Os direitos humanos e o estado 'natural' de fundamentação dos direitos

AutorAndré Luiz Olivier da Silva
CargoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil
Páginas133-153
Os Direitos Humanos e o Estado “natural” de
Fundamentação dos Direitos
Human Rights and “natural” State in the Foundation of Rights
André Luiz Olivier da Silva
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo – RS, Brasil
Resumo: Neste artigo pretende-se identificar as
raízes metafísicas dos projetos de fundamenta-
ção dos direitos humanos, que retomam, gene-
ticamente, as doutrinas dos direitos naturais e
apelam a um estado individual e anterior à vida
em sociedade para justificar direitos que não
estão positivados em lei. Com base no modelo
contratualista de pensadores como Thomas Ho-
bbes, o presente texto indaga a noção de “na-
tureza” contida por detrás das leis que regulam
o estado natural dos homens ao mesmo tempo
em que questiona a pressuposição metodológica
do indivíduo – o ser humano livre e racional –
para legitimar a formulação de juízos morais e,
principalmente, a enunciação de direitos como
os direitos humanos. Pretende-se mostrar, ao
final, que não faz sentido abordar os direitos
humanos como noção tradicional de “natureza”,
visto que a natureza humana se constitui a partir
de um contexto coletivo, e não do indivíduo –
embora a discussão contemporânea dos direitos
humanos esteja completamente contaminada
pela metafísica dos direitos naturais.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Direitos
Naturais. Natureza. Indivíduo.
Absctract: This article intends to identify the
metaphysical roots of projects of the founda-
tion of human rights which incorporated ge-
netically the doctrines of natural rights and
call for an individual and anterior state to life
in society to justify rights that not positivized
in law. Based on the contractarian model of
thinkers like Thomas Hobbes, the present ar-
ticle investigates the notion of “nature” con-
tained behind the laws governing the natural
state of men while questioning the method-
ological assumption of the individual – the
free and rational human being – to legitimize
the formulation of moral judgments and, es-
pecially, the enunciation of rights as human
rights. The paper intended to show, in the end,
that it makes no sense to approach human
rights from the traditional notion of “nature”,
as human nature is constituted from a collec-
tive context, and not from the individual – al-
though the contemporary discussion about hu-
man rights is completely contaminated by the
metaphysics of natural rights.
Keywords: Human Rights. Natural Rights. Na-
ture. Individual.
Recebido em: 03/01/2015
Revisado em: 09/05/2015
Aprovado em: 09/06/2015
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2015v36n71p133
134 Seqüência (Florianópolis), n. 71, p. 133-154, dez. 2015
Os Direitos Humanos e o Estado “natural” de Fundamentação dos Direitos
1 Introdução
Os projetos de fundamentação dos direitos humanos parecem aco-
lher a problemática iluminista do valor absoluto da pessoa humana e o
primeiro passo em falso de suas doutrinas é extrair direitos a partir de
razões naturais que são pressupostas em um momento individual, no qual
o homem é inquirido em uma situação isolada como indivíduo que possui
características que são universais, imutáveis e iguais para todos, indiscri-
minadamente. Esse momento fictício tem suas raízes fixadas na argumen-
tação metafísica dos direitos naturais e é também chamado de “estado de
natureza”, ou “estado natural”, no qual, basicamente, todos os homens
são considerados livres e iguais.
O homem passa, então, a ser o foco da investigação, analisado de
forma abstrata, como sujeito detentor de interesses privados ou de uma
vontade livre; é imaginado e pensado por si próprio, como ser racional
e detentor de direitos que lhe são, ou devem ser, “naturalmente” inatos,
verificando-se, assim, a evidência e o favoritismo da razão e, por con-
seguinte, a utopia do progresso da humanidade, quando se conta a his-
tória de um homem emancipado, que estaria livre para escolher e tomar
decisões. Para auferir direitos “naturais” ao ser humano, essas doutrinas
tradicionais que dão coro à tese jusnaturalista terão que pressupor uma
posição inicial e hipotética ao indivíduo, anterior à vida social e a priori
a toda experiência possível, uma posição que seria capaz de fornecer uma
razão prática para universalizar os direitos, tornando os direitos humanos,
por assim dizer, em direitos absolutos.
2 Hobbes e o Estado de Natureza
Um dos expoentes modernos dessa tese é Thomas Hobbes, cujo
pensamento é possível usar para desenhar a caricatura do estado original
de natureza, um estado inicial e hipotético1 que servirá como condição de
possibilidade para a origem dos direitos, um estado no qual a natureza hu-
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é geralmente reconhecido, é uma hipótese lógica, não histórica”. [Hobbes’s state of nature,

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