Decisão Nº 08120341020218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 28-10-2021

Data de Julgamento28 Outubro 2021
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08120341020218200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoDecisão monocrática

Habeas Corpus Com Liminar n° 0812034-10.2021.8.20.0000

Impetrante: Marcos José Marinho Júnior

Paciente: Wilson Pereira de Alencar

Aut. Coatora: MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Comarca de Pau dos Ferros/RN

Relator: Desembargador Glauber Rêgo


DECISÃO


Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado pelo advogado Marcos José Marinho Júnior em favor de Wilson Pereira de Alencar, apontando como autoridade coatora o MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Comarca de Pau dos Ferros/RN.

Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 31 (vinte e um) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado.

Sustentou o impetrante a ilegalidade da execução antecipada da condenação face a violação ao princípio constitucional da presunção da inocência. Além disso, aduziu que a execução provisória no Tribunal do Júri viola a presunção de inocência, mencionando o julgamento em conjunto das ADCs 43, 44 e 45 pelo STF e relatando que o órgão julgou procedente a constitucionalidade do art. 283 do CPP.

A defesa esclareceu que tramita outra ação penal contra o paciente perante o Juízo de Marcelino Vieira/RN, de número 0000104-85.2001.8.20.0143, onde foi instaurado o Insanidade Mental nº. 0000491-61.2005.8.20.0143, que ainda não foi concluído. Nesse procedimento foi encaminhado ofício ao Diretor do Setor de Psiquiatria Forense do ITEP/Natal-RN para submeter o paciente a nova avaliação, que deverá entrar em conflito com a conclusão apresentada na Ação Penal n°. 0003391-25.2005.8.20.0108, porque não precisa ser um especialista para constatar que o paciente tem graves transtornos mentais, melhor dizendo é doido”.

Junta ao processo os documentos de ID. 11789264-11790708.

É o relatório.

Quanto à concessão de medida liminar, é cediço que, em sede de habeas corpus, somente se mostra cabível nos casos em que a ilegalidade do ato atacado esteja provada de imediato.

No caso em exame, entendo haver constrangimento ilegal apto a autorizar a concessão da liminar pleiteada. Assim compreendo em razão de o ato apontado como coator apresentar fundamentação inidônea, haja vista que o paciente respondeu ao processo em liberdade e somente em razão da quantidade de pena (prisão automática) fixada na sentença, nos termos do art. 492, I, e, do CPP, teve determinado a execução antecipada da pena.

A propósito, naquilo que interessa, vejamos o que disse o magistrado para justificar a prisão do paciente, in verbis (Id. 11789392):


A respeito da matéria, diz o art. 492, I, “e” do CPP, na redação dada pela Lei n. 13.964/2019, que, no caso de condenação, sendo aplicada pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, o juiz determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.

Com a nova redação, o legislador acabou por incluiu mais uma forma de segregação cautelar no rito do júri antes do trânsito em julgado, além da já amplamente conhecida onde se verifica se estão presentes os requisitos da prisão preventiva (arts. 312 e 313, ambos do CPP. Pela nova dicção do legal, não há uma faculdade do julgador na aplicação da segregação, quando se está diante do quantum de pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, porquanto o réu fora condenado pelo Conselho dos Sete, devendo-se assegurar a soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c, da Lei Maior).

A mudança legislativa tem provocado muito debate na doutrina. Parcela considerável sustenta a inconstitucionalidade sob a alegação de que fere o princípio constitucional da presunção de inocência. Nesse sentido, exemplificativamente, sãos os escólios dos seguintes doutrinadores: a) Aury Lopes Júnior e Alexandre Morais da Rosa (LOPES JÚNIOR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Prisão obrigatória no Júri é mais uma vez inconstitucional. São Paulo: Consultor Jurídico, 31 jan. 2020. Disponível em:. Acesso em: 02.05.2021.); b) Douglas Fischer e Eugênio Pacelli (FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2021, E-book, item 492.2.1- não paginado); c) Guilherme Madeira Dezem (DEZEM, Guilherme Madeira; SOUZA, Luciano Anderson de. Comentários ao Pacote Anticrime: Lei 13.964/2019. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 142); d) Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 02 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, E-book, item 14.10 - não paginado); e) Paulo Henrique Fuller (FULLER, Paulo Henrique Aranda. Capítulo 3. Alterações ao Código de Processo Penal. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; VANZOLINI, Patrícia; FULLER, Paulo Henrique Aranda; PARDAL, Rodrigo. Lei anticrime comentada – artigo por artigo. Gustavo Junqueira [et al.]. 02 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, E-book não paginado); f) Renato Brasileiro de Lima (LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote Anticrime: comentários à Lei nº 13.964/2019 - Artigo por Artigo. 01 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 337-338).

