Desigualdades de gênero, família e trabalho: mudanças e permanências no cenário Brasileiro

AutorMoema de Castro Guedes e Clara Araújo
Páginas61-79
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Niterói, v.12, n.1, p. 61-79, 2. sem. 2011
DESIGUALDADES DE GÊNERO, FAMÍLIA E
TRABALHO: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS
NO CENÁRIO BRASILEIRO
Moema de Castro Guedes
Departamento de Ciências Sociais da UFRRJ
E- mail: moguedes@yahoo.com.br
Clara Araújo
Departamento de Ciências Sociais da UERJ
E-mail: claramaria.araujo@gmail.com
Resumo: O inventário do século XX tem como forte registro o protago-
nismo das mulheres em relação à alteração de seus lugares e posições
sociais. Este é um lado da história. O outro, é o da permanência e da re-
produção de elevadas desigualdades sociais entre os sexos, apesar da ge-
neralização das conquistas em termos de direitos políticos, civis e sociais
em favor das mulheres. O mercado de trabalho se configurou como um
lócus de análise que reflete as rupturas e continuidades nas desigualda-
des de gênero. Analisar o trabalho das mulheres implica pensar, também,
as formas como sua vida doméstica e familiar mediam suas atividades
públicas. Diante disso, o presente estudo ressalta alguns traços centrais
dos deslocamentos dos lugares tradicionalmente ocupados pelas mulhe-
res a partir dos resultados mais recentes de diversas variáveis da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE).
Palavras-chave: desigualdades de gênero, mercado de trabalho, vida fa-
miliar e doméstica
Abstract: The women’s prominence in terms of changes in their places and
social positions is one of the most important registers of the 20th century in-
ventory. This is one side of the story. The other is the permanence and repro-
duction of great social inequalities between sexes, despite the generalization
of women’s achievements in terms of political, civil and social rights. Labor
market has become an analytic locus that reflects ruptures e continuities in
gender inequalities. Analyze women’s work implies too, in the need of think
about the ways domestic and family life impact their public activities. In this
context, this study highlights some central aspects of the shifts at places tra-
ditionally occupied by women based on the mostly recent results of several
variables from the Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE).
Key words: gender inequalities, labor market, domestic and family life
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Analisar o trabalho das mulheres implica pensar, também, as formas
como sua vida doméstica e familiar mediam suas atividades públicas. En-
tão aqui são ressaltados alguns traços centrais e o perfil da estrutura fami-
liar brasileira e dos deslocamentos dos lugares tradicionalmente ocupados
pelas mulheres. As intensas mudanças assistidas na identidade feminina,
seja no âmbito privado seja no público, marcaram e redesenharam de
modo mais acentuado o perfil da família brasileira nos últimos vinte anos.
Em linhas gerais, apesar de a composição majoritária continuar sendo o ca-
sal com filhos, outros tipos de arranjo vem emergindo de forma crescente.
Enquanto em 1998, 55,8% das famílias brasileiras eram compostas deste
modo, em 2008 o peso relativo deste arranjo cai para 48,2% (Tabela 1). Re-
flexos diretos de uma maior valorização do ethos individualista, o aumen-
to relativo do peso de indivíduos que moram sozinhos e casais sem filhos
são a maior expressão das mudanças observadas. Em 1998 estes arranjos
respondiam por, respectivamente, 8,4% e 13,6% das famílias. E em 2008 al-
cançam 11,6% e 16,6%, respectivamente. Mesmo no arranjo mais tradicio-
nal, do casal com filhos, a família brasileira vem diminuindo, o que reflete,
também, os significativos aumentos nas taxas de participação laboral fe-
minina e as sucessivas quedas no número médio de filhos por mulher. Essa
tendência ganha relevância no contexto brasileiro já que a Taxa de Fecun-
didade Total observada a partir de dados da PNAD 2008 é 1,89 filhos por
mulher, o que representa menos que a reposição populacional no longo
prazo. Apesar da proximidade com o equilíbrio (a reposição exata seriam
2,1 filhos por mulher) o fato de tratar-se de uma medida que sintetiza ex-
periências reprodutivas bastante diversas chama atenção para a realidade
de alguns segmentos sociais nos quais estas taxas se encontram bastante
abaixo da reposição.
Essa problemática remete diretamente às relações de gênero, uma
vez que o fenômeno aparece como resultado de uma dissonância entre os
avanços femininos no mercado de trabalho e a permanência das tarefas re-
lativas ao cuidado com os filhos quase exclusivamente sob responsabilida-
de das mulheres. A constatação de que os avanços das mulheres no campo
profissional não vêm sendo acompanhados por um processo de “desnatu-
ralização” dos tradicionais papéis femininos vinculados ao nascimento de
filhos e pela desconcentração do trabalho reprodutivo na figura da mãe,
parece fazer com que esta experiência seja postergada até um limite máxi-
mo possível ou mesmo deixe de figurar nos planos de algumas mulheres,
particularmente daquelas pertencentes aos segmentos mais escolarizados
da população brasileira.

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