Direito à proteção do menor

AutorValkíria Aparecida Lopes Ferraro
CargoDocente de Direito Civil III da UNOPAR. Docente do Departamento de Direito Privado da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestre em Direito das Relações Sociais. Doutoranda pela PUC (SP). Endereço para correspondência: Av. Paris, 675. Jardim Piza. 86041-140 Londrina, Paraná, Brasil
Páginas41-51

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Introdução

Anteriormente à promulgação da Carta Magna de 1988, a proteção ao menor já preocupava o nosso sistema jurídico-social.

A Lei n0 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), abandonando a doutrina da situação irregular, prevista no anterior Código de Menores, Lei n0 6.697, adotou, para coadunar-se aos preceitos constitucionais, a doutrina da proteção integral, consoante dispõe em seu artigo 10, significando incumbir à lei assegurar a todas as crianças e adolescentes a satisfação de suas necessidades básicas, estabelecendo um conjunto de normas tendentes a colocar a infância e juventude a salvo da negligência, crueldade, exploração e opressão.

Uma das grandes pilastras do Estatuto foi, sem dúvida, a criação de mecanismo jurídico tendente à garantia dos direitos atribuídos à população infanto-juvenil. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deram ao direito do menor uma nova diretriz.

O ECA dispõe sobre a Organização Tutelar, o Conselho Tutelar, os Procedimentos Judiciais, as Prevenções, a Convivência Familiar, o Menor Infrator, o Menor não delinqüente e as Carências Sociais. Esses são temas os expostos.

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Histórico

Para um melhor entendimento das mudanças pelo qual tem passado a política do menor no Brasil, vejamos sua linha trajetória.

Até o começo deste século os programas de assistência ao menor no Brasil estavam a cargo da assistência médica, cujas principais medidas utilizadas eram de caráter profilático e se baseavam nos ensinamentos da higiene e da eugenia. A preocupação com a saúde e o bem-estar da criança desembocou na função em 1899, do Instituto de Proteção e Assistência a Infância do Rio de Janeiro (Russo, 1985).

Por iniciativa do Senador Nelson Carneiro, foi apresentado o projeto de Lei n0 105/74, que, no Senado, foi analisado por uma Comissão Especial, composta por grupo de estudo designado pelo Sr. Ministro da Justiça, que se transformou na Lei n0 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores), que entrou em vigor em 08 de fevereiro de 1980, revogando toda a legislação anterior.

Foi significativa, à época, a adoção expressa em seu artigo 20 , da doutrina da situação irregular, significando "um estado de patologia (doença) social, de forma ampla" que correspondia à terminologia menores abandonados e delinqüentes utilizada pelo Código de Menores de 1927. A sistemática de tratamento da matéria foi, pela doutrina, considerada inovadora.

A partir da promulgação do primeiro Código de Menores, em 1927, foram criadas colônias correlacionais para a reabilitação de delinqüentes e internatos para o acolhimento de menores abandonados. Paralelamente a estas ações judiciais, desenvolveu-se, no país, uma política filantrópica com o objetivo de dar proteção aos menores abandonados.

Finalmente, com a criação do SAM, e, posteriormente, da FUNABEM, o Estado assumiu a tutela do menor abandonado ou infrator e a política passou a ter um caráter assistencialista, cuja principal ação foi a de alimentar as crianças e adolescentes abandonados no país.

A promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, garantindo no bojo do seu artigo 227 uma série de direitos fundamentais às crianças e aos adolescentes, exigiu do legislador ordinário a elaboração de uma nova lei, que contemplasse e regulamentasse estes direitos constitucionalmente conquistados.

Assim, foi sancionada a Lei n0 8.069, de 13 de julho de 1990 (Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências), que no seu artigo 267 revogou expressamente as disposições das Leis n0 4.513, de 1964 e 6.697, de 10 de outubro de 1979, entrando em vigor em 12 de outubro de 1990, o dia da criança, conforme o seu artigo 266.

A realidade da infância e adolescência pobre do nosso país, que essa lei visa amparar, não obstante inúmeras notícias diárias que temos de suas necessidades e vicissitudes, pode bem ser aferida através de um poema de autoria de um grupo de meninos e meninas de rua de Curitiba, chamada profeta Elias.

"Nós também queremos viver. Nós também, amamos a vida. Para vocês, escola. Para nós, cheirar cola. Para vocês, academia. Para nós, delegacia. Para vocês, coca-cola. Para nós, pedir esmola. Para vocês, muita emoção. Para nós, catar papelão. Para vocês, piscina. Para nós, chacina.

Para vocês, forró. Para nós, mocó.

Para vocês, televisão. Para nós, valetão

Para vocês, avião. Para nós camburão.

Para vocês, conhecer a luta. Para nós, morar na rua. Para vocês, está bom, felicidade. Mas, para nós, igualdade. Nós também queremos viver. Nós também amamos a vida".

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Frisa Olympio de Sá Sotto Maior Neto que "esse poema tem uma importância extraordinária: primeiro, porque demostra que, em razão destes meninos estarem organizados, sendo integrantes do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, alcançaram a politização; segundo, porque, politizados, esses meninos de rua conseguiram compreender a realidade social da qual fazem parte. Por isso, não mais pretendem ser meras vítimas do sistema social injusto, estabelecido no país, mas querem se constituir em agentes transformadores dessa realidade. O indicativo desse poema é o indicativo de quem quer, embora sem o conhecimento cultural, embora sem ter tido a possibilidade de educação e saúde, ser instalado em uma sociedade mais justa.

O Estatuto vem a ser uma Lei protetora dos direitos da criança e do adolescente; A Lei está posta de forma objetiva e clara à observância de todos. O Estado fica ciente dos seus deveres, bem como os particulares, e que a vigia de qualquer dos direitos da criança ou adolescente, implicará na situação irregular, correspondendo essa situação a uma resposta que pode chegar, inclusive, à perda da liberdade.

Com a chegada do ECA a criança e o adolescente são percebidos como valor na caminhada de uma humanidade que quer se humanizar. Com este sentido, a criança e o adolescente não constituem sobrecarga, dever do Estado ou da família, são vistos como fonte de prazer e de continuidade do humano para toda a sociedade.

Noções sobre os Direitos das Crianças e dos Adolescentes - Lei nº 8069/90

O Estatuto da Criança e do Adolescente distinguiu as normas ao menor infrator da normas do menor abandonado ou carente, vítima da família ou da sociedade, fazendo então a distinção entre os juízes de menores e juízes de família.

Foi necessário separar as duas competências, pois sua reunião num só órgão jurisdicional, ou seja, o juiz de menores, privaria o menor não delinqüente, apenas vítima da família ou da sociedade, do seu juiz natural, o juiz de família.

O ECA distingue o procedimento civil do procedimento ato infracional. O procedimento civil limita-se à inibição do pátrio poder, guarda tutela e adoção. No procedimento do ato infracional, o Ministério Público tem ampliadas as suas funções, inclusive, o emprego da desjudicialização nos moldes do artigo 180, inciso II.

Sobre os direitos ao nascimento, a Lei n0 8.069/90 requer efetivação de políticas sociais públicas que permitam, através do sistema único de saúde, o atendimento pré e perinatal, e a gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento segundo critérios médicos específicos, obedecendose aos princípios de regionalização e hierarquização do sistema. O poder Público, as instituições e os empregadores terão que propiciar condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade.

Também, constituem Direitos da Criança e do Adolescente, a convivência familiar e comunitária, a educação, a cultura, o esporte, o lazer, a profissionalização e a proteção no trabalho.

Quanto a política de atendimento, prevista na Lei n0 8.069/90, deverá ser formada através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Suas diretrizes são:

1) municipalização do atendimento;

2) criação de Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos direitos da criança e do adolescente, Órgãos Deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meios de organizações representativas, segundo Leis Federais, Estaduais e Municipais;

3) criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização políticoadministrativa;

4) manutenção de Fundos Nacionais, Estaduais e Municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;

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5) integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;

6) mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.

Ao menor, também foram estabelecidas as medidas de proteção que são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos na Lei n0 8.069/90 forem ameaçados ou violados, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, e em razão de sua conduta.

No que tange ao ato infracional considera-se, como tal a conduta descrita como crime de contravenção penal.

O ECA em seu artigo 20, refere-se à criança e ao adolescente, considerando-se criança a pessoa até doze anos de idade e, adolescente entre doze e dezoito anods de...

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