A divergência também piara na jurisprudência dos tribunais, havendo decisões em ambos os sentidos. Pela autorização da execução provisória cito os seguintes precedentes do STF e STJ:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E HOMICÍDIO TENTADO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. RECOMENDAÇÃO 62/2020 DO CNJ. TRIBUNAL DO JÚRI. EXECUÇÃO DA PENA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIAS. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (...) 3. Em se tratando de paciente condenado pelo Tribunal do Júri, nada impede a execução da pena, na linha dos reiterados pronunciamentos da Primeira Turma do STF. Veja-se, nessa linha, o HC 118.770, para o qual fui designado redator para o acórdão. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – Primeira Turma - HC 183.263 AgR/CE – Rel. Min. Roberto Barroso – j. em 16.06.2020 – DJe 177 de 15.07.2020).

HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROLATADA EM PLENÁRIO. NEGATIVA DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. LEI 13.964/2019. PRISÃO PREVENTIVA. REQUERIMENTO REALIZADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MODUS OPERANDI. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. [...] 5. O Ministério Público, nos debates orais em plenário, pediu a prisão do acusado, em face da condenação pelo Júri superior a 15 anos de reclusão, a ensejar a execução provisória da pena, nos termos do art. 492, I, "e", do CPP, e em razão do modus operandi consistente no assassinato de esposa e filha com menos de um ano de idade, enquanto dormiam, a evidenciar conduta violenta e periculosidade real, para fins de garantir a ordem pública, nos termos do art. 312 do CPP. 6. Ordem denegada. (HC 647.408/CE, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 08/06/2021).

Em sentido contrário é possível identificar os seguintes precedentes do STJ: HC 623.107/PA; HC 560.640/ES; AgRg no HC 541.496/SC; HC 649.103; HC 558.894/SP; AgRg no HC 565.921/PE;

Diante da divergência jurisprudencial, a análise da constitucionalidade do art. 492, I, “e” do CPP está sendo debatida pelo STF que, ao iniciar o julgamento do RE 1.235.340/SC, em repercussão geral, o Ministro Roberto Barroso apresentou a seguinte tese de julgamento (tema 1.068 da repercussão geral): "A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada", no que foi acompanhado pelo Ministro Dias Toffoli. O Ministro Gilmar Mendes divergiu e o Ministro Ricardo Lewandowski pediu vistas, razão pela qual o julgamento ainda não foi concluído. Dessa forma, não há como concluir qual será o entendimento do STF. No entanto, tendo em vista que não foi declarada a inconstitucionalidade do art. 492, I, “e” do CPP, não havendo elementos, na concepção deste juízo, para afastar a incidência da lei no presente caso.

No caso posto, o réu foi condenado à pena definitiva de 31 (vinte e um) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Sendo assim, DETERMINO a execução provisória da sentença penal proferida pelo Egrégio Conselho de Sentença. Em consequência, DETERMINO a expedição do mandado de prisão, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos. Uma vez informada a captura do réu, expeça-se guia de execução provisória acompanhada das demais peças indispensáveis para formação do processo de execução, na forma da LEP e da Resolução do CNJ n. 113/2010.


É consabido que o Supremo Tribunal Federal, julgando definitivamente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, decidiu pela constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, firmando nova orientação, erga omnes e com efeito vinculante, no sentido de que a execução da pena privativa de liberdade só poderá ser iniciada após o trânsito em julgado da condenação.

É bem verdade que houve alteração legal, após o julgamento da Suprema Corte, no art. 492, inc. I, alínea "e", do CPP, em que é determinado que o Juiz Presidente do Tribunal de Júri proferirá sentença que, em caso de condenação, "mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos".

Contudo, o Tribunal Pleno do e. STF, no julgamento do RE 1.235.340/SC em que é questionada a constitucionalidade da regra prevista no art. 492, inc. I, alínea "e", do CPP, reconheceu a existência de...

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