Decisão Nº 08104405820218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 23-09-2021
Data de Julgamento | 23 Setembro 2021 |
Classe processual | AGRAVO DE INSTRUMENTO |
Número do processo | 08104405820218200000 |
Órgão | Primeira Câmara Cível |
Tipo de documento | Decisão monocrática |
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Dilermando Mota na Câmara Cível - Juiz Convocado Dr. Ricardo Tinoco de Góes
0810440-58.2021.8.20.0000
AGRAVANTE: PAULO CESAR COSTA DA PENHA
REPRESENTANTE/NOTICIANTE: RENATA ROSALINA DA SILVA
Advogado(s): TATIANA DE LIMA CORREA
AGRAVADO: RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DA SAÚDE PUBLICA
Advogado(s):
Relator(a): Desembargador Expedito Ferreira de Souza (Relator em Substituição Legal)
DECISÃO
Vistos em exame.
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Paulo César Costa Da Penha, em face de decisão interlocutória exarada pelo Juízo da ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN, que nos autos da Ação Ordinária, proposta em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte, de nº0843753-42.2021.8.20.5001, indeferiu o pedido de antecipação da tutela.
Em suas razões de Id. nº 10620063, o Agravante, representado por sua familiar, alega que encontra-se internado no Hospital Universitário Onofre Lopes, devido ao quadro grave de COVID 19, que evoluiu com parada cardiorrespiratória e hemorragia subaracnóide no decorrer da doença.
Afirma que o laudo médico aponta anormalidades consistentes com encefalopatia difusa e assimétrica que corresponde a lesão estrutural de Sistema Nervoso Central, além disso, a ausência de reatividade do traçado ao estímulo doloroso configura fator de pior prognóstico, sob o aspecto de recuperação do nível de consciência após insulto encefálico.
Sustenta que, o paciente necessita de assistência domiciliar especializada na modalidade home care para os devidos cuidados e suporte necessário com equipe multidisciplinar.
Narra que a permanência prolongada em unidade hospitalar pode acarretar grandes riscos para o paciente, uma vez que internações prolongadas aumentam as chances de complicações e infecções, com risco de vida para o recorrente.
Argumenta que o tratamento em home care foi prescrito pelo próprio médico que acompanha o paciente no Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL.
Defende que as despesas que o Estado do Rio Grande do Norte possa vir a ter com o custeio do serviço de assistência médica domiciliar em favor do Agravante na rede privada seriam ainda bem inferiores àquelas com uma UTI semi-intensiva na rede pública.
Assevera que fazendo um comparativo com os custos apresentados nos orçamentos anexados aos autos, conclui-se que o Estado do Rio Grande do Norte terá uma economia significativa custeando as despesas com a assistência médica domiciliar do que assumindo todos custos com internação do Agravante em uma unidade de terapia intensiva da rede pública.
Por fim, pugna pelo conhecimento e concessão da tutela de urgência para determinar que o Estado do Rio Grande do Norte custeie o tratamento ora indicado.
No mérito, postula pelo conhecimento e provimento do recurso, para que a
decisão seja reformada, no sentido de deferir a tutela antecipada pretendida.
Junta documentos.
É o que importa relatar. Decido.
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame do pedido de atribuição de efeito suspensivo/ativo ao recurso, por considerar não ser caso de aplicação do art. 932, III e IV, do Código de Processo Civil.
A teor dos artigos 995, parágrafo único, e 1.019, I, do Código de Processo
Civil, o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Mister ressaltar, por oportuno, que em se tratando de agravo de instrumento, a sua análise limitar-se-á, apenas e tão somente, acerca dos requisitos aptos à concessão da medida, sem contudo, adentrar na questão de fundo da matéria.
Na situação em exame, pretende o agravante a reforma da decisão que indeferiu o pedido de tutela de urgência, afastando o dever do Estado do Rio Grande do Norte, ora agravado, de fornecer o tratamento, na modalidade home care.
Em uma análise perfunctória, própria desse momento processual, vislumbro a presença dos requisitos necessários para o provimento de urgência pretendido.
Isso porque, a Lei nº 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, assevera em seus artigos 2º e 4º:
Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
(Omissis)
Art. 4º - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
Na hipótese dos autos, o Agravante logrou provar a necessidade do tratamento em home care, em razão de ter sido diagnosticado com complicações decorrentes do quadro grave da COVID - 19, que evoluiu com parada cardiorrespiratória e hemorragia subaracnóide no decorrer da doença, além de anormalidades consistentes com encefalopatia difusa e assimétrica que corresponde a lesão estrutural de Sistema Nervoso Central, ausência de reatividade do traçado ao estímulo doloroso configura fator de pior prognóstico, sob o aspecto de recuperação do nível de consciência após insulto encefálico, conforme disposto no laudo emitido pelo médico Dr. Yago Augusto Furtado Ovídio – CRM 11014, vinculado ao Hospital Universitário Onofre Lopes ( fl 70 – Id.nº11092780).
Vale lembrar que o art. 196 da Constituição Federal preconiza a saúde, decorrência do direito à vida, como um direito de todos e dever do Estado. Senão vejamos:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Nesse sentido, é a jurisprudência adotada por esta corte de Justiça:
"EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ CONSTITUÍDA POR AUSÊNCIA DE ATO COATOR SUSCITADA PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. REJEIÇÃO. MÉRITO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ESTADUAL. DIREITO FUNDAMENTAL. NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ESSENCIAL À SAÚDE DE PACIENTE CARENTE. OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO. PREPONDERÂNCIA DO DIREITO À SAÚDE SOBRE O DA LEGALIDADE ORÇAMENTÁRIA.
1. É constitucionalmente assegurado a todos os brasileiros o direito à saúde, cabendo ao Poder Público, em quaisquer de suas esferas de governo, prover os meios para garantir a sua efetividade. Trata-se de direito fundamental, emanado de normas constitucionais auto-aplicáveis, que, como tais, independem de regulamentação, sendo passíveis, pois, de aplicação imediata. (Arts. 6º e 196 da CF e arts. 8º, 125, caput, e 126, da CE).
2. É dever e responsabilidade do Estado, por imposição constitucional, o fornecimento de medicamentos, tratamentos médicos, exames, ou quaisquer outros meios terapêuticos para restabelecer a saúde, sobretudo salvar ou prolongar a vida, de qualquer brasileiro que necessite de tais recursos, e não detenha condições financeiras para custeá-los.
3. Não cabe ao Estado se utilizar de critérios de conveniência e oportunidade, atinentes ao mérito administrativo, para exonerar-se de tal mister, sobretudo quando está legalmente obrigado a incluir, nas suas diretrizes orçamentárias, previsões que alcancem situações como a ora sob exame.
4. Sem embargo de que, sendo o caso de conflito de princípios constitucionais, verifica-se que os de natureza orçamentária e financeira não podem se sobrepor sobre aos que dizem respeito ao direito à saúde e à vida.
5. Concessão da segurança."
(Mandado de Segurança Com Liminar n° 2011.011537-4 - Relator: Desembargador Rafael Godeiro - Julgamento: 11/01/2012 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno) (grifos acrescidos)
"EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRANTE PORTADOR DE PATOLOGIA GRAVE. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE QUIMIOEMBULIZAÇÃO E ABLAÇÃO POR RÁDIO FREQUÊNCIA, INTERNAÇÃO E USO DE MEDICAMENTO. DEVER DO ESTADO DE PRESTAR ASSISTÊNCIA, SOB PENA DE AFRONTA A DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE. PRIMAZIA DO DIREITO À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. INAPLICÁVEL EM MATÉRIA DE PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. AUSÊNCIA DE PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA. IRRELEVÂNCIA. OBRIGAÇÃO ESTATAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM.
- A Constituição Federal e a Estadual erigem a saúde como um direito de todos e dever do Estado, nos seus arts.196 e 125, respectivamente, competindo ao Poder Público assegurar a todas as pessoas desprovidas de recursos financeiros, o acesso a procedimento cirúrgico e medicamentos imprescindíveis a cura de suas enfermidades, provendo todos meios para garantir a sua efetividade, sob pena de violação a direitos e garantias constitucionais, em razão da primazia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana que se sobrepõem a qualquer outro direito, o que evidencia a liquidez e certeza do direito a ser tutelado pela via eleita."
(Mandado de Segurança nº 2010.014691-2 - Relator: Desembargador Amílcar Maia - Julgamento: 07/12/2011 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno) (grifos acrescidos)
Dessa forma, numa análise perfunctória, entendo que restou devidamente comprovado que o Agravante necessita do tratamento pretendido, indispensável a minimizar seu sofrimento e que não pode fazê-lo por falta de condições financeiras, cabendo ao Estado propiciar o seu direito à saúde. Ademais, em meio a grave crise sanitária da Covid – 19, a migração do paciente para tratamento domiciliar, permitirá a liberação do leito da...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO