Demarche dos dispositivos: apontamentos sobre ordens, convergências e situações no campo econômico-financeiro

AutorAna Carolina Bichoffe, Mateus Baeta Diógenes
CargoDoutora em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)/Atualmente cursa mestrado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC)
Páginas192-223
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n43p192
192192 – 223
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Demarche dos dispositivos:
apontamentos sobre ordens,
convergências e situações no
campo econômico-nanceiro
Ana Carolina Bichoffe1
Mateus Baeta Diógenes2
Resumo
Este artigo propõe fazer face a um debate contemporâneo, no sentido de acentuar as dimensões
cultural e transnacional dos dispositivos. Ao mapear as principais concepções teóricas sobre “efeito
de verdade” e performatividade, é introduzida uma frente que busca por respostas sobre a domina-
ção tecnológica, ou, quer seja, a sociotécnica dos dispositivos na modernidade – nessa empreitada,
a importância do Estado é inegável. Ao induzir mercados no uso das métricas e dispositivos, dado
seu papel de regulador, os Estados se tornam alvo dos próprios dispositivos. Por m, é apresentado
um rápido quadro contextual das implicações dos dispositivos – trata-se de uma reexão sobre os
efeitos estraticadores das classicações econômicas, em situações de classicação que recaem
novamente sobre os Estados Soberanos como “múltiplas mãos” que tentam reter e dominar o
Estado e que moldam, inclusive, oportunidades para o futuro e para a vida de indivíduos.
Palavras-chave: Dispositivos. Performatividade. Sociologia das nanças.
1 Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Pesquisadora associada ao Nú-
cleo de Estudos em Sociologia Econômica e das Finanças (NESEFI – UFSCar); pesquisadora vinculada ao Núcleo
de Estudos e Pesquisa sobre a sociedade, poder, organização e mercado (NESPOM). Coordenadora adjunta do
Observatório sobre Dominação Financeira e Econômica (DOFINE) – Universidade Federal do ABC (UFABC).
E-mail: acbichoffe@ufscar.br.
2 Atualmente cursa mestrado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pes-
quisador associado ao Observatório sobre Dominação Financeira e Econômica (DOFINE) – Universidade Federal
do ABC (UFABC).. E-mail: baeta.mateus@gmail.com
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 43 - Set./Dez. de 2019
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1 Introdução
Em 09 de abril de 2018, segunda-feira, o mercado nanceiro brasileiro
abriu as operações com uma noticação da agência de classicação de risco
Moody’s assinalando a melhoria da perspectiva da nota brasileira de crédito
soberano de curto prazo, passando de perspectiva negativa para estável.
Um “upgrade”. Os pontos focais tratados pela agência como justicativa
para a elevação da avaliação foram dois: “1) Expectativa de que o próximo
governo passe as reformas scais necessárias para estabilizar as métricas de
dívida no médio prazo; e 2) Perspectivas de crescimento em curto e médio
prazo, mais elevadas do que o esperado, apoiadas por reformas estruturais,
que apoiarão os esforços de consolidação orçamental” (colocar fonte e nú-
mero da página). O texto acrescenta ainda que um fator extra na avaliação
foi o fato de o país apresentar “importantes elementos de força econômica
e institucional que estão em linha – ou excedem – aqueles encontrados em
seus pares com ratings Ba2” (MOODY’S INVESTORS SERVICE, 2018).
O documento oferece uma descrição positivada do caso brasileiro, ao
apontar que a economia local é ampla, com um grau relativamente elevado
de diversicação, e que conta com uma vulnerabilidade externa baixa. O
regime de câmbio utuante também teria facilitado o ajuste das contas
externas e o amplo estoque de reservas em moeda estrangeira serviria para
mitigar a exposição do Brasil a choques externos.
Esse anúncio agitou mercados, produzindo manifestações de múlti-
plos agentes nanceiros e políticos contrários à avaliação, delineando um
campo de forças marcado por narrativas controversas, de agentes e insti-
tuições, abrindo um anco interessante da busca por provas e evidências
para desqualicar ou comprovar a nova avaliação (LATOUR, 1987, 1994;
CHATEAURAYNAUD, 2018). O mapeamento do período3 permite
3 Período entre 09 de abril de 2018, data de publicação da avaliação pela Agência de Risco de Crédito Moody’s até
o dia 16 de maio de 2018 com a matéria “O peso da incerteza eleitoral nos juros” do jornal “Valor Econômico”
(ROMERO, 2018). Trata-se de um corpus composto por 46 matérias. A decomposição da amostra revela um
deslocamento qualitativo dos enquadramentos, ou marcos interpretativos, das primeiras 12 matérias em relação
ao sequenciamento das demais. As primeiras partem de uma ênfase, quase exclusiva, ao léxico econômico-
-nanceiro de forma a compor justicativas gerais sobre o upgrade da nota brasileira. Entretanto, as demais
abrem um leque de perspectivas e ideias que organizam a realidade dentro de determinados eixos de apreciação
e entendimento – por exemplo: a dimensão estritamente eleitoral, pautando o debate sobre o futuro da política
e economia brasileira, e os riscos apresentados por cada um dos candidatos à presidência.
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pinçar e posicionar a quase totalidade das manifestações4, detectando assim
a assimetria de interpretações em relação à avaliação:
1) Para um segmento amplo de analistas de mercado, próximo da me-
tade da amostra, a nova classicação foi tratada como um disparate
frente ao entendimento consolidado de um cenário de incertezas no
campo político – as eleições que se aproximavam; a repercussão sobre
a prisão de Lula (DAPP-FGV, 2018) e a polarização de discursos polí-
ticos em torno do evento; a troca de ministros no Governo Temer; os
escândalos e as investigações sobre as ondas de corrupção envolvendo
membros do alto escalão do Governo Temer, mas também de mem-
bros da elite política e agentes públicos; e, no campo econômico, a
estagnação econômica pautada pelo baixo crescimento do PIB e da
taxa de empregos, aumento do endividamento das famílias e, funda-
mentalmente, a paralisação das reformas da Previdência e Fiscal.
2) O próprio Ministério da Fazenda, em tom modesto, aceitou com
cautela a avaliação positiva. Armou, em nota pública que, ao revisar
a perspectiva do rating soberano brasileiro de negativo para estável, a
agência Moody’s reconheceu a melhoria nos fundamentos macroeco-
nômicos do país e a importância de reformas scais estruturais. No
entanto, o Ministério assume as incertezas ligadas ao cenário político e
à factualidade da agenda de reformas, que poderiam gerar uma revisão
da avaliação, segundo publicação no jornal Valor Econômico (LAR-
GHI; PUPO; SIMÃO, 2018).
3) No caderno Mercado da Folha de São Paulo (também de em 9
de abril de 2018), há uma tentativa de correlacionar o evento com
a prisão de Lula: “O anúncio da Agência acontece dois dias após a
prisão do ex-presidente Lula, cuja possibilidade de uma candidatura
à Presidência nas eleições deste ano ca mais distante. A Moody’s não
4 O caso trazido aqui compõe o corpus de uma pesquisa empírica que busca mapear documentos, mas também
artigos e manifestações publicados em versões on-line de jornais de amplo alcance, entendidos como instru-
mentos que dão voz e reverberação aos atores envolvidos no uso e justicação dos dispositivos paramétricos.
Este levantamento toma como orientação metodológica e analítica uma abordagem da sociologia pragmática
francesa: o modelo da balística sociológica (CHATEAURAYNAUD, 2018) dando ênfase aos do aspecto tempo-
ral, dos momentos de prova, e do jogo de forças entre os atores nas controvérsias.

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