O Decreto Federal 7.126/2010 e o FAP: a correção de distorções da Portaria Interministerial 329/2009

AutorCamila Campos Vergueiro Catunda
CargoAdvogada em São Paulo - Mestre pela PUC/SP - Professora do IBET, da GVLaw e da PUC/Cogeae
Páginas292-302

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1. Introdução

Se ainda existem muitos motivos para combater o Fator Acidentário de Preven-ção/FAP e sua fórmula de cálculo, com a publicação do Decreto federal 7.126, de 3.3.2010 (DOU 4.3.2010) reputamos que algumas distorções foram corrigidas e boas lições podem ser extraídas da batalha judicial que vêm travando o Fisco e o contribuinte nos últimos meses.

A mídia vem divulgando, quase que diariamente, a concessão de diversas liminares em todo o País afastando a incidência do percentil do FAP - decisões, essas, que, basicamente, abordam (i) o problema da inconstitucionalidade do FAP em si; ou (ii) a necessidade de atribuição de efeito suspensivo à contestação administrativa apresentada pelo contribuinte contra o percentual que lhe foi atribuído.

Além desses dois pontos controversos, havia, até a publicação do referido de-creto federal, um terceiro, que tratava da impossibilidade de ser interposto recurso contra a decisão de primeira instância que eventualmente rejeitasse a contestação administrativa.

Esse terceiro ponto, acreditamos, permaneceu dormente, pois as contestações administrativas ainda não foram decididas. Mas, apesar de especificamente essa questão não estar "na pauta do dia", não era (e não é) de menor importância no contexto deste trabalho, como será exposto a seguir.

Não trataremos da questão da invalida-de do FAP e de sua cobrança, pois o foco é trazer para debate as distorções que foram ajustadas com a vinda do Decreto federal 7.126/2010, e que confirmam a necessidade de os atos infralegais observarem as normas que são seu fundamento de validade, como o texto constitucional, o Código Tributário Nacional ou o próprio Regulamento da Previdência. Vejamos cada uma delas.

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2. O conteúdo semântico do inciso IIIdo art 151 do CTN

A primeira questão a ser abordada contextualiza-se com a discussão que tratou da necessidade de ser atribuído efeito suspensivo à defesa administrativa que os contribuintes apresentaram no Ministério da Previdência Social.

A corrida ao Poder Judiciário em defesa da atribuição desse efeito suspensivo deveu-se ao fato de que a Portaria Intermi-nisterial 329, de 10.12.2009, apesar de prever o cabimento da contestação, ao mesmo tempo estabelecia o dever de pagamento da contribuição previdenciária com o per-centil do FAP durante o período em que estivesse pendente o julgamento dessa contestação. Literalmente, está escrito o seguinte:

"Art. 1o. O FAP atribuído pelo Ministério da Previdência Social - MPS poderá ser contestado perante o Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacio-nal daquele Ministério, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação desta Portaria, por razões que versem sobre possíveis divergências dos elementos previdenciários que compõem o cálculo do Fator.

"Art. 2o. (...).

"Parágrafo único. Se, do julgamento da contestação, resultar FAP inferior ao atribuído pelo MPS e, em razão dessa redução, houver crédito em favor da empresa, esta poderá compensá-lo na forma da legislação tributária aplicável" (grifos nossos).

Sem dúvida alguma, essa portaria prescreve, para a hipótese de provimento da contestação, o direito do contribuinte de compensar o que eventualmente tenha sido considerado pagamento indevido; mas esse "direito" do contribuinte contraria a garantia constitucional que assevera o direito de prevenção da tributação reputada ilegítima.1

Desditosamente, tal portaria restaurou a regra do solve et repete, extirpada do nosso ordenamento pela Constituição Federal de 1988, que assegura ao particular o acesso à esfera administrativa e ao Judiciário, o direito de propriedade, a legalidade, o devido processo legal e a ampla defesa ainda em caráter preventivo à instauração do litígio.

Da leitura do texto constitucional constatamos que nele está consagrado o princípio segundo o qual toda lesão provocada por terceiro (seja sujeito de direito público ou privado) a direito subjetivo pode e deve ser prevenida. Não há permissão no ordenamento jurídico para que o dano se perpetue e somente depois serem aciona-das as categorias jurídicas seja recomposta a situação do status quo ante. Muito pelo contrário, estão consagrados mecanismos para que a lesão seja evitada. É a idéia das medidas de caráter preventivo.2

A efetividade desse princípio, que é daqueles denominados de "implícitos" pela doutrina, é dada por normas infra-constitucionais que instituíram esses mecanismos que asseguram ao particular que uma lesão iminente seja evitada.

