Decisão Nº 08131331520218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 03-12-2021

Data de Julgamento03 Dezembro 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08131331520218200000
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Dilermando Mota na Câmara Cível - Juiz Convocado Dr. Ricardo Tinoco de Goes

0813133-15.2021.8.20.0000
AGRAVANTE: UNIMED NATAL

Advogado(s): RODRIGO MENEZES DA COSTA CAMARA
AGRAVADO: L. A. M. D. O.

Advogado(s):
Relator(a):
Juiz Convocado Dr. Ricardo Tinoco de Goes



DECISÃO

Trata-se de Agravo de Instrumento oposto pela UNIMED NATAL, com pedido de efeito suspensivo, contra decisão exarada pelo Juízo de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenizatória, autuada sob nº 0857383-68.2021.8.20.5001, ajuizada por L.A.M.D.O., representado por sua genitora Liliane de Azevedo Marinho, em desfavor da ora apelante, deferiu o pedido autoral de tutela urgência, nos seguintes termos:

Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determinar que o plano de saúde réu, Unimed Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. custeie, mediante reembolso, no prazo de 30 dias a contar da entrega pela parte autora de cada recibo, a realização do tratamento multidisciplinar, com os profissionais e local indicados pela parte autora, quais sejam:

1. Psicóloga Daniella Antunes Pousa F. Coelho, CRP nº 17/0998;

2. Fonoaudióloga Keyvillane Melo da Cunha, CRFa 8 – 12294;

3. Psicopedagoga Shirlene Silva dos Santos, CPF nº 080.131.354-62;

4. Psicomotricista Daiana Siberi, CBO 2239-15;

5. Terapeuta ocupacional Sônia Bezerra de Andrade Costa CREFITO 12980-TO; e

6. Natação terapêutica na clínica Sentir & Ser Espaço Terapêutico (CNPJ nº 35.569.053/0001-02).

Os valores serão pagos em conformidade com a tabela da Unimed Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico Ltda., em favor da parte autora, em estrita observância à prescrição médica anexada ao processo no ID nº 76172589, nos seguintes termos: terapia fonoaudiológica com ênfase em linguagem e estimulação por neurofeedback, 2 vezes por semana cada; terapia ocupacional com integração sensorial, 3 vezes por semana, 40 minutos por sessão; psicopedagogia e psicomotricista, 2 vezes por semana cada; natação terapêutica, 2 vezes por semana; psicologia clínica comportamental, 2 vezes por semana, sessões de 40 minutos.

Em caso de descumprimento da ordem, a ré ficará sujeita ao pagamento de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada em seu valor à quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a ser revertida em favor da parte autora. Persistindo o descumprimento, deverá ser bloqueada a quantia necessária ao cumprimento da obrigação por terceiro, caso em que será suspensa a multa diária.

Caberá à Unimed Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. trazer aos autos, no prazo de 30 dias, os valores de sua tabela, com assinatura do responsável, em conformidade com a verdade e a boa-fé. A parte autora deverá efetuar o pagamento aos profissionais de sua escolha, indicados na presente decisão, e terá o direito ao reembolso nos valores de acordo com a tabela de prestadora de assistência à saúde ré.

Considerando a presunção relativa de veracidade da declaração de insuficiência financeira formulada pela pessoa natural (art. 99, § 3º, CPC/15), e tendo em vista que tal afirmação não é incompatível com os fatos narrados e provas produzidas nos autos, concedo à parte autora o benefício da gratuidade judiciária.



Em suas razões (ID 12210417), a agravante sustenta que possui rede credenciada, com profissionais capacitados e com as qualificações exigidas, nada obstante inexista obrigatoriedade de sua parte em fornecer os serviços da forma solicitada.

Salienta que “a própria parte autora consignou na inicial que a Unimed Natal possui rede prestadora, todavia, por uma predileção sua, requereu que o tratamento fosse mantido com os profissionais que já o acompanham” e que “a prescrição médica (ID 76172589) tão somente sugere que seja mantida a mesma equipe terapêutica, mas não condicionou a eficácia e pleno desenvolvimento da criança a essa sugestão”.

Argumenta que a saúde do beneficiário não está desamparada, mas que deve ser amparada com base no contrato pactuado, que prevê que a prestação do serviço deve ser realizada pelos prestadores indicados e que a pretensão de reembolso onera não só a cooperativa, mas toda a sua gama de beneficiários.

Acresce que a necessidade médica não lhe repassa o ônus da pagar por toda e qualquer cobertura.

