Despacho saneador, audiências preliminares ao julgamento, saneamento e considerações sobre o gerenciamento do processo (case management) no Brasil

AutorMarcus Vinicius Kiyoshi Onodera
Páginas111-143
6.1. DEFINIÇÃO DE DESPACHO SANEADOR
Na clássica denição de Galeno Lacerda, despacho saneador pode ser carac-
terizado como decisão “proferida logo após a fase postulatória, na qual o juiz,
examinando a legitimidade da relação processual, nega ou admite a continuação
do processo ou da ação, dispondo, se necessário, sôbre a correção de vícios sa-
náveis”.1 A respeito, o autor expõe as características do instrumento processual:
O despacho saneador é dos marcos mais avançados dessa aspiração.
Colocado logo após a fase postulatória, no processo jurisdicional de co-
nhecimento, por meio dêle decide o juiz questões relativas à legitimidade
da relação processual. Dessa forma, pode ordenar o suprimento oportuno
de vícios sanáveis, e extinguir, no nascedouro, processos de constituição
maculada por defeito irremediável, ou não sanado.
Exame ocial, prévio e compulsório, do instrumento de prestação da ati-
vidade judiciária, tal como se congura após a litiscontestação e antes da
audiência para instrução do mérito, desnecessário será ressaltar-lhe a im-
portância excepcional, como manifestação do princípio de economia.
Graças a êle, deixam de realizar-se atos e despesas inúteis pela decisão da
questão prejudicial. Impede-se que processo inviável transponha os um-
brais da audiência. Ordena-se o suprimento oportuno de vícios sanáveis,
para que não contaminem os atos posteriores, libertos, assim, de repetições
ou raticações onerosas. Poupa-se tempo, evitam-se desperdícios.
Não se faça, porém, do despacho saneador a panacéia preclusiva de todos
os males do processo. Seria visão exagerada e irreal de seu alcance.2
1 LACERDA, Galeno. Despacho saneador, cit., p. 7.
2 LACERDA, Galeno. Despacho saneador, cit., p. 6.
6
DESPACHO SANEADOR, AUDIÊNCIAS
PRELIMINARES AO JULGAMENTO, SANEAMENTO E
CONSIDERAÇÕES SOBRE O GERENCIAMENTO DO
PROCESSO
(CASE MANAGEMENT)
NO BRASIL
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MARCUS VINICIUS KIYOSHI ONODERA
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Acerca da atividade saneadora, o mestre gaúcho ensina que:
Ora, a inspeção do processo, visando a êsse objetivo, é nitidamente sane-
adora, quer conclua o juiz a favor ou contra o seu prosseguimento. Sane-
adora, no primeiro caso, porque aberto o caminho para o conhecimento
do mérito; saneadora, no segundo, porque evita o desperdício de tempo
e esfôrço inúteis. Em ambas as situações, o ato de inspeção teve o mesmo
objetivo de expurgar, de limpar, de impedir o curso de demanda viciada.
Saneou-se a atividade do juiz e a das partes, muito embora os efeitos da
decisão tenham pôsto têrmo ao processo ou à lide.
Tendo em vista a posição que assumimos, quanto ao objeto de apreciação
do juiz, a denominação ideal, sem dúvida, é “decisão saneadora, porque
assim se abrangem numa só expressão os efeitos diversos do ato judicial.
Com esta reserva doutrinária, adotaremos, porém, o nome “despacho sa-
neador”, porque consagrado por lei e pelo uso de Portugal e Brasil.3
Gabriel REZENDE FILHO menciona que o despacho saneador “visa ex-
purgar o processo de possíveis vícios e irregularidades e ordenar a realização
de atos preparatórios para a instrução da causa.4 Alfredo BUZAID, por seu
turno, menciona que o despacho saneador tem origem no direito português
moderno5 e “não é sempre e necessariamente um ato único; a sua unidade for-
mal compõe-se de distintos atos, emanados do juízo em momentos sucessivos,
a m de atender à função para que foi criado.6 Acerca da inuência do direito
português, ensina:
Quem consegue levar às últimas consequências as conquistas do processo
é o legislador português, porque, servindo-se das importantes experiências
anteriores, atinge, no despacho saneador, aquêle supremo desejo de sim-
plicação, obedecendo à tendência cientíca dos nossos tempos. Ordena
ao juiz que conheça, antes de iniciar a instrução, não só os pressupostos
processuais, mas também as condições da ação; e até decidir o mérito, se
êle versar ùnicamente sôbre questão de direito e puder ser resolvido com
perfeita segurança, ou, sendo a questão de direito e de fato, ou só de fato,
o processo contiver todos os elementos necessários para um julgamento
consciencioso.
3 LACERDA, Galeno. Despacho saneador, cit., p. 12.
4 REZENDE FILHO, Gabriel. Curso de direito processual civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva. 1956.
v. 3, p. 9.
5 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 15.
6 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito, cit., p. 34.
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GERENCIAMENTO DO PROCESSO E O ACESSO À JUSTIÇA
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No direito português a simplicação é o resultado da racionalização do
processo.7
O Mestre expõe o intuito do legislador:
E, nalmente, no despacho saneador, cabe ao juiz determinar exame e vis-
torias e diligências, “ex ocio” ou a requerimento das partes. O intuito do
legislador foi o de exigir que o magistrado conhecesse atentamente os arti-
culados da causa, de modo que, ao proferir o despacho saneador, estivesse
inteirado da necessidade de tôdas as provas que hão de ser produzidas na
audiência, determinando a sua realização, não tanto para suprir deciên-
cias da parte quanto para formar o seu livre convencimento. De acôrdo
com a estrutura dialética do processo moderno, compete às partes o ônus
de alegar e provar os fatos; pode o juiz, no entanto, ordenar de ofício as
providências necessárias para formar a sua convicção.8
Conclui sua lição do seguinte modo:
O instituto do despacho saneador tem, no direito brasileiro, a função de
expurgar o processo de vícios e defeitos, vericar os pressupostos proces-
suais e a concorrência dos requisitos de admissibilidade da ação. Ele repre-
senta, sob êste aspecto, uma valiosa contribuição do direito luso-brasileiro
a m de racionalizar o processo civil.9
6.2. DEFINIÇÃO DE AUDIÊNCIA PRELIMINAR
A audiência preliminar prevista no art. 331, CPC/1973, era, por excelên-
cia, o momento processual de mais alta concentração de diversos atos do juiz
típicos do gerenciamento do processo, qual seja, case management. Primeiro,
incentivava as partes ao acordo. Segundo, acaso não fosse possível, o juiz, en-
tão, xava as questões do caso, decidia questões incidentes e determinava a
realização das provas a serem produzidas. Tal norma – art. 331, CPC/1973 –
segue transcrita na redação dada pela Lei n. 10.444, de 7.5.2002:
Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções prece-
dentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz desig-
nará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a
qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar
por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
7 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito, cit., p. 30.
8 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito, cit., p. 43.
9 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito, cit., p. 43-44.
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