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Cogitamos, por exemplo, (i) do poder geral de cautela que é evidenciado nas decisões liminares, que podem ser concedidas em mandados de segurança ou em medidas cautelares, e na tutela antecipada, que, em matéria tributária, tem evidente natureza cautelar,3 ao garantir o bem da vida que será concedido ao final na sentença; ou (ii) de regra como a contida no inciso III do art. 151 do CTN, que barra a possibilidade de o Fisco dar continuidade à cobrança do tributo enquanto estiver pendente de decisão a petição4 protocolada na esfera administrativa contestando o crédito tributário - hipótese, esta última, que interessa para o presente trabalho.

Em função desse contexto, muitos contribuintes, ao se depararem com a odiosa regra do solve et repete estatuída na Portaria Interministerial 329/2009, correram ao Poder Judiciário para ter assegurado seu direito de, enquanto discutem administrativamente o FAP, não se sujeitarem à cobrança da contribuição previden-ciária com o percentil a ele atribuído pelo Ministério da Previdência Social.

Pauta-se a discussão em torno da seguinte pergunta: a contestação ao FAP está inserida no conteúdo semântico da expressão "reclamações e recursos" do art. 151, III, do CTN, de modo a ensejar a suspensão da exigibilidade da contribuição previdenciária com a aplicação do percentil do FAP?

Os contribuintes, então, sustentam que a denominada contestação administrativa ao FAP está, sim, abarcada pela regra do art. 151, III, do CTN, que assim dispõe:

"Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (...) III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; (...)".

Na grande maioria das decisões judiciais prolatadas a resposta àquela pergunta foi positiva, reconhecendo-se que a contestação ao FAP tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário. Citemos algumas dessas decisões, exem-plificativamente:

"Posto isso, defiro a liminar requerida, para determinar a suspensão da exigibilidade dos créditos reclamados pelo Fisco, calculados pelo FAP de 1,6977, até a final decisão do recurso protocolado pela impetrante, no âmbito administrativo (Processo Administrativo n. 37311.008303/ 2009-13), devendo a impetrante recolher a contribuição segundo os moldes da legislação anteriormente vigente. Notifique-se a autoridade impetrada, para prestar informações. Após, dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal, vindo, a seguir, conclusos para sentença" (3a Vara Federal de Campinas).

"Assiste razão à impetrante em suas argumentações.

"Embora não conste expressamente no dispositivo acima o efeito suspensivo da impugnação, não há como aceitar a incidência da majorante sem que haja o prévio pronunciamento do Fisco acerca das alegações formuladas administrativamente pela impetrante.

"Tal decorre do disposto no Decreto n. 70.235/1972, bem como no art. 151, III, do CTN, que asseguram a suspensão da exigibilidade do crédito fiscal em caso de apresentação de reclamações e recursos administrativos.

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"Em face do exposto, defiro a liminar pleiteada, a fim de assegurar à impetrante o recolhimento da contribuição ao SAT da forma como vem sendo feita, sem as alterações do Decreto n. 6.957/2009, até que sejam apreciadas as impugnações administrativas apresentadas por ela, às quais deverá ser atribuído o efeito do art. 151, III, do CTN, devendo as autoridades impetradas absterem-se da prática de qualquer ato visando à cobrança da diferença do tributo em questão. (...)" (7a Vara Federal de São Paulo).

"O pedido formulado na inicial apresenta a necessária relevância jurídica que autoriza o deferimento da liminar. A não concessão de efeito suspensivo à impugnação administrativa nega vigência ao art. 151, III, do CTN, segundo o qual suspendem a exigibilidade do crédito tributário 'as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo'.

"III - Isto posto, defiro a liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário objeto da impugnação administrativa apresentada pela impetrante (...) até a decisão final do processo administrativo em que se discute o percentual do FAP, nos termos do art. 151, III, do CTN, mantido o dever de recolhimento nos moldes estabelecidos pelo art. 22 da Lei n. 8.212/ 1991, em sua redação original. (...)" (6a Vara Federal de São Paulo).

"Em consequência, incide o art. 151, III, do CTN, que determina a suspensão da exigibilidade no caso de impugnação relativa à apuração do FAP.

"Ante o exposto, defiro a liminar pleiteada para declarar a suspensão de exigibilidade do crédito tributário referente à contribuição previdenciária destinada ao SAT/RAT (...) a partir do protocolo das duas impugnações administrativas constantes destes autos até final decisão administrativa, devendo a autoridade se abster de praticar qualquer ato tendente à cobrança do tributo, a não ser quanto ao recolhimento nos moldes do art. 22 da Lei n. 8.212/1991, sem aplicação do art. 10 da Lei n. 10.666/2003. (...)" (2a Vara Federal de Araraquara).

"Isto posto, defiro em parte a liminar e atribuo efeito suspensivo ao recurso administrativo apresentado pelo impetrante e suspendo a exigibilidade do crédito tributário decorrente da contribuição...

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