Decisão Nº 08239729320198205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 18-05-2020

Data de Julgamento18 Maio 2020
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08239729320198205004
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO do estado DO rio grande do norte

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

3ª TURMA RECURSAL

RECURSO CÍVEL N° 0823972-93.2019.8.20.5004

ORIGEM: 2º JUZIADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE: HOSANA FRANCISCA DA SILVA

ADVOGADO(A): LUANA PAULA MATUES PINTO GOMES

RECORRENTE: GEIZA MATEUS PINTO FERREIRA DE MOURA

ADVOGADO(A): LUANA PAULA MATUES PINTO GOMES

RECORRIDO(A): TAM LINHAS AEREAS S/A

ADVOGADO(A): FÁBIO RIVELLI

RELATOR: JUIZ FRANCISCO GABRIEL MAIA NETO

EMENTA: DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA. NÃO UTILIZAÇÃO DE BILHETE AÉREO. TENTATIVA DE REMARCAÇÃO PELO CONSUMIDOR. NO SHOW. DEVOLUÇÃO DO VALOR RELATIVO À PASSAGEM QUE SE IMPÕE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL REFORMADA PONTUALMENTE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, reformando pontualmente a sentença nos termos do voto do relator. Sem condenação em honorários advocatícios ante o provimento parcial do recurso.

Natal, 30 de abril de 2020.

FRANCISCO GABRIEL MAIA NETO

Juiz Relator

RELATÓRIO: Oral em sessão (artigo 46 da Lei nº 9.099/95).

VOTO

Defiro o pedido de justiça gratuita.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de recurso inominado interposto pelas Autoras, em peça única, contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos contidos na petição inicial, notadamente para condenar a Companhia Aérea Ré ao pagamento, a título de danos materiais, no montante de R$ 1.362,00 (mil trezentos e sessenta e dois reais), valor referente as passagens aéreas e taxas de embarque, à Sra. Hosana Francisca da Silva.

Convém esclarecer que a Sra. Geíza, em 11 de julho de 2019, adquiriu bilhetes de ida e volta (trechos Natal/RN – São Paulo/SP e São Paulo/SP – Natal/RN) com suas milhas aéreas, através do programa multiplus, em nome da Sra. Hosana, que viajaria para realização de um curso profissionalizante.

Neste compasso, a Sra. Hosana Francisca teve problemas na hora do embarque e, por esta razão, não pôde ingressar na aeronave com destino a São Paulo/ SP, momento em que procurou o guichê da Parte Recorrida para tentar a remarcação das passagens. Ato contínuo, foi informada que a alteração não poderia ser feita por não ser a titular dos pontos de milhas inseridas no sistema multiplos, mesmo os bilhetes estando em seu nome.

No dia seguinte, a Sra. Hosana entrou em contato com a Sra. Geíza Mateus, que buscou informações junto ao Réu, de forma que ambas se dirigiram a loja física da empresa Recorrida para tentar a remarcação da passagem, com o fito da Sra. Hosana Francisca não perder o curso que estava matriculada e ocorreria na cidade de São Paulo/ SP.

Lá foram informadas que, para além de não haver possibilidade de remarcar a passagem de ida, também não seria possível utilizar o trecho de volta, eis que este último fora cancelado em decorrência do não embarque no vôo de ida.

Inconformada, a Sra. Geíza Mateus se dirigiu ao PROCON/RN, onde foi instruída a procurar a companhia aérea Ré e fazer a solicitação de alguns documentos, quando então conseguiu a cópia do contrato e foi informada do número para registro de reclamação junto ao SAC da empresa.

Pois bem.

De início, cumpre anotar que a partir do momento em que o titular das milhas adquire passagem para terceiro, existe indubitável caracterização de relação consumerista entre o agora titular da passagem e a companhia aérea. Outrossim, o bilhete expedido em nome de terceiro permite que este exerça os direitos e garantias previstas em lei, tendo em vista que se utiliza do serviço como destinatário final, enquadrando-se, portanto, no conceito de consumidor insculpido no artigo 2º do CDC.

Acrescente-se ainda que descabe o chamamento do cedente das milhas a qualquer título. Entretanto, seria o cedente parte legítima em eventual ação onde a discussão fosse o impedimento da aquisição da passagem, não sendo o caso dos autos, motivo pelo qual rejeito a preliminar de legitimidade ativa levantada pela Sra. Geíza Mateus.

