Decisão Nº 08086478420218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 25-09-2021

Data de Julgamento25 Setembro 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08086478420218200000
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gabinete da Desembargadora Judite Nunes na Câmara Cível

Agravo de Instrumento nº 0808647-84.2021.8.20.0000

Origem: 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal

Agravante: Estado do Rio Grande do Norte

Representante: Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Norte

Agravada: Associação Brasileira de Criminalística – ABC

Advogado: Rafael Alfredi de Matos (OAB/SP 296.620)

Relatora: Desembargadora Judite Nunes

D E C I S Ã O

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal, nos autos da Ação Civil Pública nº 0834980-08.2021.8.20.5001, que deferiu o pedido de tutela de urgência formulado pela Associação agravada, determinando a suspensão do “Concurso Público do Instituto Tecnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte (ITEP/RN) apenas em relação ao provimento de vagas no cargo de Perito Criminal - Área Geral, permitindo-se a continuidade do certame quanto aos cargos restantes”.

Aduz o ente público, inicialmente, que a decisão agravada – partindo de interpretação própria do artigo 25 da LCE nº 571/2016 (que dispõe sobre a Lei Orgânica e o Estatuto dos servidores públicos do ITEP/RN) – entendeu que o cargo de “perito criminal – área geral” deveria ser preenchido apenas por candidatos com formação de nível superior, e nas especialidades elencadas na citada norma.

Defende, no entanto, que pelo artigo 5º da Lei Federal nº 12.030/2009, “cada órgão deve definir, a seu critério, observadas as suas próprias demandas, as formações específicas necessárias ao funcionamento da sua perícia oficial”, e que, nesse sentido, o rol de especialidades trazido no citado artigo 25, da LCE nº 571/2016, deve ser tratado como de natureza meramente exemplificativa, “ficando a cargo do ITEP/RN analisar suas necessidades e peculiaridades, para, assim, definir quais especificidades são imprescindíveis ao funcionamento de sua perícia criminal, sem a obrigatoriedade de seguir a listagem do referido dispositivo”.

Acresce que o preenchimento das vagas destinadas ao cargo de ‘perito criminal – área geral’ “visa resolver uma das maiores demandas do ITEP, que é a de peritos criminais de local de crime, que atendem aos chamados diários, especialmente de local de morte violenta”, e que “o conhecimento primordial dos peritos criminais da área geral está relacionado à área criminalística, que serão adquiridos no transcorrer do curso de formação e não necessariamente estão abarcados nas áreas inseridas no caput do art. 25 multicitado”, enfatizando que o edital promoveu a devida distinção entre as áreas que necessitariam da delimitação de especialidades e aquelas que não precisariam. Por isso houve a previsão de perito criminal para a ‘área geral’ e perito criminal para ‘área específica’.

Alega, em seguida, que o artigo 26 da mesma LCE 571/2016 corrobora a tese defendida pelo Estado, uma vez que “a despeito de prever atribuições específicas para quem tem habilitações específicas (...) dispõe também de inúmeras outras atribuições gerais da criminalística”.

Além disso, argumenta que o artigo 20-A, inciso V, da LCE 571/2016, norma inserida no ordenamento jurídico pela Lei Complementar Estadual nº 669, de 05 de março de 2020, teria revogado tacitamente o artigo 25 acima mencionado, “em relação a esse ponto (nível superior lato sensu x bacharelado)”, de acordo com o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Dessa forma, defende a higidez do edital do certame e requer, já em sede de tutela recursal antecipatória, a suspensão dos efeitos da liminar concedida na origem, e, no mérito, o provimento do recurso com a reforma daquela decisão.

Juntou ao recurso os documentos elencados no ID. 10395780.

Em decisão proferida no ID. 10401513, entendi pela existência de prevenção do Desembargador Claudio Santos no que tange à relatoria deste feito, em virtude da distribuição anterior da Apelação Cível no Mandado de Segurança Coletivo nº 0827882-69.2021.8.20.5001, bem como do Pedido de Antecipação de Tutela Recursal nº 0807848-41.2021.8.20.0000, o que fiz com base no artigo 930, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

O processo retornou ao meu Gabinete, entretanto, por força de decisão da lavra do referido Desembargador (ID. 10452410), que compreendeu em sentido inverso, defendendo a ausência da causa de prevenção.

