O direito do trabalho na revolução informacional: adoecimentos e resistências individuais e coletivas

AutorCarlo Benito Cosentino Filho, Everaldo Gaspar Lopes de Andrade e Fernanda Barreto Lira
CargoProfessor da Faculdade de Direito do Recife. Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho. Mestre e doutor em Direito pela UFPE/Professor da Faculdade Direito do Recife. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Doutor em Direito pela Universidade de Deusto-Espanha/Professora da Faculdade de Direito do Recife. Membro da ...
Páginas101-116
Revista da Academia Brasileira de Direito do Trabalho 101
O direito do trabalho na revolução informacional:
adoecimentos e resistências individuais e coletivas
Carlo Benito Cosentino Filho
(1)
Everaldo Gaspar Lopes de Andrade
(2)
Fernanda Barreto Lira
(3)
(1) Professor da Faculdade de Direito do Recife. Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho.
Mestre e doutor em Direito pela UFPE.
(2) Professor da Faculdade Direito do Recife. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Doutor em
Direito pela Universidade de Deusto-Espanha.
(3) Professora da Faculdade de Direito do Recife. Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho.
Mestra e doutora e Direito pela UFPE.
Sumário:
1. Introdução. 2. O embate entre vida contemplativa e o gênero humano como instrumento essencial
à vida ou como arquiteto de si mesmo. O tempo histórico das grandes revoluções tecnológicas: 2.1. Da filosofia
grega e seus dilemas sobre o trabalho à tecnociência do ser humano como arquiteto de si mesmo; 2.2. A Revolução
Industrial e o nascimento do Estado Moderno; 2.3. A Revolução tecnológica no Terceiro Espírito do Capitalismo.
3. Meio ambiente do trabalho e adoecimento. Da era fordista/taylorista à captura da subjetividade, da alma huma-
na trabalhadora: 3.1. O sistema fordista/taylorista de adoecimento; 3.2. As enfermidades decorrentes da perda de
referência a partir da transição entre modernidade industrial e pós-industrialismo; 3.3. As novas alternativas de
trabalho e rendas centradas na produção de valores de uso, ausência lucros e a participação social na gestão. 4. A
revolução informacional e seus impactos nas relações individuais e sindicais. A propósito das novas opressões
e das novas lutas coletivas emancipatórias: 4.1. A Revolução Informacional e Seus Impactos nas Relações Sin-
dicais; 4.2. A Revolução Informacional e Seus Impactos nas Relações individuais de Trabalho. 5. Conclusões.
6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este capítulo procura empreender uma visão analítica distinta da doutrina clássica acerca do impacto das novas
tecnologias nas relações individuais e coletivas de trabalho.
Revolução Informacional traduz-se como uma etapa da Revolução Industrial, enquanto revolução introduzida
pela burguesia nascente que foi capaz de destruir o Estado Absolutista e criar o Estado Moderno. Como a burgue-
sia nascente cria o seu antípoda, a luta operária, esta estabelece o contraponto e desencadeia o nascimento das
normas de proteção ao trabalho.
Para os autores deste capítulo, há uma relação direta entre adoecimento e trabalho livre/subordinado que, ape-
sar das normas de proteção ao trabalho, não há possibilidade de seu desaparecimento enquanto as relações sociais
estiveram centradas na subordinação da força do trabalho ao capital.
Daí a importância das lutas coletivas, em sua dúplice perspectiva – individual e coletiva; reformista/revolucio-
nária –, alcançarem os trabalhadores do conhecimento e a estrada virtual, para interditar o avanço do desmonte
de todo edifício protetor e impedir a marcha rumo à desumanização/clandestinização das relações de trabalho.
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2. O EMBATE ENTRE VIDA CONTEMPLATIVA E O GÊNERO HUMANO COMO INSTRUMENTO
ESSENCIAL À VIDA OU COMO ARQUITETO DE SI MESMO. O TEMPO HISTÓRICO DAS GRANDES
REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS
2.1. Da filosofia grega e seus dilemas sobre o trabalho à tecnociência do ser humano como arquiteto de
si mesmo
Embora os sentidos de uma vida contemplativa – na Ética à Nicômaco – quando Aristóteles(1995:408) atribua
à racionalidade práticauma concepção teleológica orientada a uma finalidade suprema que é a felicidade, uma vez
“que a perfeita felicidade é um ato de pura contemplação,”na obra A Política (1955:17) procura demonstrar que
deveria haver uma separação entre o trabalho contemplativo e o trabalho enquanto instrumento – realizado pelo
escravo ou pelo operário.
Para ele, “o operário, nas artes, é considerado um instrumento essencial à vida, a riqueza uma multiplicidade
de instrumentos, e o escravo uma propriedade viva. Como instrumento, o trabalhador é sempre o primeiro de
todos.”(4) Dentre os instrumentos propriamente ditos, “enquanto instrumentos de produção”, deixou este impres-
sionante prognóstico:
Com efeito, se cada instrumento pudesse, a uma ordem dada ou apenas prevista, executar sua tarefa [...]
ou das tripeças de Vulcano, que iam sozinhas, como disse o poeta, às reuniões dos deuses, se as lançadeiras
tecessem as toalhas por si, se o pletro tirasse espontaneamente sons da cítara, então os arquitetos não teriam
necessidade de trabalhadores, nem os senhores de escravos”.
Paula Sibilia (2002), ao descrever sobre as revoluções desencadeadas pelas novas tecnologias e a ciência avançada –
biologia, engenharia genética, dentre outras – refere-se ao aparecimento de um “Homem Pós-orgânico”decorrente de
implicações/repercussões do corpo,da subjetividade e dastecnologias digitais.
Interessante notar que a autora parte das observações formuladas por um renascentista chamado Giovanni
Pico Della Mirandola. Nos idos de 1486 ele conseguiu escandalizar a sociedade da época, ao difundir a ideia se-
gundo a qual o gênero humanocontinha, em sua essência, “todos os elementos capazes de torná-lo seu próprio
arquiteto” (p. 10). Há mais de cinco séculos teria ele contribuído “para a inauguração de uma era que hoje talvez
esteja chegando ao fim: a do Homem” e, também de sua imortalidade (Idem, p. 10).(5)
Trazendo esta visão para o tempo presente, três áreas jogariam um papel imprescindível, a partir da tecnociên-
cia contemporânea: a informática, as telecomunicações, a biotecnologia, por serem as novas tecnologias – matriz
sócio-técnica iniciada no final do século XVIII – que serão capazes de originar a formação histórica depois con-
siderada por Foucault como sociedades disciplinares, com sua capacidade de modelar/disciplinar corpos dóceis e
úteis. Saberes que passam a se relacionar com o poder ou a instituir a versão poder/sabere sua decisiva influência
na “produção dos corpos e das almas deste início de século, apresentando um conjunto de promessas, temores,
sonhos e realizações inteiramente novos.” (Idem, p.11).
Daí poder-se afirmar que tudo aquilo que eleva o homem e que o torna construtor, criador, uma espécie de
demiurgo do mundo, deve aproximá-lo de Deus, razão pela qual, para Della Mirandola, o homem se converte em
um ser digno, merecedor de respeito por parte dos outros homens. Auto aperfeiçoado, torna-se capaz de se trans-
formar, por meio da razão, num “animal celeste”, próximo da máxima perfeição.
(4) “Por exemplo, para o piloto, o leme é instrumento sem vida, e o marujo que vigia a proa é instrumento vivo”. (Idem, p.17).
(5) Uma composição analítica centrada na ideia de Deus, no Gênese: “’não te dei nem rosto nem lugar algum que seja propriamente
teu, tampouco um dom que te seja particular, oh, Adão’”! Daí, a conclusão:“’Não te fiz nem celeste, nem terrestre, nem mortal,
nem imortal, a fim de que sejas tu mesmo, livremente, à maneira de um hábil escultor, o encarregado de forjar a tua própria for-
ma.’” (Idem, p.10). Recorre ainda a Michel Foucault, na medida em que ele pensa as relações de poder nas sociedades modernas
como um biopoder, ou seja, “um feixe de vetores que focalizassem diretamente a vida com o intuito de engendrar determinadas
formas corporais e subjetivas. Daí superar a noção convencional de ‘poder’, uma vez que estas redes de relações configurariam
num complexo jogo de forças, e não mais uma instância unidimensional, puramente negativa, cujo objetivo seria reprimir ou
proibir” [...] “as fluidas trocas tecno-humanas características da sociedade contemporânea, tais jogos de poder revelam clara-
mente a sua qualidade ‘produtiva’” [...] “Apontando para a produção de novos modos de subjetivação. Novas formas de pensar,
de viver, de sentir; em síntese: novos modos de ser”. (Idem, p.10-11).

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