O direito fundamental à proteção em face da automação

AutorLuciano Martinez e Mariana Maltez
CargoJuiz Titular da 9ª Vara do Trabalho de Salvador ? Bahia/Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia
Páginas117-137
Revista da Academia Brasileira de Direito do Trabalho 117
O direito fundamental à
proteção em face da automação
(The fundamental right to protection
in the face of automation)
Luciano Martinez
(1)
Mariana Maltez
(2)
(1) Juiz Titular da 9ª Vara do Trabalho de Salvador– Bahia. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela
USP e Professor Adjunto de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da UFBA (Graduação, Mestrado e Doutorado). Titular da
Cadeira 52 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e da Cadeira 26 da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Autor de
diversas obras jurídicas, entre as quais o “Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas”, publicado
pela editora Saraiva. E-mail: martinezluciano@uol.com.br.
(2) Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia. E-mail: marianamaltez@outlook.com.
Resumo:
O presente estudo tem a pretensão de analisar a extensão e os limites do “direito fundamental à proteção em face da automação”
e todos os seus desdobramentos a partir de uma dogmática constitucional.
abstRact:
The present study intends to analyze the extent and limits of the “fundamental right to protection in the face of automation” and
all its unfolding from a constitutional dogmatic.
PalavRas-chave:
“direito fundamental”, “automação”, “tecnologia”, “desemprego” e “saúde do trabalhador”.
KeywoRds:
“fundamental rights”, “automation”, “technology”, “unemployment” “worker health”.
Sumário:
1. Introdução. 2. A automação e o trabalho humano: a análise de um evento interferente na vida laboral.
3. A substituição gradual do trabalho humano pelo trabalho mecatrônico. 4. As inovações nos métodos de orga-
nização do trabalho: do taylorismo ao fordismo e deste ao toyotismo. 5. Da necessidade de proteção em face da
automação: a preocupação da constituinte de 1988 com as repercussões da automação sobre o trabalho humano.
6. A eficácia da norma que trata do direito fundamental à proteção em face da automação. 7. A vinculação dos
órgãos estatais e dos particulares ao direito fundamental à proteção em face da automação. 8. Da proteção em face
da automação (Art. 7º, XXVII, CF/88): em busca de uma racionalização: 8.1. A proteção em face do desemprego
estrutural; 8.1.1. A automação como uma ameaça aos níveis de emprego; 8.1.2. Novas tecnologias: uma fonte de
geração de novos padrões de organização do trabalho – uberização; 8.2. A proteção em face da transformação do
empregado em engrenagem da produção por máquinas; 8.2.1. A automação como fator prejudicial à segurança e
saúde dos trabalhadores; 8.2.2. A automação como uma alternativa à transferência de trabalhadores de atividades
insalubres e perigosas; 8.3. Em busca de uma contemporização do direito fundamental à proteção em face da au-
tomação. 9. Conclusão. 10. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A automação é fenômeno multifacetado que revela boas e más expressões fisionômicas. Ele pode representar, a
um mesmo tempo, o divino ato de salvaguarda do trabalhador da execução de atividades prejudiciais à sua saúde
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e segurança e o diabólico desemprego estrutural. Nesse contexto, e a partir do reconhecimento de que a meca-
nização de sistemas produtivos tanto pode influir negativamente em matéria de desemprego quanto, também, na
colocação em risco da saúde e da segurança do trabalhador, é que o constituinte de 1988 previu a existência de
um direito fundamental à proteção em face da automação.
Assim, diante da escassa produção doutrinária acerca do preceito constitucional supracitado e de norma regu-
lamentadora da questão, este artigo se propõe a realizar um estudo aprofundado do referido direito fundamental
com vista à compreensão dos seus principais reflexos sociais e jurídicos, buscando encontrar caminhos viáveis
para a sua efetivação na atualidade.
