O (des) emprego em duas perspectivas keynesianas

AutorMaria Carolina Pinho Levy - Adriana Nunes Ferreira - Paulo Sérgio Fracalanza
CargoGraduada em Economia, mestre em Engenharia da Produção - Graduada em Economia, mestre em Engenharia da Produção - Professor Doutor e Coordenador da Pós-Graduação na área de Ciência Econômica do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas.
Páginas58-80

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Adriana Nunes Ferreira1

Maria Carolina Pinho Levy2

Paulo Sérgio Fracalanza3

1. Introdução

A obra de Keynes é inegavelmente o marco fundamental para o desenvolvimento da macroeconomia enquanto campo autônomo de desenvolvimento teórico e de concepção de políticas econômicas. De fato, a inluência

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do pensamento de Keynes reletese na existência de diversas escolas de pensamento econômico que, reverenciando suas contribuições, agregam preixos à denominação “keynesiano”. Desta forma, sugerese, com os epítetos assim formados, a continuidade e desenvolvimento da teoria nos marcos das interpretações contidas na obra original de Keynes. No entanto, grande parte dos desenvolvimentos teóricos da macroeconomia que seguiu a Keynes no tempo não é, de acordo com CHICK (1993), condizente com o “espírito” verdadeiramente keynesiano.

O keynesianismo, cuja morte fora anunciada por LUCAS (1980) no início dos anos 80, - dada a decadência dos desenvolvimentos teóricos e formulações políticas dos autores conhecidos como velhokeynesianos - ressurgiu com força redobrada na década de 90 sob a bandeira novokeynesiana. De acordo com MANKIW (1992), tal acontecimento poderia ser encarado como a reencarnação do keynesianismo, uma vez que emergia uma nova ortodoxia keynesiana, cuja missão essencial seria microfundamentar a macroeconomia em resposta às críticas formuladas pelos novoclássicos à macroeconomia keynesiana.4

Esta nova geração de autores keynesianos adquiriu, ao longo da década de 90, elevado grau de notoriedade, tendo suas prescrições políticas indicadas por importantes instituições supranacionais, e adotadas por governos diversos países5.

Em contraposição a estes keynesianos ortodoxos, temos autores denominados póskeynesianos que se evidenciam essencialmente pela rejeição dos rumos tomados pela ortodoxia keynesiana.

Os autores póskeynesianos alertam para o fato de que os novoskeynesianos estariam na verdade dilacerando a herança de Keynes. O fariam, por exemplo, ao utilizar nomenclaturas batizadas por este autor com conotação visceralmente distinta daquela imaginada por este. Podese dizer que a escola póskeynesiana congrega autores que, insatisfeitos

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com os desdobramentos recentes da macroeconomia, retornam à obra de Keynes para reforçar linhas interpretativas que se distanciam da moderna concepção hegemônica, ao mesmo tempo em que unem esforços no sentido do aperfeiçoamento e atualização teórica com o propósito de desenvolver um corpo de formulações próprias.

Dentro deste cenário, apresentado de forma genérica nos parágrafos anteriores, investigaremos ao longo deste artigo as posições teóricas das escolas de pensamento novokeynesiana e póskeynesiana sobre o tema do desemprego – que tomamos aqui, como Keynes, como o problema por excelência da análise macroeconômica. Buscaremos demonstrar quão diferentes são as respostas às questões: o que é o desemprego, e qual a natureza das políticas públicas adequadas à sua mitigação. Finalmente, exploraremos as raízes de tamanha discrepância entre autores cuja denominação sugere origem comum.

Veremos que no arcabouço novokeynesiano, apresentado no item 2, o desemprego é tido como um fenômeno decorrente do mau funcionamento do mercado de trabalho. Com efeito, seria este o lócus de determinação do nível de emprego e salários com base em curvas representativas dos comportamentos racionais de demandantes e ofertantes de mãodeobra. Neste referencial, portanto, tanto capitalistas quanto trabalhadores, ao fazer escolhas racionais, podem levar à ocorrência do desemprego, impedindo o equilíbrio ótimo do mercado de trabalho.

As diversas linhas de pesquisa desta escola de pensamento se desmembram em ramiicações voltadas ao estudo de situações particulares do mercado de trabalho. As principais delas são representadas pelos modelos de barganha salarial, contratos implícitos e salário eiciência. Cada um destes desenvolvimentos se debruça sobre uma coniguração particular das relações entre empregadores e trabalhadores, e, busca demonstrar a ocorrência de situações em que decisões racionais tomadas em ambientes onde vigoram imperfeições informacionais ou concorrenciais implicam ausência de equilíbrio no mercado de trabalho.

Conseqüentemente, como veremos, na teoria novokeynesiana, as prescrições de políticas adequadas para o combate ao desemprego estão intimamente relacionadas à remoção destas fontes de rigidez especíicas, caracterizadas como falhas de mercado, sem as quais o mercado de trabalho atingiria seu funcionamento ótimo nos moldes de um mercado competitivo.

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No terceiro item, em contraposição ao pensamento novokeynesiano, abordaremos a contribuição dos autores póskeynesianos que percebem o desemprego como um fenômeno decorrente da própria lógica de acumulação da economia capitalista. Para eles, a restrição da análise do desemprego ao mercado de trabalho obscurece as verdadeiras razões e a natureza deste fenômeno, inerente às condições de funcionamento normal da economia.

Na construção teórica póskeynesiana, as decisões dos capitalistas no que se refere ao emprego não são tomadas com base no mercado de trabalho – e é justamente este fato que caracteriza o desemprego como um problema macroeconômico. Desta maneira, à medida que eximese o mercado de trabalho de qualquer papel na determinação do nível de emprego, temse neste arcabouço, uma vez que os trabalhadores não aparecem como agentes relevantes em outros mercados, a percepção de que o desemprego seja involuntário.

Outros elementos tidos como característicos da economia capitalista também são apontados, pelos autores póskeynesianos, como determinantes de uma situação duradoura de desemprego involuntário. Dentre eles igura a caracterização do ambiente econômico como um palco de incertezas, o que obscurece o ambiente decisório dos capitalistas. Intrinsecamente relacionado ao anterior, está a existência da moeda, ativo líquido que pode desviar recursos da esfera produtiva – na qual são criados os postos de trabalho - para fazer frente aos acontecimentos nãoprevisíveis.

Diante desta breve exposição podemos observar a ocorrência de uma dicotomia nos rumos do pensamento econômico keynesiano em relação à questão do emprego. Mais do que isso, tal polarização dos argumentos pode ser notada não somente no que diz respeito ao desemprego, mas às formulações macroeconômicas em geral. Não se pode perder de vista também, que tais divergências se reletem diretamente sobre as prescrições políticas que quando desligadas de suas matrizes teóricas podem parecer esvaziadas de nexo.

Desta forma, no item 4 encontramse contrapostas as explicações novo e póskeynesianas a respeito do desemprego e das políticas públicas adequadas a seu combate. É inalmente nesta seção que se formalizam de forma explícita as divergências existentes entre estes autores, no que tange o desemprego, que podem ser tomadas como relexo de uma falta de identiicação entre os

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alicerces fundamentais de suas teorias. Portanto, concluise que apesar de ambas escolas usufruírem denominação keynesiana, são indubitavelmente visões de mundo irreconciliáveis que não podem ser tidas como originadas de uma mesma raiz.

2. Os novos-keynesianos

A escola novokeynesiana surgiu em resposta às teorias macroeconômicas monetaristas e novoclássicas, que, diante de um contexto de persistente estagnação acompanhada de inlação, obtiveram posição de destaque no debate econômico da década de setenta.

O impacto da ascensão de idéias que recuperavam em grande parte o arcabouço teórico neoclássico préKeynes, se contrapondo ao corpo teórico keynesiano até então hegemônico, foi tão intenso que o prêmio Nobel Lucas (1980) publicou no início da década de oitenta um artigo anunciando a morte do keynesianismo (MANKIW, 1992).

No entanto, já na década de noventa, o cenário das idéias econômicas parece ter se transformado. Mankiw (1992), em resposta a Lucas (1980), se incumbiu da publicação de um artigo intitulado “A reencarnação da economia keynesiana”. Neste artigo, Mankiw alegava que a teoria keynesiana teria reencarnado com o mesmo espírito do velhokeynesianismo, porém “em um corpo dotado de irmes músculos microeconômicos” (MANKIW, 1992: 559).

Os novoskeynesianos em geral se consideram herdeiros da tradição keynesiana. Com efeito, podem ser classiicados como keynesianos à medida que trazem de volta ao debate algumas questões exploradas por Keynes, como o desemprego involuntário e a quebra da dicotomia clássica entre variáveis reais e nominais, esquecidas durante décadas pelo ramo clássico da macroeconomia.

Paradoxalmente, apesar de aceitar resultados keynesianos, a economia novokeynesiana, sobretudo no âmbito das teorias do emprego, pode ser considerada uma continuidade em relação aos modelos neoclássicos do mercado de trabalho (FRACALANZA, 2002). Sem dúvida alguma, a incorporação de elementos keynesianos, a estes modelos, mediante o relaxamento de algumas hipóteses iniciais das teorias microeconômicas tradicionais, culmina na formulação de modelos de implicações interessantes, como a

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aceitação da necessidade de intervenção governamental em algumas situações especíicas, que não seriam concebíveis dentro do corpo teórico da microeconomia neoclássica.

Os autores da escola novokeynesiana, apesar de terem um ponto de partida comum, que pode ser a grosso modo descrito como a busca de microfundamentação dos resultados keynesianos através da identiicação de várias fontes de rigidez que desviem recorrentemente a economia do funcionamento autoequilibrador, não construíram um corpo teórico integrado. Talvez pela vasta gama de ramiicações - que se desenvolveram para o estudo de conigurações especíicas das relações do mercado de trabalho – ou mesmo por sua contemporaneidade se torna difícil fazer generalizações a respeito da vertente...

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