Sanção pelo descumprimento dos deveres instrumentais nas imunidades, isenções, anistia e remissão

AutorAndréia Fogaça Maricato
CargoEspecialista em Direito Tributário pelo COGEAE-PUC/SP. Mestre e Doutoranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora Assistente do COGEAE-PUC/SP. Advogada
Páginas188-201

Page 188

Introdução

O tema deveres instrumentais, por não ser tão explorado, levanta inúmeros conflitos, propiciando o surgimento de questões bastante atuais e polêmicas. Por se tratar de assunto de alta complexidade, detentor de muitas particularidades, muitas questões que envolvem o assunto ora proposto, ainda merecem a atenção dogmática do Direito.

Para isto, tendo em mente que, os deveres instrumentais têm como função ope-racionalizar a regra-matriz de incidência tributária, trataremos neste trabalho da sanção pelo descumprimento dos deveres instrumentais aplicados aos casos de imunidade, isenção, remissão e anistia.

1. Delimitação do objeto

Faremos um corte metodológico na apreensão do processo de conhecimento. Na medida em que não pretendemos tratá-lo como objeto autônomo de investigação, limitar-nos-emos a explicar o papel desempenhado pela linguagem dentro da operação cognitiva, mostrando em que medida a linguagem, enquanto manifestação cultural, influencia a teoria do conhecimento.

Firmada essa premissa - que o conhecimento se opera mediante construção linguística -, podemos afirmar que não existe fato antes da interpretação. É mediante interpretações, construções de sentido e significações que o homem chega aos even-

Page 189

tos, aos acontecimentos do mundo circundante, sendo imprescindível a existência de um corpo linguístico para fazer a conexão entre o homem e a realidade. Todavia, isto não significa que inexiste qualquer ob-jeto físico quando não houver linguagem. O que estamos falando é que só teremos acesso às coisas que existem no mundo por meio da linguagem. Como leciona Paulo de Barros Carvalho,1 "conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciado sobre ele, de tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas". O conhecimento pressupõe a existência de linguagem, cria ou constitui a realidade sendo impossível conhecer as coisas como elas se apresentam fisicamente, fora dos discursos a que elas se referem.

Por isto, o mundo não é um conjunto de coisas que primeiro se apresentam e, depois, são nomeadas ou representadas por uma linguagem. Isso que chamamos de mundo nada mais é que uma interpretação, sem a qual nada faria sentido.2

Portanto, temos que a linguagem não só fala do objeto (Ciência do Direito - me-talinguagem), como participa de sua constituição (direito positivo - linguagem-ob-jeto). Assim, não há manifestação do direito sem uma linguagem, idiomática ou não, que lhe sirva de veículo de expressão, aqui tomado na sua acepção normativa, como conjunto de normas jurídicas válidas vigentes num sistema, em um determinado momento histórico.

2. Dever instrumental

Os deveres instrumentais regulam a atuação do contribuinte, pois são tidos como normas de conduta. Paulo de Barros Carvalho3 define os chamados deveres ins-trumentais como sendo os elos concebidos visando ao aparecimento de deveres jurídicos, que os súditos do Estado, sujeito ativo (Fisco), têm a obrigação de respeitar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos. Em suas palavras: "São liames concebidos para produzirem o aparecimento dos deveres jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos. É dever de todos prestar informações ao poder público, executando certos atos e tomando determinadas providências de interesse geral, para que a disciplina do relacionamento comunitário e a administração da ordem pública ganhem dimensões reais concretas. Nessa direção, o cumprimento de incontáveis deveres é exigido de todas as pessoas, no plano sanitário, urbanístico, agrário, de trânsito, etc., e também, no que entende com a atividade tributante que o Estado exerce".

Exceto a obrigação de levar certa quantia em dinheiro aos cofres públicos, advinda da relação jurídica tributária em sentido estrito que, por sua vez consiste no vínculo estabelecido entre sujeito ativo (Fisco) e o sujeito passivo (contribuinte), acarretando, por conseguinte, um direito subjetivo ao Estado, por meio da Administração, e dever jurídico ao contribuinte, todos os demais deveres impostos a esse mesmo sujeito passivo, defronte ao tributo instituído, com a inerente característica da impossibilidade de mensuração econômica, de cunho administrativo, devem ser entendidos como deveres instrumentais.