No mérito, convém ressaltar que o imbróglio em questão se resume na aquisição de duas passagens aéreas através do sistema multiplus pela Sra. Geiza, para a Sra. Hosana, sendo emitidos os bilhetes em nome desta última. Entretanto, em decorrência de problemas na hora do embarque, a Parte Autora (Sra. Hosana) perdeu o vôo de ida para São Paulo/SP, onde realizaria um curso, sendo informada por funcionários da Empresa Ré que não seria possível a remarcação da passagem de ida porque ambos os trechos (ida e volta) estariam cancelados em razão do não embarque no vôo de ida.

Sobre o assunto, entendo que restou identificada a prática abusiva denominada de no show, caracterizada pelo cancelamento unilateral de um dos trechos da passagem adquirida pelo consumidor quando do não comparecimento no vôo de ida.

Tal prática tem por finalidade primordial possibilitar que a companhia aérea possa fazer a recomercialização do assento anteriormente comprado, para suprir interesses eminetemente comerciais da empresa, eis que haverá maior lucro a partir da dupla venda do mesmo assento.

Muito embora haja justificativa econômica e empresarial, a conduta da Empresa Ré viola direitos básicos do consumidor, notadamente o direito a informação sobre os produtos e serviços prestados (art. 4º, CDC), bem como a vedação ao enriquecimetno ilícito do prestador de serviços, sobretudo por se tratar de cláusula restritiva em contrato de adesão.

Ora, não há margem para dúvidas que quando o consumidor compra passagens de ida e volta, a bem da verdade, há aquisição de 2 (dois) bilhetes distintos. Tanto é assim que o valor pago por um bilhete é, por óbvio, menor do que o contrato de transporte envolvendo trajetos de ida e volta, demonstrando, por tanto, que a majoração do valor se deve justamente a autonomia dos trechos contratados.

Desta forma, entendo que o cancelamento da passagem aérea de volta configura cristalino inadimplemento desmotivado por parte da companhia aérea, que frustrou a utilização de um serviço pelo qual o consumidor efetivamente realizou o pagamento, motivo pelo qual entendo como nula a respectiva cláusula contratual, com fundamento no artigo 51, XV, do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

Não é outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), senão vejamos:

É abusiva a prática comercial consistente no cancelamento unilateral e automático de um dos trechos da passagem aérea, sob a justificativa de não ter o passageiro se apresentado para embarque no voo antecedente.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.595.731-RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/11/2017 (Info 618).

No caso dos autos, em consonância com a sentença vergastada, levando em consideração que a Autora não juntou ao presente caderno processual eletrônico qualquer motivo que justificasse eventual remarcação das passagens, e em tempo hábil, entendo que não há que se falar em reparação civil em virtude da perda do curso ministrado em São Paulo/ SP, visto que o dano causado pela companhia aérea se limita ao cancelamento indevido das passagens aéreas, sendo culpa exclusiva da autora a perda do vôo de ida.

Desta forma, entendo não ser razoável condenar a empresa por tentativas intempestivas de remarcação de passagens e as consequências daí decorrentes.

Entretanto, ao meu sentir, muito embora inexista razão a Autora quanto ao pleito indenizatório extrapatrimonial em decorrência da perda do curso ministrado em São Paulo/ SP, há nítida caracterização de dano moral decorrente do no show (ato ilícito e abusivo) praticado pela empresa demandada a partir do momento em que não fora possibilitado a Recorrente a remarcação das passagens de volta, limitando financeiramente, portanto, as probabilidades de ida ao seu destino final, já que ao invés de comprar apenas 1 (um) bilhete (ida), eis que este vôo foi perdido por sua culpa exclusiva, precisaria comprar 2 (dois) bilhetes (ida e volta), tendo em vista que o vôo de volta foi cancelado ilicitamente pelo não embarque no vôo de ida.

Quanto aos danos morais, constato que o valor da indenização deve alcançar um montante que não onere em demasia a parte ré, mas que, por outro lado, atenda à finalidade para a qual foi concedida, considerando sempre a extensão do dano evidenciado nos autos, motivo pelo qual o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), considerando as peculiaridades do caso concreto.

Pelo exposto, voto por conhecer e dar provimento parcial ao recurso, reformando pontualmente a sentença atacada apenas para condenar o Réu ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de indenização por danos morais, mantendo o decisum vergastado nos demais termos, notadamente quanto aos danos materiais, por seus próprios fundamentos. Correção monetária a partir da publicação deste acórdão, consoante súmula 362 do STJ. Sem custas e honorários advocatícios ante o provimento parcial do recurso.

É como voto.

Natal, 30 de abril de 2020.

FRANCISCO GABRIEL MAIA NETO

Juiz Relator

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