Restrição a liberdades e ilicitude

AutorIsadora Formenton Vargas
Páginas85-104
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RESTRIÇÃO A LIBERDADES E ILICITUDE
Para o desenvolvimento da pesquisa, adotou-se a concepção, desde o início,
de que há, de um lado, uma liberdade de se operar drones, como amplamente de-
monstrado ao se abordar as normas gerais referentes tanto ao cadastro de operador
e aeronave, quanto às regras de acesso ao espaço aéreo, além da abordagem quanto
às modalidades de operações permitidas no Brasil. De outro lado, há uma liberdade
de se estar só, pois restou suf‌icientemente demonstrado que a integração dos drones
na sociedade, a exemplo da análise do plano internacional de questões sensíveis
atinentes à “dronif‌icação” das ações tanto do Estado, quanto dos indivíduos, gera
preocupações em relação aos direitos de personalidade, especialmente – como foi o
enfoque dado – sobre a privacidade.
Nesse sentido, demonstrou-se que a privacidade evoluiu de um conceito limitado
voltado à proteção da propriedade – embora possa vincular-se ainda à propriedade,
perdeu-se a relação de dependência – ao reconhecimento de uma esfera de exclusi-
vidade fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. É esfera necessária
tanto quanto indispensável para se evitar uma sociedade de vigilância extrema, que
possui traços de autoritarismo, sobre os quais se deve estar sempre atento. Justif‌ica-se,
assim, que “não há como se desassociar o exame dos institutos do Direito Civil – e de
todas as relações que o integram – do âmbito de atuação dos direitos fundamentais”1.
Entretanto, essa premissa não signif‌ica uma pretensão de constitucionalização do
direito civil. Ao contrário, pretende-se apenas reconhecer que as posições jurídicas no
âmbito das relações entre privados possam ser verif‌icadas tanto “def‌initivas, quanto
prima facie em razão de uma situação jurídica concreta”2.
Diante do cenário apresentado, o conceito de restrição não surge a priori, enten-
de-se que “entre o conceito de direito e o conceito de restrição não existe nenhuma
relação necessária. Essa relação é criada somente a partir da exigência externa ao
direito sem si, de conciliar os direitos de diversos indivíduos”3. Por conseguinte, surge
a necessidade de se distinguir a teoria interna da externa4, diferenciando-se limitação
de restrição. Quando identif‌icada a possibilidade de restringir uma liberdade, por
vislumbrar-se o reequilíbrio de posições jurídicas, confere-se enfoque à argumentação
pelo discurso jurídico, em busca de uma correção em atenção à “universalidade ao
1. CACHAPUZ, 2018, p. 125.
2. CACHAPUZ, 2018, p. 183.
3. ALEXY, 2017, p. 277.
4. SIEBERT, 1934, p. 85.
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DRONES E DIREITOS DE PERSONALIDADE: DELIMITAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA ILICITUDE
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julgar”5, o que justif‌ica a adoção de uma teoria externa. Ademais, verif‌ica-se que a
restrição é resultado da “ponderação, e, só nesta hipótese admitida de forma ampla.
É diferente, assim, da conf‌iguração dos direitos fundamentais dirigida ao legislador
e, para a qual, se exige, em sentido contrário, uma concepção restrita de limitação”6.
A teoria das esferas ingressa no âmbito de discussão acerca das restrições, uma
vez que essas assumem contornos diversos quando direcionadas à esfera pública,
pelo princípio da igualdade, a f‌im de tornar coexistentes direitos legítimos, uma vez
que há a expectativa de “reciprocidade de conduta aos indivíduos quando dividem
o mesmo espaço social”7. Já quando se observa a esfera privada, verif‌ica-se a possi-
bilidade de se ver af‌irmada, de forma mais ampla, “uma prática de liberdade indivi-
dual, sem ainda verif‌icar o compromisso de que a expressão de liberdade, mantida
no plano privado, pretenda tornar-se uma prática universalizável”8. Por isso, de um
lado, pela igualdade, pretende-se a universalidade; de outro lado, pela exclusividade,
pretende-se a manutenção “dentro de uma ótica reservada, não universalizável”9.
Dessa forma, verif‌ica-se uma relação entre proporcionalidade e a teoria das es-
feras, a partir da adoção da teoria do discurso jurídico10. Nesse sentido, percebe-se
que a cláusula geral de ilicitude, do art. 187, quando lida – pela teoria externa de
restrição – em conjunto com o art. 21, ambos do Código Civil, “oferece as razões que
orientam a medida de ponderação pressuposta ao exame prima facie de um princí-
pio de exclusividade”11, especialmente a partir dos conceitos indeterminados (f‌im
econômico e social, boa-fé, bons costumes), representando um “padrão de abertura
que se impõe ao direito subjetivo à intimidade e à vida privada frente à moral”12. Ou
seja, propõe-se verif‌icar a possibilidade “de limitação de uma situação concreta de
liberdade”13 no âmbito de tutela da esfera privada, com os comandos do art. 187 do
Assim, serão analisados os elementos da ilicitude do art. 187, do Código
Civil, além do próprio desenvolvimento do conceito de ilícito, não para f‌ins de
tradição ou para adoção de uma concepção culturalista14, e sim para verif‌icar que,
5. CACHAPUZ, 2018, p. 100.
6. CACHAPUZ, 2006, p. 166.
7. CACHAPUZ, 2006, p. 221.
8. CACHAPUZ, 2006, p. 221-222.
9. CACHAPUZ, 2006, p. 222.
10. CACHAPUZ, 2006, p. 147.
11. CACHAPUZ, 2006, p. 209.
12. CACHAPUZ, 2006, p. 209.
13. CACHAPUZ, 2006, p. 226.
14. As “formas de expressão das teorias dos valores” (ALEXY, 2017, p. 154), isto é, as teorias axiológicas, são
criticadas por Robert Alexy e encontravam-se presentes na Constituição de Weimar. Alexy refere que um
dos autores mais inf‌luentes do culturalismo alemão foi Rudolf Smend, para o qual “o sentido substancial de
um catálogo de direito fundamentais consiste na sua pretensão de normar uma série substantiva com um
certo grau de unidade, isto é, um sistema de valores ou de bens, um sistema cultural” (ALEXY, 2017, p.154).
Alexy ainda apresenta três grupos de objeções à teoria axiológica: f‌ilosóf‌icas, metodológicas e dogmáticas.
Cachapuz realiza o mesmo esclarecimento com base em Robert Alexy (CACHAPUZ, 2018, p. 72).
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