A própria Associação Brasileira de Criminalística (ABC) suscitou Conflito de Competência, em seguida, autuado sob o nº 0808860-90.2021.8.20.0000, no qual – em decisão saneadora inicial – fui designada como Relatora provisória do recurso instrumental, para o fim de exame das medidas de urgência.

Em petição protocolada no ID. 10678506, a Agravada defende a improcedência da pretensão recursal, por entender que o direito defendido desde a origem, referente à ilegalidade da previsão editalícia concernente aos cargos de “perito criminal – área geral”, é robusto e plausível, reforçando a tese de que “se não há necessidade de conhecimento especializado, não há necessidade do perito”.

É o relatório. DECIDO.

Conheço do Agravo, uma vez preenchidos seus requisitos extrínsecos de admissão, o que faço no exercício de competência provisória, a partir de designação realizada nos autos do Conflito de Competência nº 0808860-90.2021.8.20.0000, ainda não julgado em seu mérito pelo colegiado competente.

Argumenta o ente público agravante, em suma, que “para a área geral não seria necessária a restrição perseguida pela parte agravada, até mesmo porque a restrição à participação em concursos públicos deve ser a exceção (devidamente justificada), e não a regra. E para a área geral, como já dito, as formações em questão não representam qualquer diferencial, de modo que, também por essa ótica, incabível a restrição”, defendendo que a “Administração Pública deve evitar ao máximo restringir a participação de candidatos nos concursos públicos, evidente que nos contornos das normas e editais que regulamentam as carreiras e os respectivos certames”.

Como bem registrado pelo ente público estadual é evidente, de fato, que o intento de tornar amplo o acesso de candidatos aos certames públicos encontra necessário limite “nos contornos das normas e editais que regulamentam as carreiras e os respectivos certames”, o que exige do julgador, mais do que apenas a abordagem de conceitos jurídicos ou princípios de Direito, o exame e valoração percuciente das regras legais aplicáveis à situação dos autos.

Observando, nesse contexto, os termos da Lei Federal nº 12.030/2009, que dispõe sobre perícias oficiais de natureza criminal, parece-me inequívoca e regular a exigência de diploma de nível superior, com formação específica, para o provimento do cargo de perito oficial, o que está bem posto nos artigos 2º e 5º da citada legislação:

“Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais para as perícias oficiais de natureza criminal.

Art. 2º No exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal, é assegurado autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial.

Art. 3º Em razão do exercício das atividades de perícia oficial de natureza criminal, os peritos de natureza criminal estão sujeitos a regime especial de trabalho, observada a legislação específica de cada ente a que se encontrem vinculados.

Art. 4º (VETADO)

Art. 5º Observado o disposto na legislação específica de cada ente a que o perito se encontra vinculado, são peritos de natureza criminal os peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos odontolegistas com formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional. (...)”.

Ademais, a Lei Complementar Estadual nº 571/2016 (legislação que seria a “específica do respectivo ente”), com alterações trazidas pela LCE nº 669/2020, também preconiza a mesma necessidade, ao dispor em seu artigo 25 que “o provimento do cargo de Perito Criminal, privativo de portador de diploma de curso superior em Psicologia, Farmácia, Farmácia-Bioquímica, Física, Química, Ciências Biológicas, Engenharias, Fonoaudiologia, Geologia, Ciências Contábeis, Medicina Veterinária, Ciência da Computação, bem como outros cursos de bacharelado previstos no edital do concurso, conforme necessidade justificada para exercício em área fim do Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte (ITEP/RN), depende de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, pelos brasileiros que satisfizerem as demais condições estabelecidas em lei e pelos estrangeiros, na forma da lei” (grifos e destaques acrescidos).

Em que pese o respeito pela insurgência estatal, a citada redação me parece clara ao afirmar que o cargo de perito criminal é privativo de portador de diploma de curso superior naquelas áreas elencadas. Por outro lado, ainda que se compreenda o citado rol como exemplificativo, pelo fato de registrar a mesma norma, logo em seguida, que outros curso de bacharelado podem ser previstos no edital, a exigência de especialidade do curso superior segue presente, mesmo porque “outros curso de bacharelado” só podem figurar no edital de houver necessidade justificada para exercício em área fim do Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte (ITEP/RN)”, conforme também expressamente previsto na norma.

Isso me leva a concluir, pelo menos em exame inicial da controvérsia, que não tem suporte legal a intenção de preencher o cargo de perito criminal com candidatos portadores de qualquer diploma de nível superior, principalmente...

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