Desafios à utilização da economia comportamental no antitruste

AutorLuis Henrique Bertolino Braido
Páginas139-162
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Desafios à utilização da
economia comportamental
no antitruste
Luis Henrique Bertolino Braido
Este artigo versa sobre possíveis contribuições da economia experimental
para o antitruste e lista alguns desafios a serem superados. Antes, porém, su-
mariza as influências clássicas da área de modo a permitir uma comparação
desta com a proposta alternativa trazida pela economia comportamental.
A primeira seção descreve as bases filosóficas do pensamento econômico.
Aponta para o fato de a ética utilitarista — base da economia clássica e da aná-
lise antitruste — ser consequencialista e, portanto, ordenar as escolhas sociais
a partir do bem-estar que elas geram aos indivíduos. Discorre sobre como o
problema de atribuição de valor quantitativo ao bem-estar individual evoluiu
ao longo dos séculos e culminou nos conceitos de excedente do consumi-
dor e suas generalizações modernas, a variação equivalente e compensatória.
A seção discute também as dificuldades de se compararem medidas de bem-
-estar entre indivíduos, passando pela visão utilitarista cardinal, pela crítica
do utilitarismo ordinal e também por resultados recentes indicando a impos-
sibilidade de se agregar o bem-estar de agentes heterogêneos.
A segunda seção, por sua vez, expõe os pilares da economia comporta-
mental, apresentando os principais vieses cognitivos documentados. Debate
o caráter eminentemente empirista de parte significativa dessa literatura,
construída a partir da observação de padrões de comportamento humano
obtidos em experimentos e, com raras exceções, sem grandes esforços deduti-
vos, visando à compreensão de suas causas. O empirismo experimental puro
torna difícil a validação externa e a generalização dos padrões documentados.
A terceira seção faz uma breve discussão sobre se a origem de nos-
sos vieses cognitivos seria biológica — e, portanto, imutável — ou fruto de
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140 A aplicação do direito antitruste em ecossistemas digitais
aprendizado a partir de nossas experiências de vida. À luz dessa discussão,
apresenta o conceito de paternalismo libertário, o qual busca organizar o
ambiente de escolha de forma a compensar os vieses comportamentais do
ser humano sem, entretanto, restringir as opções disponíveis ao tomador
de decisão.
Segundo os norte-americanos Cass Sunstein (jurista renomado) e Ri-
chard Thaler (economista laureado com o prêmio Nobel em 2017) caberia
ao setor público induzir os indivíduos a “voluntariamente” escolherem o
que é “verdadeiramente melhor” para si, em vez daquilo advindo de seus
instintos “irracionais”. Entretanto, deve-se notar que, sob as hipóteses
subjacentes à economia comportamental, não seria possível auferir o bem-
-estar a partir da escolha individual, tornando indeterminado o conceito
de “verdadeiramente melhor”. A consistência interna do paternalismo li-
bertário depende de ética alternativa, não utilitarista, para determinar o
que seria desejável e indesejável ao ser humano irracional. Uma possível
saída seria adotar a ética utilizada na área de saúde para lidar com condi-
ções biologicamente determinadas e as psicologicamente construídas ao
longo da história dos indivíduos.
A seguir, a quarta seção discute algumas tentativas bem-sucedidas de
racionalização de vieses documentados pela economia comportamental.
Algumas dessas pesquisas estudam como custos de atenção, de busca (search)
e de troca (switching) poderiam levar agentes racionais a se comportarem
de modo estranho e aparentemente irracional. Outra parte foca o desenvol-
vimento de estruturas utilitaristas (matematicamente consistentes) capazes
de representar padrões de comportamento documentados experimental-
mente, tais como aversão a perdas, miopia, dificuldades de autocontrole e
vícios. Trata-se de agenda de pesquisa muito promissora, capaz de incor-
porar à análise econômica tradicional alguns dos padrões comportamentais
experimentalmente documentados.
A quinta seção traz uma discussão sobre as possíveis contribuições que
os experimentos comportamentais poderiam trazer ao antitruste. Sumariza
o estado da arte da análise concorrencial e discute o papel que o reconheci-
mento de vieses comportamentais teria sobre algumas questões tradicionais
da área, tais como: (i) o papel da competição de mercado quando os agentes
são racionais; (ii) a definição de mercado relevante; (iii) os efeitos potenciais
de condutas unilaterais; (iv) os riscos da experimentação online; (v) o equi-
líbrio de mercados em que os consumidores tenham custos para trocar de
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