Diário Oficial de 29-03-2023 - Poder Legislativo

Data de publicação29 Março 2023
SeçãoPoder Legislativo
Número da edição59
Diário Of icial
Estado de Pernambuco
Poder Legislativo
CERTIFICADO DIGITALMENTE
Recife, quarta-feira, 29 de março de 2023
Ano C • Nº 57
O pioneirismo de Pernambuco
no movimento das Diretas Já
Ato em Abreu e Lima
ocorrido há 40 anos desafiou
a Ditadura para cobrar
retorno das eleições diretas
PALANQUE – Ex-vereadores Severino Farias e Reginaldo Silva, organizadores do
primeiro ato das Diretas Já, na praça que reuniu os manifestantes
Haymone Neto
A
Praça da Bandeira, si-
tuada no centro da ci-
dade de Abreu e Lima,
na Região Metropolitana do
Recife (RMR), parece com
tantas outras do Brasil, com
árvores, canteiros e uma mu-
reta de cimento para sentar e
descansar. Em 31 de março
de 1983, contudo, aquele pe-
queno quadrilátero cercado
por uma escola pública e um
posto de saúde presenciou
um evento decisivo para a
história recente do Brasil. Ali
ocorreu aquele que é consi-
derado o primeiro ato de rua
em defesa das eleições diretas
para presidente do Brasil du-
rante a Ditadura Militar.
A data não foi escolhida
por acaso. No dia 31 de mar-
ço, as Forças Armadas costu-
mavam celebrar a tomada do
poder com desf‌i les públicos. A
Ditadura Militar começou em
1964, com a deposição do pre-
sidente João Goulart. Foi um
período marcado por censura,
autoritarismo, perseguição e
morte de adversários políticos.
No f‌i nal dos anos 70,
com o desgaste dos governos
militares, teve início a abertu-
ra política, def‌i nida pelo pre-
sidente da época, o general
Ernesto Geisel, como “lenta,
gradual e segura”. Em 1982,
com uma série de restrições,
os brasileiros puderam f‌i nal-
mente voltar a escolher os
governadores dos Estados.
Mas o direito de votar para
presidente ainda levaria mui-
tos anos para ser conquistado.
E
“A nossa pergunta era:
por que não votar para pre-
sidente?”, conta o ex-verea-
dor Severino Farias, um dos
promotores do ato de 1983.
Filiado ao PMDB, o principal
partido da oposição, ele havia
sido o parlamentar mais vota-
do na eleição de 1982, a pri-
meira do município de Abreu
e Lima, emancipado naquele
ano do vizinho Paulista.
Natural de Orobó, no
Agreste Setentrional, de onde
partiu junto com o pai em
uma viagem de jumento por
três dias em direção à capi-
tal, Farias era operário numa
das muitas fábricas da cidade.
Participava da Ação Católica
Operária (ACO), movimento
da Igreja ligado ao então ar-
cebispo de Olinda e Recife,
Dom Hélder Câmara, que
atuava em defesa da demo-
cracia. “Eu vinha do sindicato
e era perseguido pelas forças
militares. Nós sofremos mui-
to na época, mas não tínha-
mos medo”, af‌i rma.
O ato de 31 de março de
1983 foi muito simples, de
acordo com os participantes.
“Não havia palanque. Nós
usamos umas caixinhas de
som e subimos na carroceria
de um caminhão”, conta Re-
ginaldo Silva, também ex-ve-
reador da primeira legislatura
da Câmara de Abreu e Lima.
Assim como o colega Farias,
FOTO: ROBERTA GUIMARÃES
Silva trabalhava no chão de
fábrica, era f‌i liado ao PMDB e
tinha ligação com o movimen-
to operário da Igreja Católica.
De acordo com Silva,
cerca de cem pessoas com-
pareceram ao protesto. In-
felizmente, contudo, não há
fotos da manifestação. “Nós
até chamamos um fotógrafo
da cidade para fazer o regis-
tro, mas ele teve medo e não
apareceu”, relembra. O fato
tornou-se folclórico entre
os militantes da época e até
hoje rende risadas. Também
participaram da organização
do evento os ex-vereadores
José da Silva Brito e Antônio
Amaro Cavalcante, ambos já
falecidos.
