Desemprego, distintas modalidades de precarização do emprego e formação dos trabalhadores

AutorFrancisco José Lima Sales
CargoUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)
Páginas45-52

Page 46

1 Introdução

A sociedade, ao se complexificar, em função do desenvolvimento capitalista, sofreu importantes alterações nas formas por meio das quais ocorrem a acumulação do capital. Mudaram, pelo menos na forma, a empresa, o mercado, o Estado, o processo produtivo e as relações de produção. Portanto, já não bastaria aos trabalhadores apenas saber ler, escrever e contar. O capital passou a exigir trabalhadores, cuja formação fosse compatível com as necessidades desse processo de mudanças, no respectivo momento histórico.

Ao mesmo tempo em que se observa a diminuição da demanda por força de trabalho; por outro, observam-se o aumento do exército de reserva e o nível de exigência quanto à qualificação dos trabalhadores. Historicamente, tais fenômenos sempre colocaram o trabalhador numa condição desfavorável na sua relação com

o capital. Mudaram apenas as formas contratuais de exploração do trabalho, mas o seu conteúdo e função continuam determinados pelo capital.

Em meio à polêmica que surgiu em torno das implicações que a reestruturação produtiva estaria provocando no mundo do trabalho, observou-se o surgimento de um novo discurso que se encarregou de difundir a idéia de que o mundo capitalista, na atualidade, estaria passando por mudanças tão profundas, a ponto de não possuir mais nenhuma relação com o passado. Iniciada a partir da década de 1970, tal reestruturação estaria produzindo aceleradas modificações sobre a estrutura material do trabalho, a subjetividade e a identidade dos trabalhadores.

Como ocorrera em outros momentos da história do capitalismo, essas mudanças suprimiram formulações e adotaram novas orientações, visando à continuação do sistema.

2 As implicações da reestruturação produtiva no mundo do trabalho

O desenvolvimento do maquinário técnicocientífico, das formas de organização e gerenciamento do processo de trabalho, das diversas modalidades de flexibilização, bem como a desconcentração do espaço físico produtivo, o deslocamento da economia de escala (produção em série de produtos padronizados) para uma economia de escopo (fundada na capacidade de adaptação e inovação de produtos e processos) teriam feito desaparecer todo e qualquer vestígio do antigo processo produtivo. Os pretéritos princípios de padronização, especialização, sincronização e centralização do binômio tayloristafordista teriam cedido lugar à produção flexível. Fundada a partir da flexibilização das formas de organização do trabalho e da produção, essa estratégia de reestruturação teria se valido da aplicação de equipamentos de base microeletrônica e técnicas organizacionais, de inspiração japonesa.

Tal reestruturação seria responsável ainda pelo nascimento de um novo trabalhador, altamente qualificado, polivalente e autônomo. Detentor de conhecimentos teóricos gerais, o trabalhador da época da acumulação flexível desenvolveria raciocínios lógico-matemáticos e utilizaria saberes científicos para discutir os óbices ao desenvolvimento da sua empresa. Isso teria resultado no fim do indivíduo especializado, taylorizado, condenado a desenvolver uma única atividade ao longo do seu percurso laboral.

Os desdobramentos desse processo se fizeram sentir, igualmente, tanto na redução quantitativa da força de trabalho estável estruturada por meio de empregos formais, quanto na alteração da composição e da qualidade do emprego, que revelaram o desenvolvimento de uma infinidade de condições heterogêneas de trabalho. Para Antunes (2006), atualmente, quase um terço da força de trabalho humana apta para o trabalho, em escala mundial, ou se encontraria exercendo trabalhos parciais, precários, temporários, ou já vivenciaria o desemprego estrutural.

Embora ocorressem em ritmos desiguais entre os países considerados centrais e periféricos, a aplicação das inovações técnico-organizacionais manifestou, como problema comum, a destruição e eliminação de postos de trabalho, resultando num desemprego estrutural sem precedentes, inclusive, nos países mais avançados da Europa que, juntamente com os Estados Unidos e o Japão, formam o centro propulsor e decisivo da economia mundial1.

Vale observar que, mesmo nos países mais desenvolvidos, o novo modelo não só contribuiu para a diminuição quantitativa dos empregos qualificados, principalmente, no setor industrial, como também, ao recriá-los no setor de serviços, não o fez na mesma proporção dos trabalhadores deslocados pelas modernas tecnologias e em segmentos de baixos requisitos de qualificação e, por isso caracterizados pelos baixos salários.

A criação de empregos em setores de maior densidade tecnológica ou não, que deve ter ocorrido, não conseguiu modificar esse cenário, pelo fato de o moderno processo de produção de mercadorias, em geral, utilizar mais o trabalho morto do que de trabalho vivo, ou seja, o capital, ao utilizar novas tecnologias, multiplicação dos meios de produção, que aumentam a produtividade, ao mesmo tempo, elimina, também, da esfera da produção, parcelas significativas do trabalho vivo dos operários. No entanto, a visão corrente tendeu a atribuir essa mudança apenas aos avanços tecnológicos, os quais passam a servir de justificativa até aos próprios trabalhadores, para explicar o fenômeno do desemprego. O deslocamento dessa força de trabalho das fábricas, pelo uso da maquinaria, para o mercado de trabalho, resultou no crescimento do número de trabalhadores disponíveis para aPage 47 exploração capitalista.

O extraordinárioincremento das forças produtivas observado, nos últimos anos, em velocidade e grau jamais vistos, em função, sobretudo, de um dos elementos determinantes do movimento do capital– a concorrência intercapitalista – possibilitou que a produção de mercadorias comportasse um menor quantum de valor (trabalho abstrato), oportunizando uma substancial redução do valor das mercadorias em geral, até mesmo o da força de trabalho, implicando, contraditoriamente, dois efeitos distintos, porém, articulados.

O primeiro, sem precedentes na história, foi o acréscimo daliberação de força de trabalho, formada tanto pelo contingente de trabalhadores que foi desempregado como pelos que não serão empregados, fenômeno denominado por alguns teóricos de desemprego estrutural. O segundo foi a acentuada diminuição da taxa de lucro e, conseqüentemente, da taxa de acumulação, tendo em vista o considerável e necessário aumento da composição orgânica do capital, isto é, do investimento proporcionalmente maior em capital constante do que em capital variável.

Esse último problema – o aumento da composição orgânica do capital – se multiplicou, exponencialmente, à medida que os meios e instrumentos de trabalho, de base microeletrônica, utilizados na produção, segundo o discurso dominante, tenderiam a prescindir, cada vez mais, da força de trabalho, única e exclusiva mercadoria que, na condição de valor de uso do capitalista, é capaz de produzir valor, portanto mais-valia e, consequentemente, capital.

A rigor, isso não significa que as novas tecnologias,isto é, o aumento da composição técnica do capital seja determinante para o desemprego estrutural. Na verdade, o resultado imediato do desenvolvimento do processo produtivo é o aumento da produtividade e não a elevação do desemprego. Para Marx (1985, p. 56), o desenvolvimento tecnológico não seria o responsável direto pela liberação da força de trabalho, haja vista que as

[...] contradições e os antagonismos inseparáveis da utilização capitalista da maquinaria não existem porque decorrem da própria maquinaria, mas de sua utilização capitalista! [...] considerada em si, a maquinaria encurta o tempo de trabalho, enquanto utilizada como capital aumenta a jornada de trabalho; em si, facilita o trabalho, utilizada como capital aumenta a sua intensidade; em si, é uma vitória do homem sobre a força da natureza, utilizada como capitalsubmete o homem por meio da força da Natureza; em si, aumenta a riqueza do produtor, utilizada como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT