Delimitaçao dos conceitos de elisão e evasão tributárias sob a ótica do constructivismo lógico-semântico

AutorSemíramis Oliveira
CargoMestranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Graduada em Direito pela PUC/SP. Advogad
Páginas191-205

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1. Introdução

Há um problema semântico de vagui-dade quando nos referimos ao instituto do planejamento tributário. Genericamente, todo o procedimento com vistas à redução da carga tributária é denominado planejamento tributário.

Contudo, a organização das atividades negociais com o objetivo de obter economia tributária pode representar tanto uma conduta lícita quanto ilícita, por isso, é fundamental o delineamento entre elisão fiscal (conduta dentro do código de licitude do sistema do direito positivo) e evasão fiscal (conduta vedada pelo sistema do direito positivo).

A linguagem do legislador é a prescritiva para regular as condutas intersubjetivas. Já as definições jurídicas são atividades da Ciência do Direito, que tem linguagem descritiva, que as utiliza para melhor compreender o direito positivo, favorecendo a harmonia e a precisão das significações.1O planejamento tributário demanda duas diferentes perspectivas de análise: de um lado o contribuinte que legitimamente pode e deve, com segurança jurídica, planejar suas ações com o escopo de reduzir a carga tributária que suporta e, de outro, a autoridade administrativa que busca encontrar o que supostamente seriam os "limites" ao ato de planejar do contribuinte.

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As decisões do CARF sobre os limites do planejamento tributário coexistem em sentidos diversos, há indefinição quanto aos critérios, sob a ótica da fiscalização, passíveis de legitimar a desconsideração dos negócios jurídicos dos particulares.

A Lei Complementar n. 104/2001 incluiu o parágrafo único no art. 116 do CTN, dispondo que "a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária".

Esse enunciado prescritivo nos conduz a questionamentos: quais são os limites do planejamento tributário? Houve a inserção, através da Lei Complementar n. 104/2001, de uma norma geral antielisão no sistema jurídico brasileiro?

Essas questões ratificam a necessidade de construção de um conceito de planejamento tributário válido para garantir a segurança jurídica do contribuinte ao organizar as suas atividades pessoais, profissionais e empresariais. Utilizaremos nessa empreitada o arsenal metodológico do constructivismo lógico-semântico.

2. Lineamentos do constructivismo lógico-semântico

Toda ciência, como categoria do conhecimento, deve decorrer de construção conceitual que se erga sobre a base de pressupostos que formem um "método".

O método é o meio escolhido pelo sujeito para aproximar-se do objeto que se propõe a conhecer, sua escolha auxilia na dificuldade enfrentada ao se estudar os objetos culturais, os quais possuem diversos ângulos possíveis de análise, tais como: história, sociologia, filosofia, antropologia etc. O método é fundamental para o conhecimento científico, pois não há conhecimento sem sistema de referência.

Conhecer o Direito é compreendê-lo e interpretá-lo ao se conferir conteúdo, sentido e alcance à mensagem legislada, ou seja, emitir "juízos sobre".2O constructivismo lógico-semântico, método difundido com mestria por Paulo de Barros Carvalho em suas obras, enxerga o Direito segundo a concepção hermenêutica-analítica.3A teoria analítica, com amparo nas Ciências da Linguagem e na Lógica, cerca os termos da linguagem do direito positivo e da Ciência do Direito com vistas à redução de ambiguidade e vaguidade, prezando pela coerência e rigor da linguagem.4Amparada pela semiótica, a decomposição do texto jurídico, para estudá-lo minuciosamente, é feita em seus planos sintático (estrutural), semântico (significativo) e pragmático (prático - de aplicação).

O plano sintático investiga as relações entre os signos no discurso. O plano semântico investiga a relação de significado/ representação do sentido dos signos. O plano pragmático investiga os fatores contextuais que determinam os usos dos signos nas situações de comunicação.

A utilização dos planos semióticos na análise da linguagem jurídica favorece o estudo analítico do Direito. Os três planos são indissociáveis, trata-se apenas de corte metodológico.

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Da Filosofia da Linguagem, o método utiliza os termos: enunciação, enunciação -enunciada e enunciado. A fonte do direito positivo (como uma fase pré-jurídica) é a enunciação. Não há enunciado sem enunciação. A enunciação-enunciada é o conjunto de enunciados que nos remete à atividade de enunciação, informando o processo legislativo ou o procedimento produtor da norma, a pessoa competente e as coordenadas de espaço e tempo dos eventos com teor de juridicidade que compõem a enunciação. Enunciado-enunciado é o enunciado prescritivo sem remissão à enunciação.

