Dever de Transparência das Entidades Sindicais quanto aos Valores Devidos a Título de Direito de Arena

AutorMarcelo Antonio de Oliveira Alves de Moura
CargoJuiz Titular da 19ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. Titular da Cadeira n. 11 da Academia Nacional de Direito Desportivo
Páginas84-94

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Ver nota 1

1. Intróito

Surgiu no âmbito do grupo de discussão da Academia Nacional de Direto Desportivo - ANDD - a necessidade de medidas que contribuíssem, efetivamente, para o incremento do desporto no Brasil. Além de outras ações, de cunho legislativo e acadêmico, foi debatida a possibilidade de propositura de demanda COM O OBJETIVO DE EXIGIR DOS SINDICATOS DE ATLETAS MAIOR TRANSPARÊNCIA COM RELAÇÃO AOS VALORES DEVIDOS E PAGOS A TÍTULO DE DIREITO DE ARENA.

O presente trabalho pretende contribuir com premissas teóricas desta ação, abrindo o debate sobre o tema no âmbito da ANDD e no meio jurídico-desportivo.

As posições defendidas neste artigo doutrinário são pessoais do autor e não representam, necessariamente, a opinião da ANDD como instituição.

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2. Previsão legal de recolhimento do direito de arena aos sindicatos de atletas

Prevê o art. 42 e § 1º, da Lei n. 9.615, de 24.03.1998, com a redação da Lei n. 12.395/2011:

Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei n. 12.395, de 2011).

§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei n. 12.395, de 2011). (grifei)

Os sindicatos de atletas, portanto, diante de expressa previsão legal, são os fiéis depositários do numerário correspondente ao direito de arena, cujos titulares são as entidades de prática desportiva, obrigadas, por força de lei, ao repasse de 5% do valor arrecadado, aos atletas, por intermédio de suas entidades de classe.

3. Os sindicatos como fiéis depositários

Os sindicatos de atletas, como se disse, não são titulares dos valores pagos a título de direito de arena. Os sindicatos são meros depositários, com a obrigação de, após a arrecadação, transferirem 5% destes valores aos atletas, cujo restante pertence à entidade desportiva, por expressa disposição legal.

Os sindicatos recebem os valores em razão da determinação do art. 42, § 1º, da Lei n. 9.601/1998, constituindo modalidade de depósito necessário, por obrigação legal, como prevê o art. 647, caput, e inciso I, do Código Civil, in verbis:

Art. 647. É depósito necessário.

I - O que se faz em desempenho de obrigação legal;

O depósito dos valores correspondentes a 5% do direito de arena não é tratado em qualquer outra especificação legal. Portanto, quanto à responsabilidade dos sindicatos é aplicável o regramento que diz respeito ao depósito voluntário (art. 627 e seguintes do Código Civil), subsidiariamente. Neste sentido é a previsão do art. 648 do Código Civil, a seguir transcrito:

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Art. 648. O depósito a que se refere o inciso I do artigo antecedente, reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio ou deficiência dela, pelas concernentes ao depósito voluntário.

No que diz respeito ao depósito voluntário, o art. 628, do Código Civil, também de aplicação subsidiária ao depósito necessário, expressamente dispõe que:

O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão.

Mesmo que a lei civil não tivesse tal previsão de gratuidade do depósito, o sindicato, que exerce o múnus público de defesa dos interesses individuais e coletivos dos atletas (art. 8º, III, da CF), não poderia cobrar qualquer valor por tal depósito. Para o sustento do sistema confederativo de entidades sindicais e, em particular, da entidade sindical de primeiro grau, denominada sindicato, o ordenamento jurídico brasileiro já prevê inúmeras contribuições2.

Os sindicatos, portanto, como fiéis depositários dos valores de direito de arena, na proporção de 5%, têm dever de guarda deste bem, de forma gratuita, bem como de transparência na gestão deste patrimônio.

4. Deveres dos sindicatos

São prerrogativas dos sindicatos, conforme art. 513, d, da CLT:

"d) colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal;".

Os sindicatos, atentos ao múnus público que lhe foi atribuído por lei, e ampliado pela Constituição da República, têm o dever de agir de acordo com seus objetivos esta-

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tutários e estes, por sua vez, não devem se afastar do escopo constitucional que definiu a atribuição dos sindicatos, conforme regra do art. 8º, III, da CF:

"ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;".

Assim sendo, os sindicatos, como legítimos representantes da categoria dos atletas, em especial dos profissionais de futebol, devem sempre pautar sua atuação na defesa dos interesses destes, sejam ou não associados da entidade sindical.

Ratificando a responsabilidade dos sindicatos na tutela dos interesses da categoria, constitui-se como um de seus deveres, conforme regra do art. 514, a, da CLT: "colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social;".

Interpretando o alcance da regra celetista, e sua vigência após a CF/88, já tivemos a oportunidade de nos manifestarmos em outra obra trabalhista, nos seguintes termos:

"A colaboração dos sindicatos, no sentido da alínea a, do art. 514, da CLT, não pode ser mais interpretada como cooptação pelos órgãos públicos; este dispositivo e outros tantos previstos no Título V da CLT, destinado a regular a Organização Sindical, tinham por objetivo atrelar o sindicato aos interesses do Estado, com ampla interferência na liberdade sindical. Na atualidade, esta colaboração dos sindicatos com o Estado só pode ser vista no interesse da categoria que representam." (Curso de Direito do Trabalho, Saraiva, 2ª edição, 2016, p. 763).

Diante de seu papel constitucionalmente instituído, o sindicato tem o dever de sempre atuar em defesa da categoria que representa e neste dever está incluída a responsabilidade na gestão do direito de arena cuja lei depositou a seus cuidados.

5. Responsabilidade na gestão do direito de arena

Os sindicatos são pessoas jurídicas de direito privado, cuja criação é condicionada somente a registro no órgão competente3, sem que o Estado possa interferir na sua organização ou gestão (art. 8, I4, da CF).

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A natureza jurídica de direito privado dos sindicatos não lhes retira sua missão pública e, consequentemente, as prerrogativas e ônus inerentes a este múnus.

Da mesma forma que o Estado concede benefícios aos sindicatos, como, por exemplos, fonte de custeio imposta por lei (refiro-me à contribuição sindical acima mencionada), e a imunidade tributária do seu patrimônio (art. 150, VI, c, da CF5 c/c Súmula n. 7246 do STF), também impõe aos dirigentes sindicais enorme responsabilidade quanto à gestão das entidades sindicais. Tanto é...

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