Decisão Nº 08131106920218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 01-12-2021

Data de Julgamento01 Dezembro 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08131106920218200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Vivaldo Pinheiro na Câmara Cível - Juíza Convocada Dra. Maria Neize de Andrade

Agravo de Instrumento nº 0813110-69.2021.8.20.0000

Origem: Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Parnamirim/RN.

Agravantes: L. B. C. L. e outros.

Advogado: Daniel Wallace Pontes Juca.

Agravada: Município de Parnamirim.

Relatora: Drª. Maria Neíze de Andrade Fernandes (Juíza Convocada).




DECISÃO



Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por L. B. C. L. e outros contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Parnamirim/RN, que indeferiu pedido de tutela antecipada, para que fosse determinado ao Município Agravado que restabelecesse o serviço de transporte sanitário em favor das Agravantes, nos mesmos moldes que vinha sendo prestado, sob pena de incidência de multa pecuniária de R$5.000,00 (cinco mil reais) por dia de descumprimento injustificado, devendo a multa ser estendida ao Secretário Municipal de Saúde e ao Prefeito, no quantum de R$1.000,00 (um mil reais).

Decisão recorrida acostada às fls. 138-140.

Irresignados, as Agravantes interpuseram o presente recurso, argumentando sinteticamente que: I) são portadores de grave enfermidade cerebral e motora, de forma que precisam de auxílio a cada segundo do dia, incluindo sentar, deitar, dormir e comer; II) para sobreviver e terem o mínimo de dignidade de vida, as crianças se submetem a tratamento constante e por prazo indeterminado de Terapia Intensivo Fisioterápico – Método Pediasuit – e Terapia Ocupacional, que não são ofertadas pelo sistema de saúde do Agravado; III) embora as crianças seja usuárias do SUS (cartões em anexo) esse tratamento é feito em clínica particular em Natal/RN, custeado através de plano de saúde, vez que o SUS não oferece tal tratamento; III) o transporte anteriormente fornecido pelo Agravado consistia no envio de veículo para a casa de cada uma das crianças para condução aos seus centros de tratamento e subsequente retorno para suas residências; IV) o fornecimento de transporte é amparado pela garantia do direito a saúde.

Ao final, pugnaram, então, pela reforma da decisão hostilizada, para atribuir o efeito ativo ao recurso. No mérito clamou pelo provimento do recurso entabulado.

Acostou aos autos os documentos de fls. 28-140.

É o relatório.

Passo a decidir.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso instrumental interposto.

De acordo com o art. 1.019, inciso I, do Código de Ritos, o Relator poderá deferir, em antecipação da tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, desde que, existindo prova inequívoca, convença-se da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Do exame dos autos, extrai-se que as Agravantes pretendem a atribuição do efeito ativo, com o fim específico de lhes seja fornecido pelo Município Agravado transporte para outro município, visando a realização dos tratamentos que necessitam, uma vez que o estes não são fornecidos pelo Município Agravado.

Pois bem! A saúde é um direito fundamental consagrado constitucionalmente, competindo a administração, o dever de promover com absoluta prioridade, às crianças e aos adolescentes programas de assistência integral (art. 227, caput e § 1º, da Constituição Federal).

Nessa mesma linha, incumbiria ao poder público, o fornecimento gratuito, àqueles que necessitarem, medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado (art. 11, § 2º, do ECA).

Essa garantia prioritária compreenderia a precedência de atendimento nos serviços públicos; preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; e destinação privilegiada de recursos públicos (art. 4º, caput, par. único, b, c e d, do ECA).

Por sua vez, a Lei nº 8.080/90, reconhece a saúde como direito fundamental do ser humano (art. 2º, caput), prevendo no § 1º - “o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

Com efeito, no caso relatado nos autos, conforme os relatórios médicos acostados e fotografias das Agravantes, vê-se que estas foram diagnosticada com hidrocefalia e paralisia cerebral, e apresentam problemas que comprometem sua coordenação motora grossa e fina, sendo-lhe receitado acompanhamento de fisioterapia para reabilitação, necessitando serem transportados para outro município, uma vez que não há por parte do Agravado fornecimento dos tratamentos recomendados pelos médicos.

Assim, tendo em vista eventual necessidade de encaminhamento das crianças a outro município, a obrigação de transporte é instrumento necessário para garantia do direito à saúde. O não fornecimento do serviço, obstaria o exercício do aludido direito fundamental, afrontando o princípio da dignidade humana, preconizado no art. 1º, III, da Constituição Federal.

Outrossim, não há que se falar de interferência na atividade administrativa, ainda que, embora seja prerrogativa dos Poderes Legislativo e Executivo, formular e executar políticas públicas de atendimento ao cidadão, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, que sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes.

Dito isso, outro não pode ser o desate, sendo inegável o dever do Poder Público, no caso o Município Agravado, em fornecer o transporte às crianças ora denominadas Agravantes, caso o tratamento seja ofertado em outro município.

Nesse contexto, resulta evidente a necessidade de conceder a medida liminar pleiteada.

No tocante ao pedido de extensão da multa por descumprimento ao Secretário de Saúde e ao Prefeito do Município de Parnamirim, entendo não se cabível nesse momento, uma vez que estes sequer integram a lide em 1º grau.

Diante do exposto, DEFIRO o efeito ativo pleiteado, para determinar que o Agravado restabeleça o serviço de transporte sanitário em favor das Agravantes, nos mesmos moldes que vinha sendo prestado, sob pena de incidência de multa pecuniária de R$5.000,00 (cinco mil reais) por dia de descumprimento injustificado.

Dê-se ciência ao Juízo a quo desta decisão, solicitando as informações de estilo.

Intime-se o Agravado para querendo apresentar resposta ao presente recurso no prazo legal.

Ultimadas as providências acima, remetam-se os autos à douta Procuradoria de Justiça para o parecer de estilo.

Cumpridas as diligências, voltem-me conclusos.

P. I. C.

Natal - RN, 30 de novembro de 2021.



Drª. Maria Neíze de Andrade Fernandes (Juíza Convocada)

Relatora



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