Estado e democracia no discurso oficial do Estado Novo

AutorTiago Losso
CargoDoutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Pensamento Político (NEPP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas95-117
Dossiê
Estado e democracia no
discurso oficial do Estado Novo
Tiago Losso*
1. Introdução1
Quando estava às voltas com o projeto da Constituição que
estava sendo elaborada por Francisco Campos, Vargas anotou
em seu diário um fato revelador a respeito dos rumos que a política
brasileira tomaria nos próximos anos. O jornal Correio da Manhã
havia publicado uma nota informando de uma missão do Deputado
Federal Negrão de Lima ao Norte do país. Esse vazamento obrigou o
Presidente da República a desdobrar-se para desmentir a existência
de um plano golpista. Alarmado com a situação, Vargas exclama:
“Como a censura deixara publicar? Quem [fora] o responsável pela
nota e pela publicação? Tomavam-se providências a respeito sem
resultado!”2 (cf. VARGAS, 1995, p. 81). No mesmo dia, a Chefatura de
Polícia do Distrito Federal foi encarregada de censurar a imprensa,
as agências telegráficas e as rádios, atribuição anteriormente do
Ministério da Justiça (idem, p. 81, nota 47). Dias depois, o Brasil
assistiria ao aparecimento do Estado Novo.
* Tiago Losso é Doutor em Ciências Sociais pel a Universid ade Estadu al de
Campinas (Un icamp), pesquisador do Núcleo de Estudo s sobre Pensamento
Político (NEPP) da Univer sidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Profess or
Substituto no Departamento de Sociologia e Po lítica da UFSC. Endereço
eletrônico: tiagolosso@gmail.com.
1 Este artigo é uma versão resumida do segundo capítulo da tese de Doutorado
defendida pelo autor no Programa de Doutorado em Ciências Sociais da Universi-
dade Estadual de Campinas (Unicamp), sob orientação de Elide Rugai Bastos.
2 Nota do dia 5 de novembro de 1937.
96 p. 95 – 117
Nº 12 – abril de 2008
No dia 10 de novembro de 1937, uma nova ordem começa
a ser montada. As duas casas do Congresso Nacional amanhecem
cercadas pela polícia e, no Palácio Guanabara, o Ministério reuniu-
se para assinar a nova Constituição, elaborada pelo novo Ministro
da Justiça, Francisco Campos. Finalmente, às oito horas da noite,
Vargas pronuncia no rádio seu Manifesto à nação, em que decreta a
nova Constituição e outras medidas institucionais que iriam “rea-
justar o organismo político às necessidades econômicas do país”.
Esse reajuste diz respeito à organização do país, ao molde de suas
instituições e à maneira como o país reconhecer-se-ia. Além da infle-
xão da política institucional, as idéias políticas brasileiras também
passariam por uma reacomodação: estariam, daquele momento em
diante, encarregadas de ajustar o organismo político ao Brasil real.
Neste artigo, pretendo analisar dois dos movimentos de
acom odação dessas idéias políticas, investigando traços do
discurso oficial do Estado Novo, especificamente aquele que
compõe as páginas de Cultura Política, revista editada e publi-
cada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) entre
1941 e 1945. Do vasto manancial de temas que poderiam ser
estudados, isolarei duas idéias que, acredito, são simultanea-
mente centrais e exemplares: democracia e Estado. Essas duas
idéias estão presentes em grande parte da produção discursiva
oficial do Estado Novo, como um pretenso esforço de alinhar as
instituições políticas do país à sua realidade social.
A procura do verdadeiro Brasil não era uma preocupação ex-
clusiva dos que assinaram o novo corpo legal brasileiro em 1937.
O pensamento social brasileiro produziu impressões, noções e
visões sobre esse assunto, chegando, por vezes, a propor ações
efetivas para corrigir pretensos erros. Ao longo desse processo,
foi constituído um vocabulário que, depois de depurado, passou
a ser usado com mais regularidade após a emergência do Estado
Novo. Nas páginas de Cultura Política, esse vocabulário será lar-
gamente mobilizado, com o intuito de legitimar e investigar as
novas conformações das instituições políticas brasileiras, já sob
a ditadura inaugurada em 1937.

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