É por meio dos deveres instrumentais que o Estado consegue fazer o controle, no que tange à observação do cumprimento das obrigações inerentes à instituição dos gravames fiscais e nos casos em que, como exemplos, temos: a expedição de notas fiscais, a prestação de informações, a emissão de faturas, a escrituração de livros, o registro do papel imune, dentre outros.

Os deveres instrumentais cumprem um importante papel na implantação do tributo. Por se tratar de um dever de fazer

Page 190

ou não fazer, a sua observância depende de documentação em linguagem competente de tudo o que diz respeito ao tributo.

A causa geradora dos deveres instrumentais é a lei. Assim, ocorrida a situação descrita na norma, nasce o dever de fazer, não fazer ou tolerar, sem cunho pecuniário.

O art. 113, § 2o, do CTN determina que, ocorrido no mundo fenomênico o evento previsto no antecedente da norma jurídica geral e abstrata e vertido em linguagem competente com a produção da norma individual e concreta, isto faz nascer a relação jurídica que tem por objeto o adimplemento, pelo sujeito passivo, de uma conduta - de fazer ou de não fazer -, que possibilite à administração tributária tomar o conhecimento da ocorrência de um fato jurídico tributário ou outro que seja no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

A lei tributária estabelece diversos deveres ao sujeito passivo, a fim de que constituam em linguagem competente eventos do mundo social sobre os quais o direito atua, com o objetivo de atingir seus propósitos originários, ou seja, enquanto sujeito passivo, cumpre os deveres instrumentais que lhe são impostos, relata em linguagem os eventos do mundo fenomênico, dando ao Fisco a possibilidade de constituir o fato jurídico tributário, que, sem eles, muitas vezes não poderão se constituídos na forma jurídica própria.

Esta norma jurídica pode obrigar que o sujeito passivo suporte (conduta humana de não fazer algo) a atividade de fiscalização efetuada pela pessoa competente, em confirmação ao disposto no art. 1964 do CTN. Pode ainda a administração intimar terceiro para que preste informações sobre a pessoa fiscalizada de modo a permitir que o ente competente apure eventual nascimento de obrigação tributária material (art. 1975 do CTN). Ressaltamos que toda atividade de fiscalização deve obedecer ao princípio do contraditório e da ampla defesa, expresso no art. 5o, inciso LV, da Magna Carta. Apenas queremos mostrar que as relações jurídicas decorrentes dos deveres instrumentais consistem não só um fazer, como suportar um não fazer pelo sujeito passivo desta relação, com o objetivo de verificar possível nascimento e cumprimento do objeto de uma obrigação tributária material ou principal.

O fato jurídico do dever instrumental é qualquer situação que torne obrigatória a prática ou a abstenção de atos, isto é, qualquer ocorrência fática prevista na lei tributária que imponha um fazer, não fazer ou tolerar de natureza tributária, excluída a obrigação de pagar o tributo. E nasce ele da ocorrência do respectivo fato jurídico, ou, como prefere Luciano Amaro,6 no momento da ocorrência do "pressuposto de fato legalmente definido". Neste diapasão, os deveres instrumentais tributários são previstos nas normas gerais e abstratas que

Page 191

fazem nascer a relação jurídica de cunho não patrimonial em face dos fatos previstos no antecedente daquelas.

O cumprimento dos deveres instrumentais não é linguagem competente para constituir a obrigação tributária, esta só ingressa no mundo jurídico por meio da norma individual e concreta posta pelo particular ou Administração. Mas é linguagem competente para comprovar ser beneficiário, por exemplo, de uma imunidade, porque, caso um dos pressupostos do referido exemplo não sejam atendidos, o agente público competente estará obrigado a averiguar se essa circunstância ensejou o nascimento de uma relação jurídica tributária que obrigue o recolhimento de valores ao erário a título de tributo, efetuando, se for o caso e sob pena de responsabilidade, o lançamento das quantias devidas ou em sua suspensão até ulterior regularização.

Ocorrido o evento do dever instrumental no mundo fenomênico, ele só se tornará fato jurídico do dever instrumental mediante linguagem competente fornecida por meio da teoria das provas. Assim como a regra-matriz de incidência tributária necessita de uma linguagem competente que a constitua, o dever instrumental também necessita de uma linguagem competente que o constitua. Ou seja, o dever instrumental vai nascer para o contribuinte ou para quem a lei determina no momento em que, ocorrido o fato descrito na regra de dever instrumental, por meio da linguagem competente, nascerá a relação jurídica de conteúdo não patrimonial determinando em seu objeto a prestação de fazer ou não fazer.

Cabe esclarecer que o fato jurídico do dever...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT