Casar e separar: dilema social histórico

AutorVera Lúcia Puga
CargoInstituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Páginas157-172
CASAR E SEPCASAR E SEP
CASAR E SEPCASAR E SEP
CASAR E SEPARAR: DILEMA SOCIAL HISTÓRICOARAR: DILEMA SOCIAL HISTÓRICO
ARAR: DILEMA SOCIAL HISTÓRICOARAR: DILEMA SOCIAL HISTÓRICO
ARAR: DILEMA SOCIAL HISTÓRICO
Vera Lúcia Puga
Instituto de História da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Resumo
Este artigo investiga a maneira como casamentos eram feitos e desfeitos, apesar
das normas legislativas e dos padrões da Igreja Católica. Mostra também a for-
ma como a legislação, no Brasil, procurou cercar de obstáculos as tentativas de
viver fora do matrimônio. Aponta, ainda, a maneira como o casamento civil, ape-
sar da separação entre o governo republicano e a Igreja, manteve normas hierár-
quicas, em relação ao casamento, que remontavam ao período anterior.
Palavras-chave: casamento, divórcio, mulheres.
Abstract
This article investigates how marriages were made and broken, besides the
legislative rules and the Catholic Church’s patterns. It also shows the way in
which Brazilian’s law tried to obstruct the attempts of living out of marriage. It
still points out the manner how civil marriage, in spite of the separation between
republican government and Church, kept hierarchical rules towards marriage
institution that returns to the preceding period.
Key-Words: marriage, divorce, women.
Ele faz o noivo correto
E ela faz que quase desmaia
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a casa caia
Até que a casa caia [...]
Ele tem um caso secreto
Ela diz que não sai dos trilhos
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a casa caia
Até que a casa caia [...]
158 REVISTA ESBOS Nº 17 — UFSC
Ela esquenta a papa do neto
E ele quase que fez fortuna
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a morte os una
Até que a morte os uma [...]1
O casamento, como criação social, tem por função assegurar de maneira
controlada a reprodução dos grupos. Assim, a troca de mulheres entre os dife-
rentes grupos, para a sobrevivência, torna-se um sistema lógico. Mas não basta a
troca de mulheres para se perpetuarem. As relações devem se tornar mais está-
veis e, assim, surgem na relação homem/mulher outras prestações de serviços
além do comércio sexual. Falo sobre a divisão de tarefas.
Temos assim, o casamento, trave mestra de qualquer organi-
zação social, na medida em que articula entre si elementos tão
fundamentais como a necessidade de exogamia para construir
uma sociedade viável, a proibição do incesto, a repartição
sexual das tarefas. Compreender-se-á, assim, que o casamen-
to não possa ser, nem seja nunca, totalmente deixado ao aca-
so e que, pelo contrário, a escolha do cônjuge seja objecto de
regras precisas, que formam o âmago de qualquer estudo so-
bre o parentesco [sic].2
Para além das divisões de trabalho e a construção de uma sociedade viá-
vel, o casamento serviu para manter homens brancos no grande projeto de colo-
nização portuguesa no Brasil. Registrou-se em todo o princípio de colonização da
nova terra a ausência ou falta de mulheres brancas. O governo português esti-
mulava o casamento e dificultava, ou mesmo proibia, a abertura de conventos.
Para a historiadora Maria Odila,
Existiu, desde o início, uma política quase oficial da Coroa de
fixação de mulheres, a fim de suprir uma lacuna vital para o
processo de colonização: importar órfãs d’El Rei, garantir-lhes
dotes em terras, em escravos, no que se referia à perpetuação
dos privilégios dos colonizadores e em cargos públicos, no
que dizia respeito à magistratura e à administração da Coroa:
para incentivar casamentos, facilitavam direitos de sucessão
nos cargos burocráticos e administrativos de onde a política
de vincular dotes e cargos, favorecendo ainda a nomeação de
homens casados em lugar de solteiros3.
Se os dotes tinham importância fundamental nas uniões, é preciso salientar
que por isso mesmo era mais fácil manter concubinatos ou uniões instáveis que
se casar. Vários pesquisadores mostraram que no Brasil do século XIX, variando

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT