Por dentro de um Azougue

AutorIbriela Bianca Berlanda
Páginas138-158
Por dentro de um Azougue – Ibriela Bianca Berlanda Boletim de Pesquisa NELIC v. 10 n. 15 2010.2
No percurso de 10 anos de publicações da revista
Azougue, há mais do que um resgate do recalque, como
coloca Laíse Bastos em seu artigo sobre a revista intitulado
Azougue: poesia por linhas transversas1; há mais do que
homenagens, aos poetas, atravessadas por um olhar para o
passado como forma de pensar o presente (nos termos de
Maria Lucia de Barros Camargo2), há uma valorização da
figura do poeta, como autor e também como sujeito que
escreve e vive a poesia. Poesia e vida, sim. Foi este viés
poético que a revista procurou resgatar, republicando poetas
que estiveram por muito tempo à sombra dos movimentos de
poesia que agitaram a vida cultural nos anos 60 e 70 (poesia
concreta, CPC, tropicália e poesia marginal), por exemplo.
Talvez pelo caráter adverso dessa poesia, e por ter estado
fora dos circuitos editoriais de reconhecimento, Azougue opta
por homenagear poetas como Roberto Piva, Claudio Willer,

1 Artigo publicado em 2008 no Boletim de Pesquisa Nelic vol. 8 n. 12/13
2 CAMARGO, Maria Lucia de Barros. Dos Poetas e/em suas Revistas. Em:
PEDROSA & ALVES (org.). Subjetividades em devir – Estudos de poesia
moderna e contemporânea. Rio de Janeiro: 7letras, 2008.
138
Por dentro de um Azougue – Ibriela Bianca Berlanda Boletim de Pesquisa NELIC v. 10 n. 15 2010.2
139

Celso Luiz Paulini, Rodrigo de Haro (entre outros) resgatando
o tempo de anonimato, por assim dizer.
Quando em 1996, o editor Sergio Cohn lança o
segundo número da revista: azougue equinócio.96 – Alea
jacta est, publicada em gráfica profissional mas ainda
chamada de fanzine3, a matéria que abre a revista, intitulada
Não pare nunca meu querido capitão loucura, é uma
homenagem a Roberto Piva. Escrita por Danilo Monteiro,
Priscila Queiroz e Sergio Cohn, esta matéria é o resultado de
alguns encontros com o poeta que expressava a erudição e
misticismo em seus fortes traços de descendente italiano.
Esses encontros com Piva fizeram parte da iniciação
intelectual daqueles artistas e a partir da paixão pela poesia
que envolvia a figura de Piva, nascia o interesse em publicar
uma revista de poesia. “Tínhamos conhecido a poesia do Piva
há cerca de um ano. E já o amávamos. Numa noite de
setembro, em 1993,estávamos num bar da Consolação

3 O fanzine é popularmente conhecido como a aglutinação das palavras
inglesas fan (fã) e magazine (revista), portanto é uma revista feita por fãs.
Caracteriza-se como despretensiosa e experimental que se destina a
assuntos variados, como ficção científica, HQ, poesia, música, jogos de
vídeo game, etc. Seu formato é geralmente o de um encarte xerocado de
poucas páginas, do tamanho de uma folha A4 dobrada ao meio.
conversando sobre a possibilidade de entrevistá-lo para uma
revista que tínhamos o projeto der fazer, e decidimos ligar
para ele de um orelhão” (Azougue nº 2, 1996, primeira
página).
De fato a revista saiu do prelo deixando escapar a
paixão de fãs por seus ídolos lá impressos4. Paixão que
impulsionou o arquivismo contra uma pulsão “anarquivica”,
expressão que Jacques Derrida usa em seu ensaio Mal de
arquivo: uma impressão freudiana. Como uma pulsão de
destruição de todo e qualquer arquivo, a “pulsão de morte”,
para Freud segundo Derrida, “trabalha para destruir o arquivo”
(DERRIDA, 2001, p. 17-36) apagando também seus próprios
traços. Esta “potência de morte” tende a destruir ou ainda a
disfarçar, maquiar, representar o arquivo. Contra essa
ameaça eminente há a vontade de conservação que Derrida
chama de “pulsão de arquivo”. Parece-me que este “mal”
4 Segundo relatos de Sergio Cohn em entrevista para Heyk Pimenta, o
primeiro poema que ele e seus amigos editores conheceram de Roberto
Piva foi Meteoro. Ele declara que conhece poema e poeta por acaso, e
com se tivesse sido lançado do espaço, tudo parece mudar. O poema
pode ser lido pela perspectiva apocalíptica, uma destruição que
impulsiona um recomeço. É o que parece ter representado para a criação
da revista Azougue: paixão. Portanto, tudo começou com um meteoro.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT