Desafios da erradicação do trabalho infantil

AutorOris de Oliveira
Páginas202-210

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1. Papel do IPEC

A complexidade dos condicionantes do trabalho infantil no Brasil impõe desafios de difícil, mas não impossível, superação.

Seu enfrentamento se iniciou em 1992 com aceitação da oferta da Organização Internacional do Trabalho — OIT de participar do Programa de IPEC.1Este programa não veio para oferecer suporte financeiro para programas ou projetos voltados para atendimento direto a crianças e adolescentes, mas para promover uma ampla mobilização, envolvendo a) entidades governamentais do poder federal, estadual e municipal; b) o Poder Judiciário em suas várias instâncias; c) o Poder Legislativo da União dos Estados, municípios e do Distrito Federal; d) a sociedade civil organizada por intermédio de suas associações corporativas, entre outras, confederações, federações e sindicatos patronais e de trabalhadores.

Houve uma feliz coincidência entre a chegada do IPEC com toda mobilização que bem pouco tinha havido em prol da promulgação da Constituição em 1988 e, sobretudo, com a que, logo depois, se dera visando à promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA com criação de conselhos de direito nacional, estaduais, municipais, de conselhos tutelares, tudo dentro de uma perspectiva “nova” encarando a proteção integral da criança e do adolescente. Neste contexto, tornou-se mais fácil inserir o tema do trabalho infantil como sendo uma violação de direito infanto-juvenil utilizando “infraestrutura” criada pelo ECA.

A primeira fase de enfrentamento do trabalho infantil caracterizou-se pela denúncia de sua existência, efetivaram-se as primeiras pesquisas de modalidades de trabalho que mais tarde receberiam a classificação de “piores formas”: trabalho em carvoarias, na indústria de calçados com uso de cola tóxica, em pedreiras e no corte de cana. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE foi acionado para publicação de levantamentos do

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trabalho infanto-juvenil em contexto mais amplo apontando, entre outros fatores conexos, a renda familiar, escolaridade2.

A intenção de ratificar a Convenção n. 138 sobre Idade Mínima, em 1973, da Organização Internacional do Trabalho — OIT obrigou a examinar a possibilidade em face do então marco legal brasileiro. Uma interpretação equivocada entendeu que não haveria possibilidade de ratificação sem alteração da norma constitucional3.

Pela atual redação do inc. XXXIII do art. 7º, as idades mínimas se alteraram para 16 anos e 14 anos na condição de aprendiz, o que possibilitou sem contestação ratificar a Convenção n. 138, que passou a viger no Brasil somente aos 28 de junho e 2002 com a indicação da idade mínima de 16 anos4.

A partir do momento em que a OIT enfatizou que se desse prioridade ao combate das “piores formas”, o Brasil ratificou a Convenção n. 182 sobre as piores formas de trabalho infantil, em 1999, que passou a ter vigência no direito nacional aos 13 de setembro de 2000.

2. Conceito de trabalho infantil

Por mais paradoxal que possa parecer, após mais de uma dezena de anos após início das ações e programas para erradicação do trabalho infantil, é muito comum, mesmo entre bacharéis em direito e até candidatos à pós-graduação, quando indagados haver as respostas são mais díspares sobre o que entendem sobre o tema. As respostas variam: abaixo dos 12, dos 14, dos 15 e dos 16 anos. Poucos indicam abaixo dos 18 quando trabalho é insalubre e perigoso. Isto porque se confundem dados do ECA (criança até 12 anos), da Constituição (14 para aprendizagem e 16 fora da aprendizagem) e da Convenção
n. 138 (15 anos). Isto sem falar na desinformação frequente na mídia. Nos documentos internacionais, entre eles a Convenção n. 138, o termo “criança” (niño, enfant, child) com respectivo adjetivo “infantil” recobre a idade da pessoa até 18 anos. Lato sensu, pois, é trabalho infantil o executado abaixo dos 18, o que não impede que a mesma Convenção permita trabalho abaixo desta idade, indicando a mínima de 15 anos, 13 anos para trabalho leve (art. 7º) excetuando o executado em institutos de profissionalização (art. 8º), ou em regime familiar (art. 5º) e sem mencionar idade em representações artísticas. Nos termos da Convenção, não é proibido nem deve ser erradicado todo trabalho abaixo dos 18 anos. A eliminação deve ser de trabalho abaixo da idade mínima (15 ou excepcionalmente 14). Ou abaixo dos 18 o insalubre, perigoso e prejudicial ao desenvolvimento físico, psíquico e moral.

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Quanto ao direito brasileiro, há nuanças próprias porque nem todo trabalho abaixo dos 18 anos é proibido. Em regime de emprego permite-se o em regime de aprendizagem aos 14 anos e o fora da profissionalização aos 16 anos5. Há disposição similar à norma internacional em relação ao trabalho insalubre e perigoso.

No direito brasileiro é trabalho infantil proibido stricto sensu o executado em regime de emprego dentro dos parâmetros acima apontados.

Quanto a outras relações de trabalho, prevalecem as ratificadas e incorporadas normas da Convenção n. 1386.

3. Condicionantes

Há consenso que o trabalho infantil como realidade sociológica não se explica por unicausalidade. Sem o conhecimento dos elementos condicionantes com suas peculiaridades, torna-se impossível elaborar projetos, estratégias para debelá-lo, ficando esclarecido que eles comumente atuam em conjunto, sendo que, em casos pontuais, um ou outro possa ter mais peso.

São eles:

a) Econômicos macro: modelo econômico concentrador

No processo de produção desde a implantação da revolução industrial no final do século XVIII houve capitalização com voraz e desumana utilização da mais barata e mais dócil mão de obra infanto-juvenil.

O processo se agrava com o modelo de concentração de renda que penaliza, sobretudo, as populações economicamente mais frágeis. O Brasil é um país repleto de contradições e marcado por uma intensa desigualdade social, reflexo da concentração de renda, tendo em vista que 1% (um por cento) da população rica detém 13,5% (treze e meio por cento) da renda nacional, contra os 50% (cinquenta por cento) mais pobres, que detêm 14,4% (quatorze vírgula quatro por cento) desta (IBGE, 2004). Essa desigualdade social constatada nos indicadores sociais traz consequências diretas nas condições de vida da população infanto-juvenil”7.

Pode-se acrescentar, inclusive no que diz respeito ao trabalho infantil.

Por outro lado há de se reconhecer que os progressos das condições econômicas ainda quando repassadas parcialmente oferecem melhores possibilidades de não utilização do trabalho infantil. Recentes informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

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