Crenças, desejos e a luta de classes

AutorDuilio Avila Berni
CargoDepartamento de Economia da PUCRS
Páginas119-141
CRENÇAS, DESEJOS E A LUTA DE CLASSES
Duilio de Avila Bêrni1
Resumo
As limitações impostas à compreensão dos processos de escolha carre-
gadas pela excessiva conf‌iança na teoria da escolha racional ou – pa-
radoxalmente – em sua crítica furibunda são avaliadas e questionadas,
sob um ponto de vista pragmático. O modelo tradicional sustenta que
são as crenças do indivíduo que determinam seus desejos. Relacionando
crenças e convenções, o ensaio explora a condição expressa pelo estado
oposto, ou seja, o contexto em que são os desejos que determinam as
crenças. A escolha individual agregada por meio do mercado, a escolha
coletiva resultante da criação e evolução de regras e convenções e, por
f‌im, a criação de instituições também são avaliadas. Com esta moldura
conceitual, buscamos enquadrar as relações entre os pólos da geração,
apropriação e absorção de bens e serviços, tentando entender um elo
importante da cadeia de relações sociais, nomeadamente, a agregação
de preferências por meio do mercado político.
Palavras-chave: metodologia econômica, escolha racional, teoria dos
jogos, f‌luxo circular da renda
JEL Classif‌ication: B41, C70
1 Do Departamento de Economia da PUCRS e ex-professor do Departamento de Economia da UFSC.
À época da redação f‌inal deste ensaio, encontrava-me realizando um estágio pós-doutoral na Freie
Universität Berlin. Seguindo e editando as idéias trabalhadas em Bêrni (2005) e Bêrni et.al (2005), aqui
há algumas frases em comum, para não falar em duplicações talvez encontráveis nos seguintes autores:
Akerlof (1970), Bator (1992), Bêrni (2004), Bêrni (2005), Bernstein (1997), Binmore (1992), Blaug (1976),
Bronfenbrenner (1966), Carling (1986), Cirne-Lima (2001), Corazza org. (2003), Elster (1989), Feyera-
bend (1977), Fitzgerald (1968), Foley (Acesso em 13.ago.2004), Foley (Acesso em: 13.ago.2004), Gintis
(2001), Kahneman & Riepe (1998), Lange (1985), Levine, Sober & Wright (1987), Little (1996), Maslow
(1943), Nell (1982), Nicolau (2002), Olson (1971), Potts (2001), Poundstone (1993), Rawls (1983), Rego
(1996), Ricketts (1994), Rowthonr (1982), Smith (1982), Smith (Acesso em: 01.06.2004a), Smith (Acesso
em: 01.06.2004b), Stigler (1968), Sutherland (1992), Tauille (1981).
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Duilio de Avila Bêrni
Textos de Economia, Florianópolis, v.9, n.2, p.119-141, jul./dez.2006
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
As tradicionais explicações dos processos de escolha individual consi-
deram que as crenças, entendidas como as expectativas que o indivíduo Ivo
detém sobre o que os demais irão fazer, afetam unilateralmente os desejos
do próprio Ivo. Nossa intenção é fazermos investidas aqui e ali para con-
frontar o ambiente da teoria econômica convencional com algumas críticas
heterodoxas, sustentando que crenças determinan desejos mas também
que desejos podem afetar a estrutura das crenças. No caso da heterodoxia,
esta é tão radical que chega a desprezar o conceito de preferências e seus
desdobramentos, quando se trata de buscar as razões da ação (processo
de escolha) individual. Por não levar em conta o mecanismo de mercado
como um dos ambientes sociais em que as preferências individuais são
agregadas, faz coro à moldura do tradicional f‌luxo circular da renda. Ao
destacar exclusivamente o mercado de bens e o de fatores, ele (f‌luxo) e ela
(heterodoxia) deixam intocados alguns territórios importantes dos reinos
da velha e da nova economia política. Especif‌icamente, o funcionamento
do mercado político e a compra e venda de direitos de propriedade que nele
se realizam são insuf‌icientemente tratados.
Ainda que portando reservas ideológicas contra nossas próprias pre-
ferências, podemos aceitar provisoriamente a relevância do conceito de
utilidade, tão importante para o neoclassicismo quanto para a nova economia
política. Fossem entrevistados sobre o tema, Smith, Ricardo e Marx não
negariam nutrir preferências relativamente a determinados cursos de ação
- ato de consumir bens e serviços, em particular - em detrimento de outros
atos. O que, talvez, lhes recebesse reproche unânime seria a proposta de
que o objeto de estudo da economia política reside em entender - citando
Hymer (1971) livremente - a questão de como as camisas de Robinson
Crusoé relacionam-se com seu potinho de açúcar.
Por falar em utilidade, poderá mostrar-se adequado, no devido tem-
po, mas servindo agora para contextualizar as questões mais amplas que
circunscrevem os temas aqui tratados, mensurar a distância existente entre
os adeptos da teoria da escolha racional e os arautos do uso de um método
exclusivamente dedutivo para basear a pesquisa da moderna economia
política. Modernamente, a ciência da alocação de recursos e a ciência do
estudo dos conf‌litos de poder (LANGE, 1972; WORLAND, 1972) têm em

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