.8.20.5106, interposto em razão da sentença de procedência proferida pelo Juízo de Direito da 4.ª Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de Mossoró.

Afirma o Reclamante, em síntese, que o acórdão reclamado deu parcial provimento ao recurso interposto, apenas para reduzir o valor da condenação por danos morais fixados na sentença recorrida, o que contraria a legislação federal e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça por meio das Súmulas n. 359 e n. 404, na medida em que houve o envio da notificação prévia do devedor antes da realização de sua inscrição em cadastro restritivo de crédito, atitude esta que afasta a obrigação indenizatória por danos morais.

Por tais motivos, requer a procedência do pleito reclamatório, para cassar o acórdão questionado, aplicando-se o entendimento que entende ser correto e as súmulas indicadas do Superior Tribunal de Justiça.

Junta documentos.

É o que importa relatar. Decido.

Em primeiro lugar, é importante que se ressalte que o cabimento da Reclamação é previsto na Constituição Federal para duas hipóteses específicas: como forma de preservação da competência dos tribunais superiores e de garantia da autoridade de suas decisões.

A Lei n.º 11.417/2006, por sua vez, que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, prevê em seu art. 7.º, caput, uma terceira hipótese de cabimento da reclamação constitucional, qual seja, de decisão judicial ou ato administrativo que contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente entendimento consagrado em súmula vinculante.

Tais hipóteses foram repetidas no Código de Processo Civil em seu art. 988, que indica as hipóteses taxativas de cabimento de Reclamação, verbis:

Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I - preservar a competência do tribunal;

II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)

Neste passo, Reclamação não é o instrumento hábil para discutir a aplicação de entendimentos outros que não os precedentes expressamente previstos na norma legal, como eventual contrariedade à súmulas e teses firmadas em recurso repetitivo, consoante recentemente afirmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, conforme segue:

RECLAMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL AO QUAL O TRIBUNAL DE ORIGEM NEGOU SEGUIMENTO, COM FUNDAMENTO NA CONFORMIDADE ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (RESP 1.301.989/RS - TEMA 658). INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO NO TRIBUNAL LOCAL. DESPROVIMENTO. RECLAMAÇÃO QUE SUSTENTA A INDEVIDA APLICAÇÃO DA TESE, POR SE TRATAR DE HIPÓTESE FÁTICA DISTINTA.DESCABIMENTO. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

1. Cuida-se de reclamação ajuizada contra acórdão do TJ/SP que, em sede de agravo interno, manteve a decisão que negou seguimento ao recurso especial interposto pelos reclamantes, em razão da conformidade do acórdão recorrido com o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.301.989/RS, julgado sob o regime dos recursos especiais repetitivos (Tema 658).

2. Em sua redação original, o art. 988, IV, do CPC/2015 previa o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de "casos repetitivos", os quais, conforme o disposto no art. 928 do Código, abrangem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os recursos especial e extraordinário repetitivos.

3. Todavia, ainda no período de vacatio legis do CPC/15, o art. 988, IV, foi modificado pela Lei 13.256/2016: a anterior previsão de reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de "casos repetitivos" foi excluída, passando a constar, nas hipóteses de cabimento, apenas o precedente oriundo de IRDR, que é espécie daquele.

4. Houve, portanto, a supressão do cabimento da reclamação para a observância de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, em que pese a mesma Lei 13.256/2016, paradoxalmente, tenha acrescentado um pressuposto de admissibilidade - consistente no esgotamento das instâncias ordinárias - à hipótese que acabara de excluir.

5. Sob um aspecto topológico, à luz do disposto no art. 11 da LC 95/98, não há coerência e lógica em se afirmar que o parágrafo 5º, II, do art. 988 do CPC, com a redação dada pela Lei 13.256/2016, veicularia uma nova hipótese de cabimento da reclamação. Estas hipóteses foram elencadas pelos incisos do caput, sendo que, por outro lado, o parágrafo se inicia, ele próprio, anunciando que trataria de situações de inadmissibilidade da reclamação.

6. De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a Lei 13.256/2016 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição.

7. Outrossim, a admissão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios.

8. Nesse regime, o STJ se desincumbe de seu múnus constitucional definindo, por uma vez, mediante julgamento por amostragem, a interpretação da Lei federal que deve ser obrigatoriamente observada pelas instâncias ordinárias. Uma vez uniformizado o direito, é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto.

9. Em tal sistemática, a aplicação em concreto do precedente não está imune à revisão, que se dá na via recursal ordinária, até eventualmente culminar no julgamento, no âmbito do Tribunal local, do agravo interno de que trata o art. 1.030, § 2º, do CPC/15.

10. Petição inicial da reclamação indeferida, com a extinção do processo sem resolução do mérito. (Rcl 36.476/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Corte Especial, julgado em 05/02/2020, DJe 06/03/2020). (Grifos Acrescidos).

Assim sendo, a despeito de fixação de tese firmada, tem-se como inadmissível a reclamação para controlar a aplicação feita por um Tribunal local de tema firmado por meio de súmulas ou da sistemática do julgamento dos recursos especiais repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Neste passo, verifico que em momento algum houve indicação ou demonstração de que a decisão reclamada afronta acórdão proferido em IRDR ou incidente de assunção de competência ou qualquer das demais hipóteses legais.

Ainda, ressalte-se que o simples fato de o acórdão divergir de precedentes deste Tribunal não enseja o cabimento de Reclamação, eis que esta somente pode ser admitida se a conclusão do colegiado contrariar acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência, não sendo o caso dos autos, consoante precedente do próprio STJ, que igualmente colaciono:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA E REQUISITOS PARA ADMISSIBILIDADE DE RECLAMAÇÃO E DE PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

Não é cabível reclamação, tampouco pedido de uniformização de jurisprudência, ao STJ contra acórdão de Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública sob a alegação de que a decisão impugnada diverge de orientação fixada em precedentes do STJ. O sistema para o processamento e julgamento de causas em juizados especiais é composto por três microssistemas. Cada um deles é submetido a regras específicas de procedimento, inclusive com relação ao mecanismo de uniformização de jurisprudência e de submissão das decisões das Turmas Recursais ao crivo do STJ. No âmbito do microssistema dos Juizados Especiais Estaduais Comuns, instituídos pela Lei 9.099/1995, o mecanismo é a reclamação, nas hipóteses do art. 1º da Resolução 12/2009 do STJ, ou seja, quando decisão de Turma Recursal contrariar: a) jurisprudência do STJ; b) súmula do STJ; ou c) orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C. Já no que se refere aos Juizados Especiais Federais instituídos pela Lei 10.259/2001, é o pedido de uniformização de jurisprudência que é cabível quando a orientação da Turma Nacional de Uniformização contrariar (art. 14, § 4º): a) jurisprudência dominante do STJ; ou b) súmula do STJ. Finalmente, quanto ao mais recente microssistema, instituído pela Lei 12.153/2009 (Juizados Especiais da Fazenda Pública), é cabível o pedido de uniformização de jurisprudência quando (arts. 18 e 19): a) as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes; ou b) a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do STJ. Percebe-se, portanto, que foi opção expressa do legislador restringir apenas às duas hipóteses acima o cabimento do pedido de uniformização de jurisprudência nos...

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