Defende que não tem o dever de fornecer os tratamentos requeridos pelo agravado, por não estarem previstos no rol de procedimentos obrigatório da ANS.

Discorre que não se ingere na autonomia do profissional de saúde na escolha pela via de tratamento, mas, por outro lado, não é justo e nem juridicamente ou economicamente seguro que lhe seja repassado ônus aleatório e altamente oneroso pelo dispêndio financeiro com qualquer que seja a opção terapêutica eleita entre paciente e profissional.

Por conseguinte, postula pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso e no mérito seu provimento para que seja reformada a decisão interlocutória atacada.

Para subsidiar suas razões recursais, colaciona precedentes.

É o relatório. Decido.

A teor do disposto nos artigos 995, parágrafo único, e 1.019, I, do Código de Processo Civil, o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Mister ressaltar, por oportuno, que em se tratando de Agravo de Instrumento, a sua análise limitar-se-á, apenas e tão somente, aos requisitos aptos a concessão da medida, sem contudo, adentrar à questão de fundo da matéria.

Compulsados os autos, vê-se que a prefacial foi instruída com laudo médico atestando que o menor L.A.M.O. apresenta quadro de transtorno do espectro do autismo, necessitando de terapia multidisciplinar pelo método ABA (Análise do comportamento Aplicada), terapia fonoaudiológica, terapia ocupacional, psicopedagogia, psicomotricista, natação terapêutica e psicologia clínica comportamental (ID 12210557 – Pág. 86).

Da análise dos documentos colacionados pela parte autora, verifica-se, de forma verossímil, não somente a existência de relação contratual entre as partes, como a negativa de cobertura e reembolso perpetrada pela recorrente e a necessidade da realização dos tratamentos requeridos pelo agravado.

Destaca-se que reunidas todas as exigências para a contratação, cabe à prestadora do serviço, no caso o plano de saúde réu, sabendo que o contratante possui condição de autismo, a cobertura necessária para atendimento multiprofissional, a teor do art. 3º, da Lei 12.764/2012, com profissionais capacitados e especializados, e com o tratamento adequado.

Outrossim, no que tange à alegação de que o Plano de Saúde somente estaria obrigado a fornecer os procedimentos previstos no rol da Agência Nacional da Saúde (ANS), o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que "o fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa, per se, que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois, tratando-se de rol exemplificativo, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja doença é prevista no contrato firmado implicaria a adoção de interpretação menos favorável ao consumidor" (STJ, AgRg no AREsp 708.082/DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira turma, julgado em 16/02/2016, DJe 26/02/2016). Do contrário, estar-se-ia a impedir o consumidor de ter acesso às evoluções da ciência médica.

Note-se, portanto, que não cabe à operadora do plano de saúde negar tratamento de doença que tem cobertura prevista, uma vez que, do contrário, estaria assumindo um poder de disposição que não é seu. Acrescente-se que interpretação diversa acabaria por atribuir às seguradoras e planos de saúde o poder de questionar os métodos a serem empregados pelo médico para o tratamento da doença, cuja cobertura está abrangida pelo contrato.

É entendimento pacífico na jurisprudência pátria que "somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente; a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor". (STJ, REsp nº 1053810/SP 2008/0094908-6, Rela. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, julgado em 17/12/2009).

Não se duvida que as empresas que oferecem planos privados de assistência à saúde podem estabelecer quais patologias não são cobertas pelo seguro e inserir tal previsão no instrumento contratual. No entanto, não lhes cabe eleger os tipos de exames ou de tratamentos que lhes sejam mais convenientes.

Nesse sentido, não havendo motivo que ampare a recusa da operadora agravante, ao menos no tange à terapia ABA, fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional, há de se reputar abusiva a conduta desta neste particular, por ferir a finalidade básica do contrato, colocando o usuário em posição de desvantagem, posto que impossibilitado de usufruir aquilo que foi contratado.

Relativamente aos citados procedimentos para tratamento do transtorno do espectro do autismo, já decidiu essa Corte de Justiça em casos análogos:

DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO DE QUADRO DE AUTISMO QUE NÃO DEVE ENFRENTAR LIMITAÇÃO CONTRATUAL. PACIENTE QUE PLEITEIA O TRATAMENTO NOS MOLDES PRESCRITOS. EVIDENCIADA ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA QUE REPRESENTA LIMITAÇÃO AO ATENDIMENTO EM QUESTÃO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À MEDIDA DE URGÊNCIA PLEITEADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. MANUTENÇÃO DA...

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