A Difusão do Investimento Sustentável: reflexões a partir da Iniciativa para a Bolsa de Valores Sustentável

AutorMarina de Souza Sartore
CargoProfessora Adjunta III de Sociologia da Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão
Páginas193-217
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15n33p193
193193 – 217
A difusão do investimento
sustentável: ref‌lexões a partir
da Iniciativa para a Bolsa de
Valores Sustentável
Marina de Souza Sartore1
Resumo
Este artigo desenvolve uma ref‌lexão sociológica sobre a construção social do mercado do Investi-
mento Sustentável, provocada pelo surgimento da Iniciativa para a Bolsa de Valores Sustentável.
Buscado familiarizar o leitor com o fazer sociológico, aponta possíveis caminhos de análise para
explicar o fenômeno do investimento sustentável. Três aspectos são destacados: (1) o sistema
de classif‌icação pelo questionário que explicita o perf‌il das bolsas de valores, (2) a inf‌luência dos
países do norte na criação dos índices que funcionam como sistemas classif‌icadores e o (3) papel
dos road-shows onde circulam atores philanthropes e híbridos da mundialização. Ao sistematizar
estes aspectos, conclui-se que estas formas de classif‌icação e difusão devem ser consideradas
elementos centrais para a compreensão dos mercados, tanto em âmbito local como global.
Palavras-chave: Investimento sustentável. Mercado. Bolsa de valores. Mecanismos de difusão.
Atores sociais.
1 Introdução
Investir é uma ação cujo sentido mais compartilhado e objetivado em
verbetes de dicionários2 consiste na aplicação de dinheiro com o intuito de
obter lucro, geralmente associado ao mercado nanceiro e às bolsas de valores
espalhadas por todo o mundo. Este artigo explora o investimento sustentável
como um fenômeno social que busca alterar o sentido compartilhado do verbo
1 Professora Adjunta III de Sociologia da Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão. Professora
vinculada do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe. Líder do
Laboratório de Estudos sobre Mercados e Organizações na Sociedade (LEMOS). E-mail: marinass@ufs.br
2 Consultei o dicionário Michaelis, Oxford e Larousse em suas versões eletrônicas e online no dia 1º de junho
de 2015. O uso das def‌inições dos dicionários neste artigo tem o intuito de ilustrar para o leitor qual o sentido
comum e compartilhado atribuído ao ato de investir.
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Marina de Souza Sartore
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investir associando-o à aplicação de dinheiro não somente pela busca ao lucro,
mas também por uma sociedade mais justa e um meio ambiente preservado.
O enfoque é a reexão sobre os mecanismos de difusão e classicação
do investimento sustentável que buscam ressignicar o imaginário ocidental
sobre o investimento. A abordagem sociológica aponta caminhos analíticos
que vão além de estudos sobre a rentabilidade e utilidade econômica ou sobre
a existência concreta ou retórica do investimento sustentável.
Em nosso imaginário ocidental, o investidor da bolsa de valores é frio e
calculista, tendo por único objetivo rentabilizar o seu investimento. Esta -
gura seria a versão melhor acabada do que Douglas e Ney (1998) chamam da
forte presença do Homo Œconomicus em nossa sociedade ocidental: trata-se
de uma gura mitológica racional, ambiciosa e egoísta que acaba por orientar
nossos pensamentos e ações de tal modo que raramente os questionamos. As-
sim, nada mais “óbvio” e “natural” do que almejar o lucro quando se investe
no mercado nanceiro. Esta obviedade e naturalidade, advinda da construção
acadêmica da gura mitológica do Homo Œconomicus, é reforçada pela sua
reapresentação cultural em produções audiovisuais que retratam os investi-
dores no mercado nanceiro desde a infância, como o desenho do ambicio-
so e avarento Tio Patinhas, culminando em clássicos de Hollywood como
O primeiro milhão e Wall Street3. Nestes exemplos, em maior ou menor grau,
o investidor é apresentado como uma pessoa ambiciosa, desaadora e corajosa
que busca ter a multiplicação de seu dinheiro a todo e qualquer custo.
Mas, a gura do investidor ambicioso passou por transformações ao lon-
go do tempo. Segundo Goede (2005), em um primeiro momento, as bolsas
de valores eram majoritariamente associadas aos jogos de azar, principalmente
devido a sua imbricação com o crescimento das loterias nacionais. Assim, os
investidores eram retratados como apostadores e aventureiros. Em um segun-
do momento, eles se tornam investidores cool-head racionais e se vinculam à
ideia de gestão de risco e passam a ser retratados como racionais e calculistas.
Há ainda um terceiro momento, ancorado principalmente nos estu-
dos de antropologia econômica, quando se observou que o espaço da bol-
3 Vale a pena ressaltar que a cultura f‌inanceira no Brasil é altamente inf‌luenciada pela cultura f‌inanceira norte-
americana que, por sua vez, é retratada nas produções de Hollywood. Para uma análise sobre o papel de
Hollywood em moldar uma cultura f‌inanceira na bolsa de valores, ver McGoun et al., 2003.

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