2. A AUTOMAÇÃO E O TRABALHO HUMANO: A ANÁLISE DE UM EVENTO INTERFERENTE NA VIDA
LABORAL
O termo automação (do latim, automatus que refere a mover-se por si)(3) é definido pelo Dicionário Escolar da
Língua Portuguesa como o “uso de máquinas e robôs para fazer certos trabalhos”(4). O Dicionário Aurélio define
automação como o “sistema automático pelo qual mecanismos controlam seu próprio funcionamento, quase sem
a interferência do homem” e indica que seria preferível a forma automatização que, por sua vez, nesse mesmo
dicionário, é definida como o “ato ou efeito de automatizar”(5).
A tal respeito e compartilhando da mesma perspectiva do Dicionário Aurélio, alguns autores defendem que o
termo mais apropriado seria realmente “automatização”, e não “automação”. Nesse particular, Francisco Osani de
Lavor em um dos pioneiros textos sobre o assunto afirma que o vocábulo “automação” se afiguraria como uma
precipitada tradução de “automation”, em inglês, sendo o termo mais adequado “automatização”, este proveniente
de “automatizar”, vocábulos provenientes de autômatos, em grego(6).
Saindo da perspectiva da etimologia e adentrando na da semântica, há quem defenda, como, por exemplo, Ro-
drigo Monteiro Pessoa, que, a despeito de os termos “automação” e “automatização” referirem à substituição dos
postos de trabalho por máquinas, tais vocábulos se diferenciam no tipo de tecnologia mecanizada a ser implantada.
Sob essa óptica, a terminologia “automação” conduziria à utilização de máquinas para realização de atividades
repetitivas e movimentos mecânicos, que dispensam o trabalho humano, com o objetivo de evitar erros e perdas na
produção, demandando a ingerência humana no planejamento e correção de suas falhas. Por outro lado, a palavra
“automatização” seria o emprego de máquinas dotadas de inteligência artificial relacionada com a robótica e a
mecatrônica com capacidade de identificação de possíveis erros, desperdícios e implementos a serem feitos na pro-
dução. Por esse viés, na “automatização” haveria a utilização de máquinas inteligentes para a realização de tarefas
que envolvem uma maior complexidade, sem a necessidade da significativa interferência da mão de obra humana.
Nesse ponto, Lorena Holzmann da Silva esclarece que “com a mudança em curso da automação de base ele-
tromecânica para a de base eletrônica, passa a ser utilizado o termo automatização”(7) e, faz referência a Fernando
Rojas e Germán Palácio quando estes definem que automatização seria a utilização de “técnicas diversas de coleta,
armazenamento, processamento e transmissão de informações”(8).
Contudo, consoante posto por Rodrigo Monteiro Pessoa, não há falar-se em desacerto do constituinte ao pre-
ver no art. 7º, inciso XXVII a proteção dos trabalhadores apenas em face da “automação”, uma vez que a utilização
(3) JOSÉ FILHO, Wagson Lindolfo. A eficácia do direito fundamental da proteção em face da automação previsto no inciso XXVII,
do art.7º, da Constituição Federal de 1988. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, Goiânia, v.15, dez., 2012,
p.78.
(4) ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
2008, p.181.
(5) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua Portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004, p.233.
(6) LAVOR, Francisco Osani de. Proteção em face da automação. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, Maceió,
anual, 1994, p.31.
(7) HOLZMANN, Lorena da Silva. Automação. In: CATTANI, Antônio David (Org.). Trabalho e Tecnologia: dicionário crítico. Petró-
polis: Vozes; Porto Alegre: Ed. Universidade, 1997, p.26.
(8) ROJAS, Fernando; PALACIO, Germán. Tecnologia de La Informacion: una nueva estratégia capitalista de subordinacion de los
trabajadores. Cuadernos de Economia, Bogotá, v.11, p.17-73, 1987. Apud HOLZMANN, Lorena da Silva. In: CATTANI, Antônio
David (Org.). Trabalho e Tecnologia: dicionário crítico. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed. Universidade, 1997, p.26.

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