Desvalorização interna e reforma trabalhista em Portugal

AutorNuno Rodrigues Teles Sampaio
CargoDoutor em Economia pela School of Oriental and African Studies, University of London, professor na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia
Páginas742-765
Cadernos do CEAS, Salv ador/Recife, n. 248, p. 742-765, set./dez., 2019 | ISSN 2447-861X
DESVALORIZAÇÃO INTERNA E REFORMA TRABALHISTA EM
PORTUGAL
Internal Devaluation and Labour Reform in Portugal
Nuno Teles (UFBA)
Informações do artigo
Recebido em 17/10/2019
Aceito em 25/11/2019
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n248.p742-765
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
TELES, Nuno. Desvalorização interna e reforma
trabalhista em Portugal. Cadernos do CEAS: Revista
Crítica de Humanidades. Salvador, n. 248, set./dez., p.
742-765, 2019. DOI: https://doi.org/10.25247/2447-
861X.2019.n248.p742-765
Resumo
A crise financeira global e sua declinação europeia na zona Euro,
a partir de 2011, forçaram Portugal a adotar uma política dita de
“desvalorização in terna”, onde a re forma trabalhista de 2012
assumiu importância central. Neste artigo procura-se escrutinar
as origens teóricas e institucionais que promoveram a política de
desvalorização interna e subsequente reforma trabalhista, bem
como os seus i mpactos até a atualidade. O papel da teoria da
“economia do t rabalho” neoclássica e das i nstituições
intern acionais como a Org anização para a Cooperação e
Desenvolvimento, o Fund o Mone tário Internacional e,
sobretudo, a União Europeia é exposto. Em 2011, servindo-se da
crise financeira qu e então afligia os países do Sul da Euro pa,
estas instituiçõ es f orçaram Portugal a adotar profu ndas
medidas de austeridade e u ma ref orma t rabalhista como
contrapartida dos seus empréstimos ofic iais. O resultado foi
uma profu nda recessão e um aumento do desempre go nunca
antes visto. Hoje, as medi das de desvalorização in terna são
celeb radas como estando na origem da presente recuperação
econômica e do emprego em Portu gal. Argumenta- se neste
artigo que a expl icação para a recuperação econômica baseada
na de svalorização i nterna é equi vocada. C ontudo, os se us
efei tos no aument o da vulnerabilidade dos tr abalhadores
portugue ses é ineq uívoca, o que f az temer as consequê ncias
sociais de futuras crises econômicas.
Palavras-chave: Portugal. Reforma Trabalhista.
Desvalorização Interna.
Abstract
The global financial crisis and its impacts in the Eurozone, since
2011, forced Portugal to adopt a so-called “internal devaluation”
policy, where labour reform played a central role. Attention is
drawned in thi s article to the ro le played by both neoclassical
“labour economics” theory and international institutions such as
the Organisation for Economic Cooperation and Development,
the Internation al Monetary Fund and, above all, the European
Union. In 2011, l everaging the vulnerable position of southern
european states then afflicted b y financial stress, these
instituti ons imposed deep austerity measures and a l abour
market reform in return for the official l oans then granted to
these c ountries. The internal devaluati on” policy is now
celebrated as being key for the current economic and
employment recovery i n th is cou ntry. In t his arti cle, the
theoretical and institutional origi ns of such measures are
scrutiniz ed as well as their lasting impacts. It is argued that the
current economic recovery bears a very th in relation with the
“internal devaluation” measures. Instead, such pol icy have
enhanced the vulnerabil ity of portugu ese workers, who now
stand in a fragile p osition when facing futur e economic
downturns.
Keywords: Por tugal. Labour market reform. Internal
Devaluation.
Cadernos do CEAS, Sal vador/Recife, n. 248, p. 742-765, set./dez., 2019
743
Desvalorização interna e reforma trabalhista em Portugal | Nuno Tel es
Introdução
Depois de um primeiro a to da crise financeira global em 2018 -2019, onde o contágio
da crise d os grandes centros financeiros à economia internacional deu -se sob retudo pelo
colapso do comércio internacional, em 2011, num segundo ato da crise, a zona Euro
atravessou uma profunda recessão que colo cou em causa a própria moeda única (TOOZE,
2018). Neste segundo momento, a crise financeira global manifestou -se pela incapacidade
dos países do Sul da Europa pertencentes à zona Euro de refinanciar a sua dívida pública junto
dos mercados financeiros a taxas de juro. Neste contexto, tal como a Grécia, Irlanda e
Espanha, Portugal foi forçado a recorrer a empréstimos de instituições ofici ais - União
Europeia (UE) e Fundo Monetário Internacional (FMI) – para conseguir refinanciar a sua
dívida, evitando, assim, o “default”.
Neste quadro, as instituições i nternacionais, constituíd as como “ troika” de credores
oficiais – Comissão Europeia (CE), Banco Central Europeu (BCE) e FMI –, obrigaram o país a
um acordo, o Memorando de Entendimento, que previa, além de draconianas medidas d e
austeridade orçamental e um vasto programa de privatizações - entendidos como essenciais
para a sustentabili dade futura do endividamento público - um vasto programa d e reformas,
com pouco ou nenhum impacto orçamental, mas que transformaram to da a socieda de
portuguesa, com o objet ivo de melhorar a capacidade competit iva da economia portuguesa
no cenário internacio nal. Destas reformas d estacou-se a reforma trabalhista na
transformação radical da estrutura do mercado de trabalho português.
A racionalidade apresentada para a imposição deste det alhado programa de governo
das instituições credoras assentava em duas crenças emanada s pela teoria eco nômica
convencional: a da austerid ade expansionista e a da desvalorização interna. A primeira
apresentava a austeridade orçamental e privatizações como condições necessárias para a
retoma da confiança do s investidores e mercados financeiros. O aumento da confiança do s
agentes privados traduzir-se-ia em maior consumo e investimento privado, compensando,
assim, qualquer co ntração da demanda efetiva causada pelos cortes orçamentais, evitando
qualquer processo recessivo (CALDAS, 2015). Tal teoria foi rapidamente invalidada pela
realidade das profundas recessões econômicas e sociais que os países sujeitos aos programas
da “troika” atravessaram. De facto, tal co mo aconteceu em outros países do Sul da Europa
(Espanha, Grécia e Itália), Portugal atravessou uma profunda recessão econômica e um
aumento recorde da taxa de desemprego, atingindo 17% em 2013.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT