Direito Financeiro e Rent-seeking

AutorEduardo Cândia
Ocupação do AutorDoutor em Direito Financeiro ? Faculdade de Direito da USP
Páginas65-166
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DIREITO FINANCEIRO E RENT-SEEKING
Como vimos, a rent-seeking foi identicada originariamente pela Economia
e, pelos estudos desta seara, foi possível delimitarmos um conceito, traçando seus
contornos fundamentais e diferenciando de outros conceitos semelhantes.
Neste capítulo, nossa atenção volta-se para o Direito Financeiro e, mais espe-
cicamente, como este ramo do direito pode contribuir para a observação jurídica
do comportamento rent-seeking.
Nossa análise será eminentemente jurídica, mais especicamente, jurídico-
-nanceira, já que condutas rent-seeking podem eventualmente ter repercussões
em outros ramos do direito como, por exemplo, no direito penal (v.g., crimes con-
tra a Administração Pública) e no direito administrativo (v.g., infrações adminis-
trativas e responsabilidade civil do Estado).
Desse modo, que que bem registrado, não vamos nos enveredar por ques-
tões metodológicas para quanticação do gasto social gerado pela rent-seeking ou
indagações se toda a renda realmente é dissipada por completo.
Certamente estas são temáticas cruciais que outros setores do conhecimen-
to devem (e podem) enfrentar, por exemplo, a Contabilidade, a Economia, a
Sociologia, a Antropologia.
O direito, quando muito, pode se valer dessas análises para que gestores pú-
blicos possam tomar decisões jurídicas menos arriscadas e órgãos administrativos
possam exercer, de forma minimamente adequada, o controle da economicidade
e da eciência de toda e qualquer despesa pública, nos termos exigidos pelo art.
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EDUARDO CÂNDIA
Anal, a indagação que fazemos é bastante pontual: deve o Direito
Financeiro car inerte diante da rent-seeking ou devemos esperar alguma reação?
Haveria alguma consequência no Direito Financeiro quando da comprovação da
rent-seeking ou tais condutas não teriam qualquer importância jurídica para este
ramo do Direito?
Vejamos, pois, como tais questões podem ser encaminhadas.
2.1 Um olhar jurídico sobre o rent-seeking
A ideia central deste livro é, a partir dos aportes da Economia sobre a
rent-seeking tangenciados no capítulo antecedente, vericar até que ponto esta
conduta pode (ou não) acarretar consequências jurídico-nanceiras e, em caso
positivo, como o Direito Financeiro poderia oferecer reações a este fato econî-
mico que tem, sim, repercussões no ambiente jurídico, portanto, um verdadeiro
fato jurídico.
Partimos de um ponto bastante claro: para nós, a rent-seeking só deixará de
ser algo invisível ao Direito Financeiro, como desde sempre tem ocorrido, no mo-
mento em que a despesa pública for efetivamente encarada como norma jurídica
a ser construída caso a caso e não apenas como um montante ou uma quantia em
dinheiro, contábil e formalmente xada no orçamento público.
Além disso, é imprescindível que os órgãos incumbidos pelo controle inter-
no (CF/88, art. 74)154 e externo (CF/88, art. 71) da atividade nanceira do Estado
rezem rigorosamente a cartilha constitucional (CF/88, art. 70), realizando uma
verdadeira e conteudística scalização nanceira, orçamentária e operacional que
leve em conta aspectos da economicidade e eciência do gasto público.
154 Em relação ao controle inter no, chamamos atenção pa ra dois achados contidos no Acó rdão
TCU n. 1074. No re ferido Acórdão foram analisadas est ruturas de governa nça dos órgãos
e unidades de controle i nterno dos Poderes Executivo (órgãos setori ais do Ministé rio da
Defesa e do Ministé rio das Relações E xteriores; e as un idades de controle interno dos
Comandos Mil itares. A Advocacia-Geral da Uni ão não possui Secretaria de Cont role Interno
formalmente organ izada. O órgão de controle i nterno da Casa Civi l não foi avaliado),
Legislati vo e Judiciário: 54% das unida des de controle interno pe squisadas informaram qu e não
estão vincula das diretamente ao dirigente máx imo do órgão, providência que, evidentemente,
assegura ria, um mínimo de i ndependência que deve ter o sistema de controle inter no para que
possa desincu mbir satisfatoriamente sua missão c onstitucional; 40% das unida des de controle
interno pesqui sadas informaram que não realizam pl anejamento anual dos trabalhos, ou seja,
o planejamento anua l não está registr ado em documento formal, aprovado p elo dirigente
(ou colegiado) máximo do órgão/unidade d e controle interno, sendo que é justa mente neste
planejamento anua l onde são estabelecidos os objet ivos, os recursos d isponíveis e as área s,
processos e ativid ades que serão auditadas com base em c ritérios objetivamente denidos .
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José Mauricio Conti ensina que “inicialmente, o controle interno era exer-
cido pelo Poder Executivo, aperfeiçoando-se sua estrutura após a Constituição
de 1988, quando passou a ser exigido no âmbito de cada um dos poderes”. Além
disso, “em sua origem, exercia uma avaliação meramente formal da atividade -
nanceira do Estado, baseada na legalidade e regularidade documental dos atos de
despesa pública”.155
Ainda de acordo com o autor, “esta forma de atuação não se mostra mais
compatível com a modernização da administração pública, hoje com suas preocu-
pações voltadas ao planejamento e à qualidade do gasto público (...)”.156
Assim, “a Constituição de 1988 andou bem em estabelecer esse novo sistema
de controle interno, com uma atuação que tenha por foco não a forma, mas sim a
nalidade do gasto público”.157
Ainda em relação ao art. 74 da CF, estamos em total acordo com José Mauricio
Conti e André Castro Carvalho quando armam que o referido dispositivo “cor-
relaciona o sistema de controle interno com a qualidade do gasto público, obri-
gando que a Administração realize a avaliação do efetivo cumprimento das metas
estabelecidas, bem como a eciência da gestão orçamentária158 (destacamos).
Portanto, além do atendimento formal das metas previstas nas leis que com-
põem o sistema orçamentário brasileiro (PPA, LD O e LOA), é imprescindível que
os órgãos de controle avaliem a eciência da gestão orçamentária, o que guar-
da estreitíssima relação com a rent-seeking pois, como vimos, sem perda social
não faz sentido falar em rent-seeking e justamente a perda social é que poderá ser
detectada em uma gestão orçamentária eciente, quando o ciclo orçamentário é
sempre retroalimentado com as necessárias correções e avaliações do controle.
A rent-seeking no âmbito público, como vimos no capítulo anterior, guar-
da uma íntima relação com a intervenção do Estado na/sobre a Economia e, em
termos nanceiros, com o gasto público, seja orçamentário ou os denominados
o-budget expeditures, tais como os créditos subsidiados (benefícios creditícios) e
as renúncias tributárias (benefícios tributários) que, na prática, revelam impactos
155 CONTI, José Mauricio. L evando o Direito Finance iro a sério. São Paulo: Blucher, 2016,
p. 177-18 0.
156 CONTI, José Maur icio. Levando o Direito Financ eiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016,
p. 177-18 0.
157 CONTI, José Mauric io. Levando o Direito Finance iro a sério. São Paulo: Blucher, 2016,
p. 177-18 0.
158 CONTI, José Mauric io; CARVALHO, André Castro. O controle interno na Ad ministraç ão
Pública brasilei ra: qualidad e do gasto público e responsabi lidade scal . In: DPU n. 37, jan-
fev/2011, seção especial, teorias e e studos cientícos, p. 214.
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