Direito s de personalidade em tempos de dro nes

AutorIsadora Formenton Vargas
Páginas61-84
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DIREITOS DE PERSONALIDADE
EM TEMPOS DE DRONES
Torna-se possível verif‌icar as inúmeras questões sensíveis que suscitam dúvidas
sobre a incorporação dos drones na sociedade, o que vem acompanhado do perma-
nente desenvolvimento tecnológico, em contraste com os desaf‌ios contemporâneos
aos direitos de personalidade, tais como privacidade, honra e imagem, além da inte-
ração dessas espécies com outras liberdades individuais, como a autodeterminação
informativa. Isso porque, entre o desenvolvimento da tecnologia e a proteção dos
direitos de personalidade, verif‌ica-se o risco de adoção a uma maximização daquele
em detrimento desses últimos1.
Dentre as questões sensíveis relacionadas aos direitos de personalidade e dro-
nes, existem as de natureza preventiva: (i) em razão da constatação de que as alturas
permitidas para voo não são capazes de prevenir afrontas à personalidade, tendo
em vista o potencial das câmeras e gravadores acoplados às aeronaves; (ii) devido à
complexidade de se evitar o anonimato, ou pela ausência das certif‌icações necessá-
rias e registros necessários ou pela dif‌iculdade de se rastrear aeronaves, ainda mais
entre privados. Também há as questões de natureza repressiva, (iii) pela dif‌iculdade
de se localizar o operador quando diante de uma operação que não observe o plano
forma e resultado apresentado anteriormente; (iv) em função dos riscos de se abater
ou capturar a aeronave.
Diante desse cenário, o maior desaf‌io é o de compatibilizar interesses colidentes,
pois, de um lado, há, a liberdade de se operar os drones, seja para f‌ins de entretenimen-
to, seja para f‌ins corporativos e, de outro lado, há o direito de estar só2. São conf‌litos
1. Nesse sentido, como bem desenvolvido por Maria Cláudia Cachapuz, ao analisar a normativa do Parlamento
Europeu quanto às recomendações à Comissão sobre Disposições de Direito Civil sobre Robótica, identi-
f‌ica que a comunidade europeia jurídica se encontra “tendente ao estabelecimento de diretrizes gerais de
cunho utilitarista no tema” (2019). Isso se aplica não só ao desenvolvimento da robótica e da inteligência
artif‌icial, como também ao desenvolvimento tecnológico em geral. (2015/2103(INL)). PARLAMENTO
EUROPEU. Relatório que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre
Robótica. [S.l.], 27 jan. 2017. Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//
EP//TEXT+REPORT+A8-2017-0005+0+DOC+XML+V0//PT. Acesso em: 22 maio 2020. Além disso, há
também a teoria desenvolvida por Ann Cavoukian, “Privacy by Design”, no sentido de que a privacidade
deve reger o desenvolvimento tecnológico desde sua idealização. Breve síntese disponível em: https://youtu.
be/teHa_M5JdXo. Acesso em: 22 maio 2020.
2. “Antes do artigo de Warren e Brandeis, vamos encontrar na obra do juiz Thomas Cooley, publicada em
1880, sob o título ‘A Treatise on the Law of Torts’, a primeira utilização da expressão ‘right to be let alone’.
Apesar de ter cunhado a expressão, Cooley não a relacionou com a noção de privacy, mencionando-a em
seu trabalho sobre responsabilidade civil (torts) como parte do seguinte trecho: ‘The right to one’s person
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DRONES E DIREITOS DE PERSONALIDADE: DELIMITAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA ILICITUDE
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que não demandam uma conceituação exaustiva dos direitos de personalidade, e sim
a demonstração da necessidade de se compreender que se resguarda a possibilidade
de correção, pelo exercício de ponderação, “justamente para tornar operante aquilo
que se reconheça como uma liberdade subjetiva”3.
Como se pretende analisar especialmente os direitos de personalidade que dizem
respeito à intimidade e à privacidade e, de uma maneira complementar, à proteção
de dados – e a forma como os drones geram também um retorno à concepção de
privacidade relacionada à propriedade –, requer-se uma releitura contemporânea
da teoria das esferas. Preferencialmente, “não mais a partir de uma visão estanque,
previamente determinada, e sim a partir da ideia de que o público e o privado são
preenchidos em circunstâncias concretas de análise”4.
Além disso, soma-se a preocupação quanto à intensif‌icação de uma sociedade de
vigilância, o que se relaciona com o que Hannah Arendt desenvolveu ao conectar a
necessidade de se identif‌icar as esferas para prevenção de uma dominação totalitária.
Por isso, “para uma teoria das esferas o que se torna essencial é justamente identif‌icar
a conexão que deve ser promovida, no momento da construção de uma argumentação
racional, entre o conhecimento trazido a priori (formal) e o conhecimento trazido
pela experiência (material)”5.
Incluem-se nas justif‌icativas que serão apresentadas quanto à adoção de uma
teoria das esferas sob um viés de complementaridade, a compreensão de que o
Código Civil de 2002 e o capítulo dos direitos de personalidade constituem “um
instrumento normativo aberto às situações concretas, em que as normas são apenas
discursivamente possíveis, nunca podendo se af‌irmar quanto a uma fundamentação
def‌initiva desde sempre”6. Nesse mesmo sentido, de maneira harmônica à adoção
de uma teoria discursiva voltada à universalização, no sentido de dever-ser, com-
preende-se que o Código Civil atual lançou mão de normas abertas para cumprir
essa f‌inalidade, tais como “os princípios normativos, os conceitos indeterminados,
as diretivas (normas-objetivo) e as cláusulas gerais”7. Quanto a essas últimas, em
específ‌ico, “legitimam o julgador a produzir normas cuja valência se estende para
além do caso em que será promanada concretamente a decisão”8.
may be said to be a right of complete immunity: to be let alone’”. ZANINI, Leonardo Estevam de Assis.
O surgimento e o desenvolvimento do right to privacy nos Estados Unidos. Revista Brasileira de Direito
Civil, v. 3. jan./mar. 2015, p. 10. Disponível em: https://www.ibdcivil.org.br/image/data/revista/volume3/
02---rbdcivil-volume-3---o-surgimento-e-o-desenvolvimento-do-right-of-privacy-nos-estados-unidos.pdf.
Acesso em: 23 jun. 2020. No entanto, conforme o mesmo autor (p. 11), Samuel Warren e Louis Brandeis
utilizaram pela primeira vez o termo relacionado à privacidade, quando do célebre artigo “The Right to
Privacy”. Harvard Law Review. v. 4, n. 5. (Dec. 15, 1890), p. 193-220.Disponívelem: http://www.jstor.org/
stable/1321160?seq=1#page_scan_tab_contents.. Acesso em: 26 jun. 2020.
3. CACHAPUZ, 2006, p. 45.
4. CACHAPUZ, 2017, p. 1127.
5. CACHAPUZ, 2017, p. 1135.
6. CACHAPUZ, 2017, p. 1131.
7. MARTINS-COSTA, 2015, p. 120.
8. MARTINS-COSTA, 2015, p. 158.
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