“Nós éramos um grupo
muito unido. Havia operá-
rios, eletricistas, estudantes e
até alfaiates”, lembra o pro-
curador de Justiça Aguinaldo
Fenelon, que por dois man-
datos comandou o Ministé-
rio Público de Pernambuco
(MPPE). Estudante universi-
tário na época, ele era o pri-
meiro suplente de vereador
da Câmara de Abreu e Lima e
também integrou o ato.
Os vereadores contavam
com apoio em outras casas le-
gislativas. Na Alepe, tinham
o suporte do deputado Sérgio
Longman, do PMDB.
M
Mas, se hoje sabemos
que o ato dos vereadores de
Abreu e Lima foi corajoso e
pioneiro, na época eles não ti-
nham noção da relevância da-
quele momento. “A gente não
sabia que era o primeiro ato, e
não tinha noção da importân-
cia. O que sabíamos é que es-
távamos no caminho certo”,
af‌i rma Reginaldo Silva.
Até hoje, contudo, a ocor-
rência do evento é pouco co-
nhecida em Abreu e Lima.
“Infelizmente as pessoas não
conhecem a história da cida-
de. Os estudantes do colégio
ao lado da Praça da Bandeira,
onde ocorreu a manifestação,
não sabem do movimento”,
ressalta o jornalista Gamal
Brito. Ele é f‌i lho do ex-ve-
reador José da Silva Brito, já
falecido, que também partici-
pou do protesto.
Educador e sociólogo,
José da Silva Brito é lem-
brado pelos colegas como o
intelectual do grupo. Antes
da emancipação de Abreu
e Lima, havia concorrido à
Câmara de Vereadores de
Paulista, sem sucesso. Con-
quistou a cadeira de legisla-
dor no novo município com
a ajuda de uma inovação: a
impressão de um panf‌l eto
com a foto dele de cabeça
para baixo, evocando um
antigo mote eleitoral do ex-
-governador Cid Sampaio:
“a hora da virada chegou”.
D J
A hora da virada para
a democracia brasileira, no
entanto, ainda levaria alguns
anos para chegar. Apenas 18
dias depois do ato em Abreu
e Lima, o deputado federal
Dante de Oliveira, do PMDB
de Mato Grosso, protocolou
a Proposta de Emenda Cons-
titucional (PEC) 5, que
propunha o estabelecimento
de eleições diretas para pre-
sidente e vice. Inicialmente
desacreditada, a proposta ga-
nhou força com a eclosão da
campanha das Diretas Já, um
dos maiores movimentos po-
pulares da história do Brasil.
As Diretas Já levaram mi-
lhões de pessoas às ruas em
defesa do direito de votar para
presidente. Reuniu artistas
famosos e algumas das mais
inf‌l uentes lideranças do País,
como o presidente Lula e o
ex-presidente Fernando Hen-
rique Cardoso. Em 25 de abril
de 1984, todavia, a proposta
não obteve o apoio necessário
no Plenário da Câmara dos
Deputados. Foi rejeitada com
289 votos a favor, 65 contra e
113 ausentes. O Brasil só vol-
taria a escolher o presidente
em 1989, quando Fernando
Collor venceu o pleito.
Mas, se a emenda Dante
de Oliveira foi derrotada no
Congresso, as sementes das
Diretas brotaram poucos
anos depois. Em 1988, o Bra-
sil ganhou uma nova Consti-
tuição e restabeleceu o gover-
no dos escolhidos pelo povo.
Quarenta anos depois do iní-
cio da campanha das Diretas,
os brasileiros já foram às urnas
nove vezes para escolher pre-
sidente. É o mais longo perío-
do de democracia ininterrupta
da história do País.
Por isso, hoje, nada mais
justo lembrar que, no dia 31
de março de 1983, no f‌i m de
tarde de uma quinta-feira, em
cima de um caminhão, numa
pracinha do centro de Abreu
e Lima, um grupo de cerca de
cem pessoas desaf‌i ou a Dita-
dura e deu início a essa luta.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT