Direito e moral: vinculaçã o ou separação

AutorMarcus Vinicius Ribeiro Cunha
Ocupação do AutorPromotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, integrou o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de Minas Gerais) nos anos de 2015 e 2016
Páginas5-42
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DIREITO E MORAL:
VINCuLAÇÃO Ou SEPARAÇÃO
No intuito de facilitar a compreensão do leitor acerca do tema a ser
investigado no presente estudo, pretende-se neste capítulo abordar breves
distinções entre a Ética, a Moral e o Direito, passando em seguida à análise
de como os dois últimos (Direito e Moral) se relacionaram ao longo do tem-
po, concluindo com algumas preocupações e apontamentos críticos ao novo
modelo de constitucionalismo pós-positivista.
2.1 ÉTICA, MORAL E DIREITO: BREVES DISTINÇÕES
Etimologicamente, “ética” deriva da palavra ethos. Entretanto, cumpre
observar que tal palavra grega possuioriginariamente duasgraas –ήθος
(êthos)eέθος (éthos)–esignicadosdiversos,dentreos quaisAristóteles
usou em “Ética a Nicômaco” a expressão êthos no sentido de “modo de ser”
ou “caráter”. A propósito, Antônio Macena Figueiredo e Dirce Guilhem1
ressaltam:
Interessa o caráter em seu sentido estritamente moral, isto é, a disposição
fundamental de uma pessoa diante da vida, seu modo de ser estável do
ponto de vista dos hábitos morais (disposição, atitudes, virtudes e vícios)
que a marcam – que caracterizam – e lhe conferem a índole peculiar que
a distingue dos demais. Refere-se ao conjunto das qualidades, boas ou
más, de um indivíduo, resultante do progressivo exercício na vida coleti-
va. [...] Esse modo de ser, “apresenta uma dupla dimensão de permanên-
cia e de dinamismo. O núcleo de nossa identidade pessoal é o produto das
opçõesmoraisquevamosfazendoemnossabiograa.Essasopçõesvão
conformandonossa sionomiamoral– aclasse depessoasque somos,
nossa índole moral –, ou seja, a disposição para nos deixar mover por uns
motivos e não por outros”.
1 FIGUEIREDO, Antônio Macena; GUILHEM, Dirce. Ética e Moral. INTERthesis, Florianópolis, v.
5, jan./jul. 2008, p. 33.
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princípio da moralidade administrativa
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Inobstante,sobreleva-setambémaexpressãoéthoscomosignicadode
hábito, costume, tradição. Também esta variante é de interesse da Ética, na
medida em que é repetição de atos aceitos pela sociedade que consolida um
costume ou uma tradição.
Assim, a ideia oriunda da junção de êthos enquanto caráter e éthos en-
quanto hábito/costume/tradição permitiria compreender o cerne da ética:
estaseriaumaciênciaque investigariaosatosmoraishabituais quecon-
gurariam o caráter social de normalidade. Dessume-se então que Ética seria
uma teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade2
ou, posto de outra forma:
[...] ética pode ser entendida como a ciência da reta ordenação dos atos
humanos desde os últimos princípios da razão (kathein). [...] a “ética” se
ocupada reexãolosóca sobrea condutahumana sobo prismados
atos morais. Ela vai examinar a natureza dos valores morais e a possibili-
dadedejusticarseuusonaapreciaçãoenaorientaçãodenossasações,
nas nossas vidas e nas nossas instituições. A ética estuda as relações entre
o indivíduo e o contexto em que está situação. Ou seja, entre o que é
individualizado e o mundo a sua volta [mundo moral]. Procura enunciar
e explicar as regras [sobre se fundamenta a ação humana ou razão pela
qual se deve fazer algo], normas, leis e princípios que regem os fenôme-
nos éticos. São fenômenos éticos todos os acontecimentos que ocorrem
nas relações entre o indivíduo e o seu contexto.3
Marilena Chauí4 bem sintetiza:
Alosoa moraloua disciplina denominadaa ética nasce quando se
passa a indagar o que são, de onde vêm e o que valem os costumes. [...]
Alosoa moralou aética nascequando, alémdas questõessobreos
costumes, também se busca compreender o caráter de cada pessoa, isto é,
o senso moral e a consciência moral individuais.
Por sua vez, “moral” deriva do latim mos,quesignicavatantocostume,
quanto caráter, visto que a expressão ora mencionada era usada como equi-
valente latino tanto de êthos como de éthos. Não sem motivo, costumam-se
adotar as expressões Moral e Ética como se sinônimas fossem; fato é que
Moral e Ética guardam conceitos diferentes entre si apesar de possuírem
íntima relação.
2 VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Trad. de João Dell’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei-
ra, 2010, p. 23.
3 FIGUEIREDO, Antônio Macena; GUILHEM, Dirce. Ética e Moral. INTERthesis, Florianópolis,
v. 5, jan./jul. 2008, p. 35.
4 CHAUI, Marilena. Convite à losoa. São Paulo: Ática, 2011, p. 386.
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Nesse sentido, Antônio Macena Figueiredo5 explica:
No latim não existia uma palavra para traduzir o êthos, nem tampouco
outra para representar o sentido do termo éthos, dado na língua grega.
Então, na essência, esta distinção foi perdida. Ambas foram traduzidas
por “mos” ou “mores” (plural de mos, do qual vem o termo moralis), pois
era a palavra que mais se aproximava do sentido de ethos, que nessa lín-
guapodesignicartanto“costumes”como“caráter”ougênerodevida.
Assim, pode-se dizer que ao englobar e associar caráter e costumes, a
Moral consubstancia-se no conjunto de valores aceitos costumeiramente e
eleitos pela sociedade como paradigmas de conduta do indivíduo perante
seus semelhantes: um comportamento desenvolvido dentro dos parâmetros
de normalidade balizados pelos valores sociais e aceitáveis pela sociedade
e, portanto, considerado Moral. Ato contínuo, a Moral refere-se tanto aos
costumes quanto às normas de comportamento aceitas pela sociedade con-
forme a tradição ou realidade cultural; seria um sistema normativo-princi-
piológico-valorativo aceito livremente pelos membros da sociedade, em que
as normas seriam dotadas de um caráter histórico e social.
Frise-se que a Moral não possui o atributo da imperatividade, e, por isso,
seus preceitos são voluntariamente seguidos, seguem-se preceitos morais
se tais forem entendidos como valores subjetivos necessários à satisfação
de uma necessidade ou anseio individual. Com efeito, os valores morais
situam-se na consciência individual, cabendo ao indivíduo julgar o certo ou
errado, tolerável ou intolerável segundo suas convicções.
Contudo, cediço é que a sociedade necessita de regras perenes que, no
objetivo de se manter a paz e ordem sociais, regulem a conduta do particular.
Nesse sentido, sobressai-se o Direito enquanto sistema de normas de caráter
imperativo e coercitivo que dispõe sobre condutas consideradas imprescin-
díveis à normalidade da vida social, e por isso de respeito e cumprimento
obrigatórios independentemente da vontade do particular.
Assim, uma distinção relevante a ser usada para diferenciar o sistema
da Moral e o do Direito refere-se à espontaneidade ou não do indivíduo no
cumprimento de regras sociais. Quando o cumprimento de uma determinada
regra social ocorre com espontaneidade, considera-se que se está diante de
um ato pertencente ao campo da Moral – como, por exemplo, quando não
se dirige automóvel estando sob o efeito de álcool por consciência própria
dos perigos que essa conduta representa aos outros e a si mesmo. Entretanto,
5 FIGUEIREDO, Antônio Macena. Ética: origens e distinção da Moral. Saúde, Ética & Justiça, São
Paulo, v. 13, n. 1, jan/jul. 2008, p. 5.
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