Direito penal do inimigo (ou inimigos do direito penal)

AutorLuiz Flávio Gomes
CargoDoutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista.
Páginas1-5

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1. Jakobs e o direito penal do inimigo

Günter Jakobs, tido como um dos mais brilhantes discípulos de Welzel, foi o criador do funcionalismo sistêmico (radical) que sustenta que o Direito Penal tem a função primordial de proteger a norma (e só indiretamente tutelaria os bens jurídicos mais fundamentais). No seu mais recente livro (Derecho penal del enemigo, Jakobs, Günter e Cancio Meliá, Manuel, Madrid: Civitas, 2003), abandonou claramente sua postura descritiva do denominado Direito Penal do inimigo (postura essa divulgada primeiramente em 1985, na Revista de Ciência Penal - ZStW, n. 97, 1985, p. 753 e ss.), passando a empunhar (desde 1999, mas inequivocamente a partir de 2003) a tese afirmativa, legitimadora e justificadora (p. 47) dessa linha de pensamento.

Resumidamente, dos seus escritos podemos extrair o seguinte:

Quem são os inimigos?: criminosos econômicos, terroristas, delinqüentes organizados, auto- res de delitos sexuais e outras infrações penais perigosas (Jakobs, ob. cit., p. 39). Em poucas palavras, é inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel à norma. O autor cita o fatídico 11 de setembro de 2001 como manifestação inequívoca de um ato típico de inimigo.

Como devem ser tratados os inimigos?: o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, não é um sujeito processual, logo, não pode contar com direitos processuais, como por exemplo o de se comunicar com seu advogado constituído. Cabe ao Estado não reconhecer seus direitos, "ainda que de modo juridicamente ordenado - p. 45" (sic). Contra ele não se justifica um procedimento penal (legal), sim, um procedimento de guerra. Quem não oferece segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não deve esperar ser tratado como pessoa, senão que o Estado não deve tratá-lo como pessoa (pois do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas).

Fundamentos (filosóficos) do Direito Penal do inimigo: (a) o inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser membro do Estado, está em guerra contra ele; logo, deve morrer como tal (Rousseau); (b) quem abandona o contrato do cidadão perde todos os seus direitos (Fichte); (c) em casos de alta traição contra o Estado, o criminoso não deve ser castigado como súdito, senão como Page 2 inimigo (Hobbes); (d) quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, quem não aceita o "estado comunitário-legal", deve ser tratado como inimigo (Kant).

Características do Direito Penal do inimigo: (a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; (b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); (d) não é um Direito Penal retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; (f) o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); (g) o Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito Penal do inimigo combate preponderantemente perigos; (h) o Direito Penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal; (j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade.

Dois...

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