A análise jurídica das fontes do direito passa pela verificação do sujeito, da matéria e do procedimento. Estão credenciados para injetarem normas jurídicas no sistema do direito positivo: o Poder Legislativo, o Poder Executivo, o Poder Judiciário e os particulares.5A importância do estudo das fontes é verificar a validade de uma norma dentro do sistema do direito positivo.

O Direito, por ser constituído por linguagem, é um objeto cultural. O bem cultural tem duas faces: o suporte da linguagem e o significado construído pela interpretação impregnada de valores.6Assim, o Direito é objeto cultural, produzido pelo homem para disciplinar condutas intersubjetivas,7canalizando-as em direção a certos valores8que a sociedade deseja ver realizados. Por isso, tem-se a aplicação da teoria hermenêutica.

Interpretar é construir as significações do texto jurídico bruto (do direito positivo), mediante atos de valoração e dentro dos limites dos referenciais linguísticos do intérprete.

Percurso gerador de sentido é o conjunto das etapas mentais para construção da inter-pretação, ou seja, para construção da norma jurídica. São os planos S1 a S4: parte-se do documento jurídico-prescritivo (plano da expressão - S1), vai-se avançando em vários níveis de compreensão até se atingir a construção do sentido do texto (significação/ proposição S2). Em seguida, é construída a norma jurídica (S3), que é a significação a partir da leitura dos textos positivados, ou seja, é o juízo hipotético-condicional (H ? C) que a leitura do texto de lei provoca no intérprete.

A combinação das normas se dá na etapa S4 do percurso gerador de sentido, construindo o sistema jurídico entrelaçado pelos vínculos de hierarquia e pelas relações de coordenação entre as normas de mesma hierarquia.9Partindo-se de um mesmo enunciado é possível a construção de inúmeras normas jurídicas diferentes, pois as significações mudam de acordo com o contexto e os referenciais, nos quais está inserido o intérprete.

O direito positivo e a Ciência do Direito têm linguagens diferentes: o direito positivo dirige-se à linguagem da realidade social com o fim de regulá-la (o direito positivo

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consubstancia linguagem prescritiva, o dever-ser), ao passo que o sistema da Ciência do Direito refere-se ao direito positivo a fim de estudá-lo (linguagem descritiva, "S é P"), ou seja, o ponto de partida do trabalho cognoscitivo da Ciência do Direito é o texto jurídico-normativo válido.

O direito positivo é o conjunto de normas jurídicas válidas10em determinado país. A relação que liga uma norma (N) ao sistema de direito positivo (S) é a relação de pertinencialidade (N ? S). E para pertencer ao sistema do direito positivo, uma norma N deve ingressar no sistema por agente competente e mediante o procedimento previsto pelo próprio sistema. A Constituição Federal é o diploma de máxima hierarquia. E, a norma hipotética fundamental é um axioma, pressuposto gnosiológico do conhecimento jurídico.

Distingue-se documento jurídico-prescritivo, enunciado prescritivo e norma jurídica. Documento jurídico-prescritivo é o texto de lei, "a base física, o substrato material em que os sujeitos de direito mate-rializam seus atos de fala. Trata-se de dado tangível que chega ao destinatário para ser objeto de interpretação".11Os enunciados prescritivos estão inscritos nos documentos jurídico-prescritivos. As normas jurídicas são significações construídas pelo intérprete, estruturadas na forma hipotético-condicional (H ? C), os comandos voltados para o comportamento (a regulação de condutas intersubjetivas) são um dos seguintes três modais deônticos: "permitido", "proibido" ou "obrigatório".

Os princípios são enunciados prescritivos carregados de forte conotação axiológica, ou seja, introduzem valores relevantes para o sistema jurídico.

O signo "princípio" pode ser entendido como "valor" ou como "limite-objetivo", os valores estão insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, ao passo que os limites-objetivos são os mecanismos de realização dos valores. Assim, são valores: a segurança jurídica, a dignidade da pessoa humana, a justiça, a liberdade e, são limites-objetivos a legalidade, a anterioridade, a irretroatividade, a não cumulatividade, a tipicidade tributária, a capacidade contributiva etc.12Quanto à "Teoria da Norma", são inúmeras as contribuições no estudo do Direito: o sentido de norma jurídica completa (norma primária e norma secundária),13as espécies normativas - norma geral e abstrata, norma geral e...

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