Democracia do boato: a era da pós-verdade e os desafios para a cidadania

AutorIsis Maria da Graça Ferreira Santos - Arnaldo Provasi Lanzara - Soraia Marcelino Vieira
CargoGraduada em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos, IESP/UERJ - Doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas115-132
DEMOCRACIA DO BOATO: a era da pós-verdade e os desafios para a cidadania
Isis Maria da Graça Ferreira Santos
1
Arnaldo Provasi Lanzara
2
Soraia Marcelino Vieira
3
Resumo
O artigo analisa o valor da verdade nas sociedades pós-modernas e discute em que medida a verdade se torna abstr ata ou
de pouca importância. O estudo debate os desafio s enfrentados pela cidadania e como os espaços públicos estão sendo
ameaçados pelas novas tecnologias e mídias. Em tempos de desinformação, como a comunicação influencia o e xercício da
cidadania e, especificamen te, o voto e a concretização de políticas públicas. A ignorância e a informação, unem-se a
poderosas estruturas manipulativ as radicadas em instrumentos tecnológicos. A “pós-verdade” surge como conceito curinga
para compreender as dinâmicas qu e assolam as democracias.O estudo adota a pesquisa exploratória e bibliográfica, e
conclui que é necessária a reflexão acerca de qual democracia se descortina e quais são os instrumentos democráticos
capazes de se sobrepor à ausência de neutralidade e imparcialidade midiática.
Palavras-chave: Democracia. Pós-verdade. Comunicação. Cidadania. Desafios.
DEMOCRACY OF RUMORS: the post-truth era and the challenges to citizensh ip
Abstract
This article analyzes the value of truth in postmodern societies and discusses how truth becomes abstract or of little
importance. The study discusses the challenges faced by citizenship and how public spaces are being threatened by new
technologies and media. In times of misinformation, how communicati on influences the exercise of citizenship and,
specifically, the vote and the implementat ion of policies. Ignorance and information, are put together with powerful
manipulative structures rooted in technological instruments. The "post-truth" emerges as the wildcard concept to understand
the dyn amics that plague democracies. The study is based in e xploratory and bibliographic research and concludes that
reflection is needed on what kind of democracy is unveiled and what are democratic instruments capable of overlooking the
absence of neutrality and media impartiality.
Keywords: Democracy. Post-truth. Communication. Citizenship. Challenges.
Artigo recebido em: 20/12/2021 Aprovado em: 20/05/2022
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v26n1p115-132
1
Graduada em Administração p ela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com a realização de mobilidade
acadêmica de um ano na Pontifícia Universidad Católica de Chile (PUC - Chile). Mestre em Diplomacia e Relações
Internacionais pela Escola Diplomática de Madrid (MAEC - Espanha). Ademais, possui Especialização em Ciência
Política (UCAM) e é mestranda no curso de Mestrado Profissional em Administração Pública na Universidade Federal
Fluminense (UFF), em Rede Nacional (PROFIAP). E- mail: isismaria@id.uff.br .
2
Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos - IESP/UERJ, Mestre em Ciência Política pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ e Graduado em Administração Pública pela Universidade
Estadual Paulista - UNESP/Araraquara. E-MAIL: arnaldolanzara@id.uff.br.
3
Doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do estado do Rio de Janeiro
(UERJ), Mestre em Ciência Política pe la Universidade Federal Fluminense (UFF) e Bacharel em Ciências Sociais pela
Universidade Feder al de Juiz de Fora (UFJF). Professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense (UFF) e Membro
titular da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales España - Flacso - ES. E-mail: soraiamv@id.uff.br.
Isis Maria da Graça Ferreira Santos; Arnaldo Provasi Lanzara e Soraia Marcelino Vieira
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1 INTRODUÇÃO
Tudo o que sabemos sobre a nossa sociedade e sobre o nosso mundo, como afirma
Niklas Luhmann, sabemos através dos meios de comunicação [de massa] (LUHMANN, 2005). Mas
sabemos também que as generalizações não abarcam a realidade em sua totalidade. Com o passar do
tempo, os meios de comunicação tornaram-se um negócio de “audiências”, formados por grandes
conglomerados e controlados por poucos, imersos em uma rede de poder que tem influênci a sobre as
esferas política, econômica e social.
Com a transição, ao longo dos séculos XIX e XX, dos meios de comunicação tradicionais,
aos meios como conhecemos hoje, com a existência de grandes grupos no controle, surge o seguinte
questionamento: em que medida ainda é possível identificar a existência de um autêntico espaço
público, minimamente assentado nas bases da teoria democrática tradicional?
A experiência histórica da democracia demonstra que esta representa um movimento
calcado em mutações evolutivas. E não somente a democracia e suas instituições têm evoluído, mas
também os sistemas que ameaçam e assumem novas formas, tornando o exercício da democracia
ainda mais desafiador, como aponta Urbinati (2014) em seu livro Democracy Disfigured. Se por um
lado, a concentração das fontes de informação no século XX, controladas por grandes corporações
capitalistas, representou um enorme desafio para o acesso à informação de forma livre, no século XXI,
com o advento da Internet e, especialmente das redes socia is digitais, as estruturas, não somente da
democracia, mas da sociedade como um todo foram postas em xeque. Tudo passa a existir dentro da
Internet Protocol, hiperconcentrada.
Conceitos como espaço público e privado tornam-se cada vez mais imbricados no espaço
cibernético. A opinião pública confunde-se com a opinião publicada. Os novos meios de comunicação
digitais existem em um espaço de transterritorialidade, de instantaneidade, onde a origem da
informação tem pouca importância. A vida social passa a ser a vida digital e os processos eleitorais,
parte significativa das democracias, migram para o atoleiro das mídias sociais, em busca de suas
parcelas da conhecida “democracia de audiência” (MANIN, 1997).
Apesar do direito à livre expressão e das inúmeras fontes de informação, a democracia
nunca esteve tão ameaçada como agora. As tecnologias abalaram a cultura, as artes, a música e as
democracias não seriam exceção. Com a superabundância de informação e sofisticados mecanismos
de manipulação, alguns autores sugerem estarmos vivendo a “era da desinformação” ou a “era da
desrazão”.
Novas estratégias surgem, então, para vestir a mentira com a roupa da verdade. A pós-
verdade, que será analisada neste artigo, seria uma espécie de “o que eu decido fazer com a verdade”

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