Desaposentação no Supremo

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas184-192

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Dia 16.9.2010 o Ministro do STF Dias Tofolli, solicitou vistas dos autos de um Recurso Extraordinário proveniente do Rio Grande do Sul (RE n. 381.367) — unidade da Federação cujo TRF já sumulara a existência da pretensão — em que se discutia o direito à desaposentação.

A impressão que icava é que esse jovem magistrado votaria com o Ministro Marco Aurélio de Mello, relator daquele processo e que aprovou o instituto técnico da desaposentação.

Ministro Marco Aurélio de Mello

No ensejo, disse o Ministro Marco Aurélio: “É triste, mas é isso mesmo: o trabalhador alcança a aposentadoria, mas não pode usufruir o ócio com dignidade, sem decesso no padrão de vida. Ele retorna à atividade e, o fazendo, torna-se segurado obrigatório. Ele está compelido por lei a contribuir, mas contribui para nada, ou, melhor dizendo, para muito pouco, para fazer apenas jus ao salário-família e à reabilitação”.

Potencial de interessados

Segundo o MPS seriam mais de 600 mil aposentados por tempo de contribuição que voltaram ao trabalho e que, em tese, poderiam solicitar a desaposentação.

Ela representa uma renúncia expressa, oicial e formal por parte do jubilado que está recebendo um benefício legitimamente concedido, com a preservação do tempo de contribuição (que é indisponível), para cessar a manutenção desse primeiro benefício e ser requerido outro, no mesmo regime ou num outro regime de previdência social. Filosoicamente, ela pretende que ninguém, em hipótese alguma, seja prejudicado.

Acompanhar o STJ

Aparentemente o STF decidiria da mesma forma como vem fazendo o STJ, assegurando o direito à desaposentação, hipótese que praticamente forçaria a União a regulamentar a questão.

Restituição das mensalidades

Esperava-se que a decisão do STF, além do mérito básico, sopesasse o principal questionamento desse instituto técnico, que é a necessidade ou não da devolução das mensalidades até então recebidas pelo aposentado.

Adriane Bramante e Viviane Masotti reproduzem uma manifestação do STF: “Ademais, a controvérsia relativa à devolução dos valores percebidos a título de aposentadoria foi decidida com base na legislação infraconstitucional e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Assim, eventual ofensa à Constituição, se tivesse ocorrido, seria indireta, o que não viabiliza o processamento do recurso extraordinário” (ob. cit., p. 122-123).

Que adotasse os 30% máximos do Regulamento da Previdência Social, mandasse restituir todo o valor ou acolhesse a natureza alimentar das prestações, estabelecida constitucionalmente, ou então considerasse desnecessária a restituição. Mas, que resolvesse.

Posição do MPS

A Previdência Social tem se posicionado no sentido do retorno do pecúlio, desaparecido em 1994, quando as contribuições pessoais vertidas após a aposentação eram devolvidas àqueles que, inalmente, ingressaram no ocium cum dignitat.

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Revisão periódica

Não reconhecido oicialmente o direito à desaposentação e se ela for substituída por outra modalidade de aproveitamento das contribuições posteriores à aposentação, julgamos que será preferível haver revisões periódicas (por exemplo, a cada três anos) da renda mensal mantida, com fulcro nas contribuições posteriores.

Ouvido o matemático e respeitado o princípio do equilíbrio atuarial e inanceiro, não haveria prejuízo para o orçamento da previdência social, os acréscimos derivariam das novas contribuições.

Nestas condições seriam considerados os aportes proissionais (do trabalhador) e os patronais (da empresa), uma vez que na hipótese do pecúlio as cotizações patronais jazem no FPAS.

Voto de Teori Zavaski

“O RGPS tem natureza estatutária ou institucional e não contratual e, por este motivo, deve ser sempre regrado por lei sem qualquer espaço para intervenção da vontade individual.”

Que seja institucional é possível aceitar, mas não que inadmita a vontade do segurado, fato que acontece com a maior frequência a partir do princípio constitucional do direito de trabalhar.

Ele acresce: “Não é preciso enfatizar que de renúncia não se trata, mas substituição de um benefício menor por um maior, uma espécie de progressão de escala”.

Se levarmos em conta que na substituição, igura inexistente no Direito Previdenciário, o pressuposto é uma abdicação, o argumento se esvazia. Como o segurado não pode receber os dois benefícios e somente ele pode decidir sobre sua extinção, a renúncia é inevitável.

O início do julgamento do RE n. 661.256 por parte do STF tratando da desaposentação foi auspicioso para os interessados e um tanto decepcionante para os estudiosos do Direito Previdenciário. Sem embargo de a questão não ser constitucional foram feitas dezenas de alusões à Carta Magna, algumas delas desnudando o desconhecimento do conceito básico de previdência social, significado do regime de repartição simples, do princípio da solidariedade e o que quer dizer o próprio instituto técnico da desaposentação. Além de certa confusão com pedido de revisão e transformação de benefícios.

Revisão de benefícios

Revisão de benefícios pressupõe um equívoco material ou formal na instrução da concessão ou por ocasião dos reajustes; a transformação não exige volta ao trabalho nem eventual restituição. A desaposentação parte da regularidade, legalidade e legitimidade da concessão inicial da primeira aposentadoria.

Os exageros retóricos impressionaram, revelaram a inteligência e paixão dos defensores dos pontos de vista das duas partes, mas não contribuíram para delimitar o assunto a ser debatido.

Equilíbrio atuarial e financeiro

Uma preocupação com o equilíbrio atuarial e inanceiro da seguridade social foi notável e merece encômios, um ato de responsabilidade a ser aplaudido. Pois ele é um dos pressupostos da desaposentação, ainda que isso tenha sido ressaltado.

Acumulação de prestações

A teoria da desaposentação não objetiva acumulação de um com outro benefício, aliás, proibida pelo art. 124 da Lei
n. 8.213/91 e pela lógica do sistema, mas um recálculo da renda mensal do primeiro, suplementado com os elementos materiais emergidos após a volta ao trabalho. Uma aferição hodierna que não poderia contar com o fator previdenciário do primeiro benefício como quis o relator.

A solidariedade securitária cifra-se na contribuição; o benefício é sua necessária contrapartida. A contribuição é de todos, da sociedade, os benefícios, de alguns.

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Diz o Ministro Barroso: “Em razão do princípio da solidariedade, não se exige uma correspondência estrita entre contribuição e benefício, até porque o sistema ampara pessoas que nunca contribuíram ou contribuíram de maneira muito limitada. Por outro lado, tendo em vista o caráter contributivo do modelo, exige-se algum grau de comutatividade entre o que se recolhe e o que se recebe. Como consequência, não é legítima a cobrança feita ao segurado sem qualquer contraprestação efetiva ou potencial” (grifos nossos).

Realmente, considerada em termos globais não há correlação entre contribuição e prestações. Uma maioria recolhe em favor de uma minoria (a dos beneiciários). Mas, como ressaltado, individualmente sopesado o fator previdenciário criou uma correlatividade entre a cotização e o benefício (que já existia em menor intensidade), daí concordar-se não ser possível participação pecuniária obrigatória sem contrapartida num sistema previdenciário, mas acolhida num sistema securitário.

Essa contrapartida é de escolha do legislador (no passado criou o pecúlio) e poderá amanhã imaginar outra solução, sempre favorecendo aquele...

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