Processo decisório, objetivos das organizações e interesses do Staff: elementos teóricos de um enfoque incremental

AutorRabah Benakouche
CargoDocteur d?État em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris
Páginas147-170

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Rabah Benakouche 1

1 Introdução

Em matéria de análise das organizações – no decorrer do texto serão utilizados como sinômimos as categorias de organização e empresa – foram produzidas, essencialmente, duas grandes teorias. A primeira abordagem é a qualificada como clássica, pois foi formulada por autores como Taylor e Fayol, fundadores desse gênero de estudo. Essa teoria assimila, efetivamente, as engrenagens da organização aos mecanismos de uma máquina e define, portanto, seu funcionamento sobre a base da racionalidade “pura e perfei-

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ta”. A segunda abordagem foi iniciada por Simon (1979; 1984), que criticou a anterior e abrandou suas hipóteses de base; isso o levou, com Simon e March (1964), a formular a teoria da racionalidade limitada. Em seguida, esta última foi retomada e aprofundada, notadamente, nos trabalhos de Cyert e March (1970), Allison (1971), Allison e Zelikowv (2000) e de Crozier e Friedberg (1977).

Destacase que a primeira abordagem não poderia ser o foco, porque ela não se ocupa da questão dos jogos estratégicos, objeto de estudo deste artigo. No mais, ela já foi objeto de uma crítica cerrada, sobre a qual não é, portanto, necessário voltar. Em compensação, a segunda abordagem merece ser considerada, uma vez que seu objetivo consiste, justamente, em explicar a racionalidade dos jogos organizacionais ou processos decisórios. Assim, entre os trabalhos que se situam nessa perspectiva, há notadamente os de Cyert e March e os de Crozier e Fridberg, os quais têm como objeto a análise estratégica, pois fizeram avançar muito a análise da questão em discussão.

Como esses trabalhos são baseados na teoria de Simon, é preciso, primeiramente, lembrar o alcance e os limites deles; em seguida, será discutida a análise estratégica.

2 O Modelo Racional

Constatase que, para a teoria econômica neoclássica, a empresa confundese com um indivíduo, único patrão e decisor. Esse indivíduo dispõe de todas as informações relativas às transações em todos os mercados; fixa, racionalmente, seus níveis de preço e de produção para atingir seu objetivo maior: o lucro máximo. Logo, os objetivos estão, claramente, definidos e a organização os persegue como se ela fosse um homem apenas (GUERREN, 2008).

Percebese, ainda, que esse modelo de ator único e racional encontrase desenvolvido com toda uma sofisticação matemática nas análises microeconômicas – com destaque para as de Debreux, Solow, entre outros – e de planificação estratégica (BCG, McKinsey e outros). Como ele não se enquadra no mundo dos negócios, Simon foi o primeiro autor a mostrar seu irrealismo, destacado no que segue.

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2. 1 Teoria da Racionalidade Limitada

Simon mostrou, efetivamente, o irrealismo das hipóteses do modelo racional, detectando especialmente a não operacionalização dos objetivos da empresa, tal como postulados por esse mesmo modelo. Para tornálos operacionais, ele os fracionou em subobjetivos. Em vista disso, a hipótese da maximização é abandonada em benefício de uma análise dos decisores, os quais procurariam estabelecer subobjetivos realistas e alternativos, a fim de encontrar combinações produtivas que pudessem melhor satisfazer suas preferências. Assim, fazse uma divisão dos objetivos da organização em subobjetivos, a qual

[...] dependerá dos conhecimentos, das experiências e do ambiente dos decisores. Diante dessa ambiguidade, tal formulação poderá também ser influenciada de maneira mais ou menos sutil, por seu interesse pessoal e as redes de poder. (SIMON, 1979, p. 42).

Essa é a base da qual Simon formulou sua teoria da racionalidade limitada. Importa salientar que, partindo dessa base, o autor distingue três fases no processo de decisão: a primeira é a da inteligência ou da identificação dos problemas; a segunda é a da modelização ou da concepção; e a terceira referese à escolha ou à seleção da melhor solução.

Esse modo de leitura permite, efetivamente, designar as características da melhor decisão e/ou racionalidade objetiva, como ele a qualifica. A materialização e a simplificação desta última obtêmse, por conseguinte, no quadro da racionalidade limitada. Assim,

  1. a otimização é substituída pela satisfação, isto é, a solução a considerar, entre as soluções examinadas, será aquela que igualará ou ultrapassará o nível de aspiração definido antecipadamente;

  2. as possibilidades de ações e as consequências são descobertas de maneira sequencial e não de maneira preestabelecida; e

  3. os diversos programas de ação são, relativamente, independentes uns dos outros.

Assim, o decisor – no decorrer do texto serão utilizados como sinônimos as categorias de decisor, ator, membro do staff e de indivíduo – é racio-

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nal, porém sua racionalidade é limitada por diversos fatores, a saber: sua falta de conhecimentos, sua incapacidade de memorizar todas as suas escolhas anteriores e, consequentemente, sua falta de domínio de meios de previsão dos acontecimentos futuros. Logo, pretendo ser realista, ele fixa objetivos em curto prazo e satisfaz suas necessidades de maneira sequencial. Além disso, não procura a melhor solução, porém se contenta com a primeira solução julgada satisfatória. Esta última pode ser, evidentemente, a que ele tem o hábito de utilizar na resolução dos problemas rotineiros ou ser completamente nova. Desse modo, no momento da escolha de uma ou de outra solução considerada, o decisor está sempre condicionado pelos componentes do seu ambiente psicológico.

Esses componentes resultam, pois, da aprendizagem (por exemplo curva de experiências), da memória (estoque de informações), do hábito (soluções de rotina) e de estímulos de quem decide. Além desse condicionamento interno, há também aquele que a organização exerce sobre ele. Assim, constatase que a influência desta última exprimese de diversas maneiras, a saber: por seus modos e formas de execução de tarefas determinadas; seu sistema de poder entre suas divisões administrativas; suas formas de circulação interna da informação; e por sua imagem pública.

Importa destacar, ainda, que a tese de Simon foi aprofundada e criticada por inúmeros pesquisadores. Em vista disso, consideramse, aqui, as análises de Cyert e March, que a aprofundaram definindo a organização como uma coalizão de indivíduos.

2. 2 Organização como Coalizão

Retomando a tese de Simon e ampliandoa, Cyert e March (1970)2 formulam a seguinte ideia: os decisores individuais estão ligados entre si por sua concepção da organização, a qual seria uma coalizão de indivíduos. Desse modo, cada um desses indivíduos tem aspirações próprias e procura atingilas através do funcionamento cotidiano da empresa. Seguese, daí, que os objetivos desta última não poderiam ser definidos e estabilizados senão através de negociações abertas entre esses indivíduos; negociações que devem, necessariamente, traduziremse pela concessão de

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vantagens materiais. Notase que esse estado de negociação permanente confere um comportamento à empresa mais adaptável do que maximizador, o que dá lugar a um “excedente organizacional”, isto é, à existência de um orçamento especial utilizado para manter a coesão do grupo dirigente. Esse grupo não é, evidentemente, homogêneo; ao contrário, seus membros agem no quadro das racionalidades locais em relação a uma performance determinada pela empresaisto é, o ator (ou decisor de um setor da empresa) maximiza as cifras sobre as quais ele é julgado. Assim, o vendedor tende a maximizar o faturamento; o responsável financeiro, o cashflow; o dirigente de RH (Recursos Humanos), o numero de servidores; etc. Os membros do grupo procuram, de fato, uma solução satisfatória para eles. Não podem, entretanto, estar satisfeitos senão de modo sequencial. Vale lembrar que é assim porque eles têm, com efeito, interesses contraditórios; logo, sua satisfação não pode ser obtida senão desdobrandoa no tempo.

O reconhecimento da existência dos interesses e dos objetivos do staff, bem como aqueles relacionados à organização, conduziu os autores a afirmarem, efetivamente, que as organizações não têm objetivos. Quanto ao processo de decisão, para Cyert e March, ele obedece às seguintes etapas:

  1. nasce da comparação das informações disponíveis sobre o meio e os objetivos perseguidos pelo staff;

  2. é fracionado em subproblemas, correspondendo às divisões segundo a competência institucional e técnica de cada uma delas; c) é tratado por essas divisões segundo a competência institucional e técnica de cada uma delas; e

  3. recebe uma solução global satisfatória, que é a resultante das soluções parciais consideradas pelas divisões interessadas, e isso levando em conta os interesses empenhados pelos blocos no poder e o modo de tratamento sequencial do problema.

Em resumo, os autores dinamizam o modelo de Simon, identificando as etapas do processo de decisão como um processo de aprendizagem, uma vez que consideram que tal processo passa por situações que se repetem constantemente. Além disso, com essas análises, os interesses e objetivos dos atores tornamse o nó nevrálgico da organização e, consequentemente, da tomada de decisão. Embora eles tenham avançado na análise estratégica, suas contribuições apresentam, todavia, limites que merecem ser ressaltadas.

Pa...

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